quarta-feira, 15 de abril de 2020

Maio será de transição, incompatível com fenómenos de massas


O Chefe de Estado esteve hoje, dia 15 de abril, em reunião com especialistas para analisar a situação epidemiológica em Portugal, acabando por sinalizar ajustes na quase certa renovação do estado de emergência, para um terceiro período de exceção até ao dia 1 de maio, sendo que tal renovação possa, nalgumas facetas, não diminuir as exigências de abril relativamente à circulação das pessoas, mas, por outro lado, apontar para o que vai ser a realidade de maio.
O Presidente da República acrescentou que “é cedo para estarmos a falar do que vai ser assunto a decidir no início de maio”, pois haverá uma reunião, proposta pelo Primeiro-Ministro, a 28 de abril para ver os dados, a evolução e fazer o balanço do que se passou em abril e decidir em relação ao futuro imediato”.
Minutos antes daquelas declarações no Infarmed, Marcelo indicou que maio será um mês de “transição progressiva”, frisando que, “se abril correr até ao fim, como esperamos, os portugueses começarão a habituar-se à ideia de conviver com a realidade dum vírus que foi vencido no que representava um risco grave e passa a ser um dado da vida do dia a dia”. E, avisando que “esta é uma transição que terá de ser feita com precaução”, elogiou as atitudes dos portugueses na seriedade de proteção sanitária e no distanciamento no convívio com os outros, agora com o horizonte de retoma progressiva da vida social e económica.
Nestes termos, afirmou que tudo aponta para que “maio comece a ser progressivamente diferente, uma razão de esperança para todos os que estão confinados, porque representa a tal luz ao fundo do túnel de que falava o Primeiro-Ministro para que se comecem a ver essas luzinhas na vida dos portugueses”.
Questionado sobre as restrições a levantar gradualmente, comparando com outros países europeus, o Chefe de Estado aproveitou para traçar as diferenças: “em Espanha, foram levantadas as restrições nos setores da construção e da indústria”, quando em Portugal estas atividades nunca estiveram sob restrição, à exceção do concelho de Ovar; e “à indústria nunca houve restrições”, como declarou, depois, aos jornalistas o Primeiro-Ministro, que sublinhou:
Quando começarmos a eliminar as restrições, terá de ser sempre feito de um modo gradual e progressivo. (…) Há um dado que sabemos: sempre que retirarmos uma medida de restrição sem que haja tratamento, o número de contágios vai aumentar. O que temos é de saber se quando esse aumento do risco de contaminação é controlável ou não.”.
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A 10 de abril, o Presidente da República já dava por garantida a renovação do estado de emergência até 1 de maio, mas considerava prematuro pensar já numa renovação até meados do mesmo mês, como deixou perceber o Primeiro-Ministro no dia 9.
Segundo Marcelo, impunha-se “fazer o acompanhamento dia a dia, pois queremos que a nossa recuperação seja contínua e não haja risco de recaídas, que são sempre mais difíceis”.
O Chefe de Estado, reiterando a ideia da necessidade de ganhar abril para haver uma luzinha em maio, advertia:
Se queremos perspetivas no mês de maio, temos de garantir, até ao final de abril, um decrescimento em números absolutos da infeção. (…) não podemos afrouxar nem baixar a guarda. (…) Estamos em véspera de formalizar a [segunda] renovação do estado de emergência. Esperamos e estamos a trabalhar para que corra o melhor possível, mas uma avaliação realista só será feita no final [deste período].”.
E atirava para este dia 15, depois de nova sessão técnica sobre o evoluir da situação portuguesa, a audição ao Governo sobre a proposta de renovação do estado de emergência, que terá de ser votada no Parlamento no dia 16 (amanhã). Em qualquer caso, considerava não haver necessidade de “repetir restrições tão restritivas como na Páscoa” e agradeceu aos portugueses a forma como estão a respeitar essas restrições, pedindo que o continuassem a fazer até a dia 13. Quis também manifestar o seu apoio à solução apresentada pelo Governo para resolver o ano letivo, considerando que era “a solução possível, no meio de muitas incertezas” e “uma proposta honesta para minorar custos”. E referiu que a solução de regresso às aulas presenciais para o 11.º e 12.º anos, por serem os que têm exames, tem o dom de “evitar as passagens administrativas, a pior solução”. 
Não sei se a sujeição desses alunos, e só desses, a exames nacionais (bem como a dos alunos que estão fora do sistema formal de ensino) garante as suficientes condições de equidade (tão propalada) em relação a estes alunos, aos demais alunos do sistema e à missão da escola. Não será antes uma sujeição ao posicionamento inerte das instituições do ensino superior e às exigências e expectativas dos alunos que frequentam os colégios ou as escolas públicas ditas de referência?  
Marcelo, depois de ter colocado, na página da Presidência, uma nota com o elenco de crimes excluídos dos indultos e dos perdões excecionais de pena por causa da pandemia, insistiu em clarificar que estas medidas, aprovadas no Parlamento e já por si promulgadas, “não cobrem crimes especialmente graves” e, insistindo em que os indultos ou perdão de penas acontece apenas “por razões éticas, humanitárias e de saúde pública”, disse que “há uma razão específica” para estas medidas excecionais “num quadro que não admite especulações com falsas notícias e alarmismos injustificados”.
Garantiu, no entanto, que indultará “caso a caso”, sempre excluindo os crimes mais graves, como o homicídio, a violência sexual (incluindo a pedofilia), de género ou racial, bem como o roubo com violência, o crime de incêndio, o tráfico de droga, a associação criminosa, o branqueamento de capitais e a corrupção passiva ou ativa. Neste leque de exceções incluem-se ainda crimes cometidos por alguém “enquanto titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, ou enquanto membro das forças policiais e de segurança, das Forças Armadas ou funcionários e guardas dos serviços prisionais” – esclareceu.
Interpelado sobre o acordo alcançado no Eurogrupo, que disponibilizou um pacote de 500 mil milhões de euros para fazer frente aos efeitos económicos da pandemia, Marcelo, mais do que se mostrar satisfeito, deixou uma palavra dura:
É um começo, mas a Europa tem a obrigação de ir mais longe no futuro”. 
Para o Chefe de Estado, as medidas acordadas, além de modestas, pecam por tardias: “Seria grave que a Europa não se unisse nestas circunstâncias; já devia ter sido” – vincou.
E, sobre os 4600 milhões de euros disponibilizados a Portugal, considerou que “é uma ajuda para pagar os layoffs e os salários dos pais que ficam em casa por causa dos filhos”, mas pouco mais. E sentenciou:
A Europa vai ter de olhar com muita atenção para aquilo que vai ser a necessidade de reconstrução europeia”.
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Porque os dados da situação económica são demolidores e sem economia é impossível segurar a saúde, o Primeiro-Ministro ouviu especialistas em assuntos económicos e sociais, que equacionam a questão em termos de a economia só reabrir se as pessoas tiverem confiança para voltarem à rua para trabalhar e consumir sem correrem o risco da Covid-19. E tornou-se esta a chave do plano que o Governo quer pôr no terreno dentro de “algumas semanas” para o levantamento gradual das restrições. No fim das reuniões que duraram o dia todo de 14 com mais de 20 economistas, o Ministro da Economia não avançou com uma data para a reabertura da atividade económica, nem antecipou se o próximo estado de emergência conterá medidas de alívio ao confinamento, mas sinalizou que a saída do isolamento pode ser feita através da utilização de máscaras comunitárias, “medida de proteção em grande escala de que até ao momento não dispúnhamos verdadeiramente”.
Siza Vieira, falando aos jornalistas em São Bento após uma reunião entre Governo, economistas e entidades que fazem previsões para a economia portuguesa, declarou:
De uma maneira geral, há uma partilha importante da ideia de que temos de ir construindo uma confiança coletiva na capacidade que tivermos de proteger as populações, de proteger os elementos mais frágeis da população, à medida que nos formos preparando para o levantamento das restrições à atividade económica e à circulação dos cidadãos. Isso é uma componente muito importante da nossa estratégia de transição.”.
O governante frisou a necessidade de “criar na população, nas empresas, a confiança de que estão reunidas as condições para o retorno da atividade gradual progressiva” e referiu que, “daqui a algumas semanas, quando se começar a equacionar o levantamento destas restrições, a mesma autodisciplina, a mesma capacidade de gerir o risco” será pedida às pessoas e às empresas, que têm de ter capacidade de assegurar um ambiente de trabalho em que as pessoas se sintam protegidas duma possível contaminação. Sem entrar em detalhes sobre como isso se fará, deixou alguns sinais ao destacar que foram conhecidas ontem, dia 14, normas técnicas que permitem a construção de máscaras sociais com maior proteção e que as empresas portuguesas já têm capacidade de as fabricar em grande quantidade, podendo ser distribuídas pelos circuitos de comercialização. E salientou que as decisões do Governo sobre a reabertura da atividade incidirão sobre as atividades em que houve decisão administrativa de fecho, sendo que as restantes (como a indústria ou a hotelaria) estão abertas e as que fecharam foi por falta de fornecimento ou de procura.
A reunião de Costa com os economistas ocorreu no dia em que se conheceram as previsões do FMI (Fundo Monetário Internacional), segundo as quais o PIB deverá cair este ano 8% (e o défice de 7,1%), cenário mais pessimista que o apresentado no final de março pelo BdP (Banco de Portugal), que apontava para a descida do PIB até 5,7%. Um inquérito feito do BdP e do INE (Instituto Nacional de Estatística) mostra o impacto das medidas de isolamento: na semana antes da Páscoa, 82% das empresas estavam a produzir ou a funcionar, mas mais de 1/3 com uma quebra de produção superior a 50% na faturação. E os números vão ser “duros”, embora o Ministro das Finanças tenha dito à TVI que a quebra anual do PIB não será superior a dois dígitos.
Um dos temas mais falados no encontro foi o da confiança. Segundo Susana Peralta, professora na Nova SBE, esta crise deixa um lastro de desconfiança no sistema e, portanto, “quando se fala em reativar a economia, tem de se perceber como é que se transmite confiança”. E a ideia de que a causa da crise económica não são as medidas de contenção, mas a pandemia, foi referida para clarificar que, se o Governo optar por abrir demasiado cedo as atividades, isso só terá resultado se as pessoas se sentirem confiantes.
A professora, sustentando que deve aproveitar-se a oportunidade da consciencialização entre os portugueses do que significa um risco sistémico, para atacar outros problemas, defendeu que um eventual plano de relançamento económico europeu poderia ser usado em Portugal para investir na orla costeira e preparar as cidades para um sismo, por exemplo. E outra ideia referida pelos economistas foi a de que se deve tentar “não fazer uma retoma baseada no trabalho de má qualidade”, má organização e salários baixos e falta de formação laboral e gestionária.
Enfim, há que aprender com o confinamento e com a crise que se aproxima para a ultrapassar.
2020.04.15 – Louro de Carvalho

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