segunda-feira, 13 de abril de 2020

A Igreja tem uma dívida de reconhecimento a Deus pelas mulheres


Não raro os Evangelhos referem que os fariseus, os escribas e os saduceus iam ter com Jesus para O experimentarem ou para Lhe armarem ciladas. Não consta que mulheres o tenham feito.
Uma, que sofria há 12 anos de fluxo de sangue, tocou-Lhe na fímbria do manto porque tinha a fé certa de que seria curada (cf Mc 5,25-34); e a mulher siro-fenícia, vulgarmente conhecida por cananeia, importunava-O porque a filha estava atormentada pelo demónio e era necessária a cura (cf Mt 15,21-28).
A samaritana estranhou vê-Lo sentado à beira do poço de Jacob e pedir-lhe água, sendo Ele judeu, mas, recebida a mensagem profético-messiânica, correu à cidade a anunciar que tinha encontrado o Messias. Foi a primeira paladina dos tempos messiânicos (cf Jo 4, 5-42).
Uma pecadora a quem muito foi perdoado porque muito amou, chorando, lavou os pés de Jesus com as lágrimas, enxugou-lhos com os cabelos e beijava-os e ungiu-os com perfume (cf Lc 7,38.41). Maria de Betânia “ungiu os pés e Jesus com uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço” (Jo 12,3). Era uma família com um homem e duas mulheres (irmãos) que acolhia Jesus e os discípulos e foi a uma dessas mulheres que Ele advertiu:
Eu sou a ressurreição e a vida, quem crer em Mim, ainda que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em Mim não morrerá para sempre.” (Jo 11, 25-26).
Maria Madalena e as outras mulheres que acompanhavam o Senhor desde a Galileia até ao Calvário, tornaram-se discípulas, nunca O abandonaram, mesmo no transe da cruz, e contribuíram com os seus haveres para o sustento do colégio apostólico.
Foi a uma mulher, a sua mãe, que Jesus, do alto do Cruz, confiou o acolhimento ao discípulo.     
Foram as mulheres, com ênfase para Maria de Magdala, as primeiras a ver o Ressuscitado.  
A passagem evangélica de Mateus (Mt 28,8-15) conta que as mulheres, com medo, abandonaram à pressa o sepulcro de Jesus, que encontraram vazio, mas o próprio Jesus aparece-lhes dizendo:
Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão.” (v. 10).
Por seu turno, o Evangelho de João refere:
No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhã cedo ao sepulcro, estando ainda escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do sepulcro. Foi a correr ter com Simão Pedro e com o outro discípulo, aquele de quem Jesus era amigo, e disse-lhes: ‘Tiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o puseram’.” (Jo 20,1-2).
E, mais adiante, pormenoriza:
Maria, porém, estava de pé junto ao sepulcro, do lado de fora, a chorar. Então, enquanto chorava, debruçou-se para o sepulcro e viu dois anjos em vestes brancas, sentados um à cabeceira e outro aos pés do lugar onde tinha sido deposto o corpo de Jesus. Disseram-lhe eles: ‘Mulher, porque choras?’. Disse-lhes: ‘Tiraram o meu Senhor, e não sei onde o puseram’. Tendo dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus de pé, mas não sabia que era Jesus. Disse-lhe Jesus: ‘Mulher, porque choras? A quem procuras?’. Ela, pensando que era o jardineiro, disse-lhe: ‘Senhor, se foste Tu que o levaste, diz-me onde o puseste, e eu irei buscá-lo’. Disse-lhe Jesus: ‘Maria!’. Ela, voltando-se, disse-lhe em hebraico: ‘Rabúni!’, que significa ‘Mestre’. Disse-lhe Jesus: ‘Não me toques, pois ainda não subi para o Pai! Mas vai aos meus irmãos e diz-lhes: Subo para o meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus’. Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: ‘Vi o Senhor!’, e as coisas que lhe tinha dito.” (Jo 20,11-18).
Por tudo isto, Francisco, neste dia 13 de abril de 2020, aquando da recitação do “Regina Coeli(oração mariana que, no Tempo Pascal, substitui o “Angelus”) a partir da Biblioteca do Palácio Apostólico, no Vaticano, observou que o Ressuscitado confiou às mulheres um mandato missionário em relação aos Apóstolos. Na verdade, elas “deram um exemplo admirável de fidelidade, de dedicação e de amor a Cristo no tempo da sua vida pública bem como durante a sua paixão”. Por isso, “agora são premiadas por Ele com este gesto de atenção e de predileção”. E o Santo Padre concluiu: “As  mulheres, sempre no início: Maria, no início; as mulheres, no início”. 
No acesso à realidade da Ressurreição, primeiro estão as mulheres, depois os discípulos e, em particular, Pedro. Mas as mulheres são as pessoas a quem o Ressuscitado apareceu primeiro. Depois, apareceu aos Onze. E não excluiu ninguém. Os discípulos de Emaús tiveram uma visita singular de Jesus, que lhes explicou tudo o que as Escrituras diziam sobre o Messias e deu-Se-lhes a conhecer quando partiu o pão e os abençoou (vd Lc 24,13-35).
Estas mulheres, por vontade de Cristo, são mensageiras da Ressurreição cujos destinatários são os discípulos do Senhor, que foram promovidos a ‘irmãos’, mas a estes têm de se juntar, pela força da Palavra e do Testemunho, todos aqueles e aquelas a quem se destina a missão da Igreja: “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura(Mc 16,15).   
Dizem alguns comentadores que Madalena e as outras mulheres não estavam à espera da Ressurreição e viviam sob a síndrome da morte. É verdade, pois também os apóstolos estavam confinados à casa que lhes tinha sido emprestada e tinham medo. E, tendo ido Simão e João ao sepulcro, movidos pela notícia de Maria Madalena, o Evangelho só de João é que diz: “Viu e acreditou(Jo 20,8). A este respeito, disse o Bispo do Porto na homilia do domingo de Páscoa:      
Correu sérios riscos durante o percurso doloroso da Paixão do seu Mestre. Mas nunca O abandonou. O amor verdadeiro, de facto, não deixa que as pessoas se desapeguem. E, fundamentalmente, só o coração faz ver o que os olhos do corpo não atingem. (…) Tal como, poucos dias mais tarde, voltará a acontecer ao mesmo São João, no contexto da pesca milagrosa, quando volta a ser o primeiro a reconhecer o Amigo e exclamar: ‘É o Senhor’.” (Jo 21, 7).
E o Papa, no contexto da ressonância do anúncio do Ressuscitado, foi explícito na referência especial que fez ao trabalho das mulheres em tempo de pandemia, no cuidado dos outros”.
Mulheres médicas, enfermeiras, agentes das forças da ordem e dos cárceres, funcionárias dos estabelecimentos de bens de primeira necessidade..., e tantas mães e irmãs que se encontram trancadas em casa com toda a família, com crianças, anciãos, pessoas com deficiências. Por vezes, elas correm risco de sofrer violências, numa convivência da qual carregam um peso demasiadamente grande. Rezemos por elas, que o Senhor lhes conceda força e que as nossas comunidades possam ajudá-las junto das suas famílias. (…) Que o Senhor nos dê a coragem das mulheres, de seguir sempre adiante.”.
Na verdade, ao longo da História da Igreja, muitas mulheres se distinguiram na promoção do bem da Igreja e do mundo. Basta mencionar Escolástica, fundadora da Ordem das Beneditinas; Clara de Assis, fundadora do ramo feminino da Ordem Franciscana; Joana d’ Arc, na salvação da França; Catarina de Sena, a enfrentar os Papas do Cisma do Ocidente, Teresa d’ Ávila, na reforma da Ordem do Carmelo; Emilie Tamisier, na criação dos Congressos Eucarísticos; Faustina Kowalska, na propagação do culto da Divina Misericórdia; Teresa de Calcutá e Dulce Pontes, na atenção aos mais desprotegidos. Isto sem falar das mulheres que cooperaram apostolicamente com São Paulo.
Estas mulheres, como muitíssimas outras, nunca pensaram cobrar qualquer dívida à Igreja pela sua oração e dedicação ativa, sempre dispostas ser mais, a dar mais e a fazer mais. Não obstante, a Igreja, mesmo que não as eleja para o ministério ordenado (presbiterado ou, ao menos, o diaconado), deveria dar-lhes mais misteres de responsabilidade numa linha não de subalternidade, mas de autonomia e corresponsabilização. Tantos cargos de coordenação que podiam desempenhar! E aquelas que, por força do cargo que desempenham, participam em sínodos, assembleias e conselhos, devem ter direito a voto como os homens que estão nas mesmas circunstâncias. Dizer ‘obrigado’ é bom, mas não suficiente. As mulheres não são adorno da Igreja – para isso temos os verdes, as flores, a talha… – e não vale a desculpa com o modo como a sociedade as considera e trata. É preciso mais comunhão, cintilação, igualdade e sobretudo equidade.
2020.04.13 – Louro de Carvalho    

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