Depois de
ouvir o Governo, que se mostrou de acordo, o Presidente da República renovou o pedido
à Assembleia da República (AR) de
autorização para reiterar (art.º 1.º) a declaração
do estado de emergência em todo o território nacional (art.º 2.º), que vigorará desde a 0,00 horas do dia 3 de abril se
prolongará até às 23 horas e 59 minutos do dia 17 (vd art.º
3.º). A Resolução da AR que autoriza a
promulgação e a referenda do decreto presidencial foi aprovada com os votos favoráveis
de PS, PSD, CDS, BE e PAN. Abstiveram-se PCP, PEV, Chega e a deputada não inscrita
Joacine Moreira; e votou contra o deputado do IL.
Aguarda-se
para hoje a publicação, em Diário da
República, quer do Decreto Presidente
da República, quer da predita Resolução
da Assembleia da República.
Entretanto,
o Governo, que tem estado a preparar medidas dentro do quadro que o PR traçou,
deve apresentar, quanto antes, sob a forma de Decreto do Governo, o decreto de execução das diretrizes do decreto
presidencial, a maior parte das quais não se aplicam diretamente, mas apenas a
partir do decreto de execução.
É de registar
que, desta vez o Governo, que, de relutante neste passo há duas semanas, passou
a estar na primeira linha de apoio à decisão de Marcelo e muito atento ao que
faltava incluir e clarificar no novo diploma, ou seja, como diz o Observador, começou soft e está a endurecer. E o decreto presidencial remata pontas soltas do decreto presidencial que
determinou o atual estado de emergência e dá mais armas ao Governo para
controlar a situação, designadamente nos lares, nas prisões e nas empresas. E
ainda mais: “são
ratificadas todas as medidas legislativas e administrativas adotadas no
contexto da presente crise, as quais dependam da declaração do estado de
emergência” (art.º
9.º).
O principal
“foco” das alterações é a quinzena da Páscoa, com restrições a deslocações antes
previstas. O Governo decidirá se esse aperto à circulação se restringe ao fim
de semana da Páscoa ou se vai além dele.
O decreto do
Presidente mantém quase tudo o que diz respeito às alterações ao direito de
deslocação e fixação em qualquer parte do território nacional (incluindo
cercas sanitárias), apenas com
mais a permissão do confinamento compulsivo, não só no domicílio e em
estabelecimentos de saúde, mas também “noutro local definido pelas autoridades
competentes”, o que dá azo a que possam ser usados hotéis ou pousadas para
unidades de apoio hospitalar, tal como o Primeiro-Ministro já tinha assumido na
AR, ou, por exemplo, para acolher idosos que estejam em lares evacuados e que
precisem de ser isolados num local sem terem alternativa viável.
Mais: o
decreto presidencial prevê que os funcionários – de entidades públicas,
privadas ou do setor social – dedicados ao tratamento de idosos, pessoas com
deficiência ou jovens em risco possam ser deslocados para outro local de
trabalho, ao serviço de outra entidade patronal e com horários e condições de
trabalho diferentes. (vd art.º 4.º, alínea a).
Outro foco de preocupação é a população nas cadeias. Rómulo Mateus, Diretor-Geral
de Reinserção e Serviços Prisionais, defende que os reclusos mais velhos e mais
vulneráveis sejam postos no domicílio com pulseira eletrónica para se evitar a
contaminação. E António Costa disse, no dia 1, que o Governo tinha em vista
três medidas para resolver os riscos de contágio na população prisional: propor
ao Presidente um conjunto de indultos que por razões humanitárias podem ser
concedidos; elaborar uma alteração legislativa quanto ao regime de execução de
pena que apresentará à AR; e sujeitar cada caso a um juiz de execução de penas,
pois só ele poderá tomar as decisões adequadas. Na verdade, o Presidente deu
margem para qualquer solução destas, ao decretar que o Governo pode tomar “medidas excecionais e urgentes de proteção
dos cidadãos privados de liberdade em execução de decisão condenatória, bem
como do pessoal que exerce funções nos estabelecimentos prisionais, com vista à
redução da vulnerabilidade das pessoas que se encontrem nestes estabelecimentos
à doença Covid-19” (art.º 6.º).
Quanto às
restrições durante a Páscoa, o período mais temido pelo Governo pelos contactos
que pode potenciar, o decreto presidencial não tem nada que indicie medidas
novas. Porém, o que já está na primeira versão, e que se mantém nesta renovação
do estado de emergência, permite que as regras sejam apertadas – e vão sê-lo. A
questão é se as restrições às deslocações se limitarão ao período das
celebrações pascais ou se se manterão por todos estes 15 dias.
O decreto já
permite a suspensão parcial do “direito de deslocação e fixação em qualquer
parte do território nacional” e que “podem ser impostas pelas autoridades
públicas competentes as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio
e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, incluindo o
confinamento compulsivo no domicílio, em estabelecimento de saúde ou noutro
local definido pelas autoridades competentes”. As saídas continuam só a poder
acontecer para obter cuidados de saúde, para assistir terceiros ou para
trabalhar. Mas mantém-se previsto que possam ser interditas “deslocações” ou simples
“permanência na via pública”.
António
Costa disse, logo na manhã do dia 1, que “este mês é decisivo para controlarmos
a pandemia” e o período da Páscoa é particularmente crítico porque as pessoas
costumam “ir à terra”, os emigrantes regressam e as famílias costumam reunir-se.
Mas não este ano. Ora, isto estará na base das medidas que o Governo vai adotar
para especificar o decreto presidencial.
Os casos de
Espanha e Itália estão a ser tidos em conta na avaliação do Executivo
e, em ambos, existem fortes restrições às viagens entre cidades. No passado fim
de semana, nas principais cidades espanholas, houve estradas bloqueadas para
impedir a saída dos que desejavam ir para segundas residências. Entre nós,
houve convites das autoridades aos condutores a voltarem para trás quando, sem
justificação, se dirigiam para o sul do país. Veremos se a situação se repete,
mas agora com proibições de deslocação para fora do local de residência, por
exemplo, ou como está a acontecer em Itália, com a necessidade de apresentar um
documento para validar a saída.
Alguns
agentes pediam aos condutores documentos comprovativos do motivo da deslocação,
sobretudo para quem estava em trabalho, mas, até agora, não há obrigação legal nesse
sentido, apenas a orientação do MAI a dizer que um comprovativo “facilita”.
Fica
prevista a possibilidade de o Estado pôr as operadoras móveis a enviar
mensagens escritas (SMS) com
informação e alertas da Direção-Geral da Saúde.
O primeiro
decreto estabelecia que não eram permitidos atos de resistência ativa ou passiva
às ordens das autoridades; agora esta não permissão persiste, mas fica
clarificado que quem resistir “às ordens legítimas emanadas pelas autoridades
públicas competentes em execução do presente estado de emergência” pode “incorrer
em crime de desobediência” (art.º 5.º), o que dá
margem à aplicação direta das sanções.
O direito à
greve já estava suspenso no “funcionamento de infraestruturas críticas ou de
unidades de prestação de cuidados de saúde, bem como em setores económicos
vitais para a produção, abastecimento e fornecimento de bens e serviços
essenciais à população”, sendo agora acrescentada à lista de proibições a greve
em “serviços públicos essenciais”.
Além disso, toda a legislação
laboral urgente deixa de ter a participação obrigatória das associações
sindicais na sua elaboração (vd art.º, alínea c), pelo menos quando esse direito “possa representar demora na entrada em
vigor de medidas legislativas urgentes para os efeitos previstos” no decreto do
estado de emergência. Esta era também uma questão que preocupava o executivo,
porque as alterações à legislação laboral que venham a ser necessárias corriam
o risco de ser todas consideradas ilegais por não cumprirem este pressuposto.
O maior de
alterações aparece no atinente aos direitos dos trabalhadores e à propriedade e
iniciativa privada. Terá sido em concertação com o Governo que o Presidente da
República deu margem para medidas mais restritivas junto das empresas,
nomeadamente nas limitações aos despedimentos. A ideia não é proibir, como
acontece noutros países (Espanha e França), mas pôr limites às empresas para não acontecer uma sangria. Esta
possibilidade está contemplada no atual decreto presidencial, bem como “alterações
à quantidade, natureza ou preço dos bens produzidos e comercializados ou aos
respetivos procedimentos e circuitos de distribuição e comercialização”. A
produção pode ter de se dedicar a certos bens essenciais, por indicação do
Governo. E este pode também entrar no controlo do consumo, sobretudo no
“açambarcamento de determinados produtos ou materiais”. Está, pois, aberta a
porta à existência de racionamento (limitação da compra dum determinado
bem) por decisão do Governo, que também
poderá controlar os preços e tomar medidas concretas para evitar a especulação.
E o decreto
protege o Estado em relação às empresas suas concessionárias (por
exemplo, as autoestradas), garantindo
a possibilidade da alteração dos “contratos de execução duradoura ou dispensada
a exigibilidade de determinadas prestações”, bem como da limitação do direito
de estas verem “reposto o equilíbrio financeiro de concessões em virtude de uma
quebra decorrente das medidas adotadas” – o que protege o Governo de futuras
reclamações, por parte destas empresas, para indemnização pelas perdas de
receita (circulação
nas vias ou pontes, por exemplo) em virtude
do estado de emergência.
A decisão
sobre a reabertura das escolas está prevista para 9 de abril, com o
Primeiro-Ministro a admitir como “cenário menos mau” a reabertura no início de
maio. Mas o decreto permite todo o tipo de soluções, já que passa a estar suspensa
a liberdade de aprender e de ensinar (vd art.º 4.º, alínea g). Assim, entre as “restrições necessárias para reduzir
o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia”,
pode estar a “proibição ou limitação de aulas presenciais”. O Governo já está a
preparar formas de lecionar à distância, o que fica já acautelado no diploma
enviado pelo Palácio de Belém à AR. Está prevista a possibilidade de “imposição
do ensino à distância por meios telemáticos (recurso à internet ou à televisão
como nos tempos da Telescola e do IPED), o
adiamento ou prolongamento de períodos letivos, o ajustamento de métodos de
avaliação e a suspensão ou calendarização de provas de exame ou da abertura do
ano letivo”. E António Costa garantiu a intenção do Governo de
impedir que os alunos percam o ano. Assim disse, no programa de Cristina
Ferreira, na SIC, no dia 1:
“Não podemos perder o ano, vamos salvar o ano e assegurar a todos a
maior justiça na avaliação e as maiores oportunidades no acesso educativo para
garantir a aprendizagem que os alunos adquirem.”.
***
Esperamos
sair de cabeça erguida desta crise sanitária. Ficará tudo bem. Deus adiuvet!
2020.04.02 – Louro de Carvalho
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