Não raro os Evangelhos referem que os fariseus, os
escribas e os saduceus iam ter com Jesus para O experimentarem ou para Lhe
armarem ciladas. Não consta que mulheres o tenham feito.
Uma, que sofria há 12 anos de fluxo de sangue,
tocou-Lhe na fímbria do manto porque tinha a fé certa de que seria curada (cf Mc 5,25-34); e a mulher
siro-fenícia, vulgarmente conhecida por cananeia, importunava-O porque a filha
estava atormentada pelo demónio e era necessária a cura (cf Mt 15,21-28).
A samaritana estranhou vê-Lo sentado à beira do
poço de Jacob e pedir-lhe água, sendo Ele judeu, mas, recebida a mensagem
profético-messiânica, correu à cidade a anunciar que tinha encontrado o
Messias. Foi a primeira paladina dos tempos messiânicos (cf Jo 4, 5-42).
Uma pecadora a quem muito foi perdoado porque
muito amou, chorando, lavou os pés de Jesus com as lágrimas, enxugou-lhos com
os cabelos e beijava-os e ungiu-os com perfume (cf Lc 7,38.41). Maria de Betânia “ungiu os pés e Jesus com uma
libra de perfume de nardo puro, de alto preço” (Jo 12,3). Era uma família com um homem e duas mulheres (irmãos) que acolhia Jesus e os discípulos e foi a uma
dessas mulheres que Ele advertiu:
“Eu sou a ressurreição e a vida, quem crer em Mim, ainda que tenha
morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em Mim não morrerá para
sempre.” (Jo 11, 25-26).
Maria Madalena e as outras mulheres que
acompanhavam o Senhor desde a Galileia até ao Calvário, tornaram-se discípulas,
nunca O abandonaram, mesmo no transe da cruz, e contribuíram com os seus
haveres para o sustento do colégio apostólico.
Foi a uma mulher, a sua mãe, que Jesus, do alto
do Cruz, confiou o acolhimento ao discípulo.
Foram as mulheres, com ênfase para Maria de
Magdala, as primeiras a ver o Ressuscitado.
A passagem
evangélica de Mateus (Mt 28,8-15) conta que
as mulheres, com medo, abandonaram à pressa o sepulcro de Jesus, que encontraram
vazio, mas o próprio Jesus aparece-lhes dizendo:
“Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a
Galileia. Lá eles me verão.” (v. 10).
Por seu
turno, o Evangelho de João refere:
“No primeiro dia da
semana, Maria Madalena foi de manhã cedo ao sepulcro, estando ainda
escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do sepulcro. Foi a correr ter com
Simão Pedro e com o outro discípulo, aquele de quem Jesus era amigo, e
disse-lhes: ‘Tiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o puseram’.”
(Jo 20,1-2).
E, mais
adiante, pormenoriza:
“Maria, porém, estava
de pé junto ao sepulcro, do lado de fora, a chorar. Então, enquanto chorava,
debruçou-se para o sepulcro e viu dois anjos em vestes brancas, sentados um à
cabeceira e outro aos pés do lugar onde tinha sido deposto o corpo de Jesus.
Disseram-lhe eles: ‘Mulher, porque choras?’. Disse-lhes: ‘Tiraram o meu Senhor,
e não sei onde o puseram’. Tendo dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus de
pé, mas não sabia que era Jesus. Disse-lhe Jesus: ‘Mulher, porque choras? A
quem procuras?’. Ela, pensando que era o jardineiro, disse-lhe: ‘Senhor, se
foste Tu que o levaste, diz-me onde o puseste, e eu irei buscá-lo’. Disse-lhe
Jesus: ‘Maria!’. Ela, voltando-se, disse-lhe em hebraico: ‘Rabúni!’, que
significa ‘Mestre’. Disse-lhe Jesus: ‘Não me toques, pois ainda não subi para o
Pai! Mas vai aos meus irmãos e diz-lhes: Subo
para o meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus’. Maria Madalena foi
anunciar aos discípulos: ‘Vi o Senhor!’, e as coisas que lhe tinha dito.”
(Jo 20,11-18).
Por tudo
isto, Francisco, neste dia 13 de abril de 2020, aquando da recitação do “Regina Coeli” (oração mariana
que, no Tempo Pascal, substitui o “Angelus”) a partir da Biblioteca do Palácio Apostólico, no Vaticano, observou que o
Ressuscitado confiou às mulheres um mandato missionário em relação aos
Apóstolos. Na verdade, elas “deram um exemplo admirável de fidelidade, de
dedicação e de amor a Cristo no tempo da sua vida pública bem como durante a
sua paixão”. Por isso, “agora são premiadas por Ele com este gesto de atenção e
de predileção”. E o Santo Padre concluiu: “As
mulheres, sempre no início: Maria, no início; as mulheres, no início”.
No acesso à realidade
da Ressurreição, primeiro estão as mulheres, depois os discípulos e, em particular,
Pedro. Mas as mulheres são as pessoas a quem o Ressuscitado apareceu primeiro. Depois,
apareceu aos Onze. E não excluiu ninguém. Os discípulos de Emaús tiveram uma
visita singular de Jesus, que lhes explicou tudo o que as Escrituras diziam
sobre o Messias e deu-Se-lhes a conhecer quando partiu o pão e os abençoou (vd Lc
24,13-35).
Estas mulheres,
por vontade de Cristo, são mensageiras da Ressurreição cujos destinatários são
os discípulos do Senhor, que foram promovidos a ‘irmãos’, mas a estes têm de se
juntar, pela força da Palavra e do Testemunho, todos aqueles e aquelas a quem se
destina a missão da Igreja: “Ide por todo
o mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura” (Mc 16,15).
Dizem alguns
comentadores que Madalena e as outras mulheres não estavam à espera da Ressurreição
e viviam sob a síndrome da morte. É verdade, pois também os apóstolos estavam
confinados à casa que lhes tinha sido emprestada e tinham medo. E, tendo ido
Simão e João ao sepulcro, movidos pela notícia de Maria Madalena, o Evangelho
só de João é que diz: “Viu e acreditou”
(Jo 20,8). A este respeito, disse o Bispo do Porto na homilia
do domingo de Páscoa:
“Correu sérios riscos durante o
percurso doloroso da Paixão do seu Mestre. Mas nunca O abandonou. O amor
verdadeiro, de facto, não deixa que as pessoas se desapeguem. E,
fundamentalmente, só o coração faz ver o que os olhos do corpo não atingem. (…)
Tal como, poucos dias mais tarde, voltará a acontecer ao mesmo São João, no
contexto da pesca milagrosa, quando volta a ser o primeiro a reconhecer o Amigo
e exclamar: ‘É o Senhor’.”
(Jo 21, 7).
E o Papa, no contexto da ressonância do anúncio
do Ressuscitado, foi explícito na referência especial que fez ao trabalho das
mulheres em tempo de pandemia, no cuidado dos
outros”.
“Mulheres médicas, enfermeiras, agentes das
forças da ordem e dos cárceres, funcionárias dos estabelecimentos de bens de
primeira necessidade..., e tantas mães e irmãs que se encontram trancadas em
casa com toda a família, com crianças, anciãos, pessoas com deficiências. Por
vezes, elas correm risco de sofrer violências, numa convivência da qual
carregam um peso demasiadamente grande. Rezemos por elas, que o Senhor lhes
conceda força e que as nossas comunidades possam ajudá-las junto das suas
famílias. (…) Que o Senhor nos dê a coragem das mulheres,
de seguir sempre adiante.”.
Na verdade, ao longo da História da Igreja,
muitas mulheres se distinguiram na promoção do bem da Igreja e do mundo. Basta
mencionar Escolástica, fundadora da Ordem das Beneditinas; Clara de Assis, fundadora
do ramo feminino da Ordem Franciscana; Joana d’ Arc, na salvação da França;
Catarina de Sena, a enfrentar os Papas do Cisma do Ocidente, Teresa d’ Ávila,
na reforma da Ordem do Carmelo; Emilie Tamisier, na criação dos Congressos
Eucarísticos; Faustina Kowalska,
na propagação do culto da Divina Misericórdia; Teresa de Calcutá e Dulce
Pontes, na atenção aos mais desprotegidos. Isto sem falar das mulheres que
cooperaram apostolicamente com São Paulo.
Estas mulheres, como muitíssimas outras, nunca pensaram
cobrar qualquer dívida à Igreja pela sua oração e dedicação ativa, sempre
dispostas ser mais, a dar mais e a fazer mais. Não obstante, a Igreja, mesmo
que não as eleja para o ministério ordenado (presbiterado ou, ao menos, o diaconado), deveria dar-lhes
mais misteres de responsabilidade numa linha não de subalternidade, mas de
autonomia e corresponsabilização. Tantos cargos de coordenação que podiam
desempenhar! E aquelas que, por força do cargo que desempenham, participam em
sínodos, assembleias e conselhos, devem ter direito a voto como os homens que
estão nas mesmas circunstâncias. Dizer ‘obrigado’ é bom, mas não suficiente. As
mulheres não são adorno da Igreja – para isso temos os verdes, as flores, a
talha… – e não vale a desculpa com o modo como a sociedade as considera e
trata. É preciso mais comunhão, cintilação, igualdade e sobretudo equidade.
2020.04.13 – Louro de Carvalho
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