É exortação de Dom Manuel Linda, Bispo do Porto, em entrevista à Renascença e à Ecclesia, publicada hoje, dia 17, no contexto de crise e
expectativa, por causa da pandemia de Covid-19, e na tentativa de projetar o
futuro próximo e a necessidade de uma resposta coordenada, com as comunidades
locais, tirando consequências da situação de emergência.
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No coração duma região em
que prevalece a agricultura e setores como o têxtil e calçado, e em particular
o do turismo, são dos mais afetados pela crise, o prelado, sem considerações de
índole macroeconómica, entende que é preciso recuperar até finais de junho a tranquilidade social para vir “o turismo de verão” e
“aquele turismo mais de gente que passa apenas um fim de semana ou dois ou três
dias”, condição indispensável “para relançar a economia no Grande Porto”.
Sabe que presentemente já muitas
empresas da região recorreram ao lay-off e há muitos trabalhadores em
dificuldade. Tanto assim é que um dos centros
paroquiais, dentro da cidade do Porto, que servia cerca de 100 refeições está
agora com 350. Disse que há pessoas despedidas – algumas de forma muito fria –
do pequeno comércio, da restauração, e exemplificou:
“Uma parte significativa da comunidade
brasileira entre nós está na restauração. É fácil descartá-los. Eles não vão
reivindicar os seus direitos, até porque alguns não terão permissão de
residência ou ainda estarão a tratar junto do Serviços de Estrangeiros e
Fronteiras.”.
Sobre o emprego e a efetiva revitalização
ou não da economia, mostrou-se convicto de que “as grandes empresas que são solidificadas, bem presentes no mercado de
trabalho”, aguentarão a crise e recuperarão o seu dinamismo e até o aumentarão.
A pari, “o pequeno comércio, a
pequena restauração, os cafés, restaurantes, que vivem fundamentalmente do
turismo,” poderão ter grandes dificuldades e “não é de excluir, que uma ou
outra tenha aproveitado estas dificuldades para se libertar [de] empregados”.
Porém, ainda não se pode fazer um juízo seguro.
Mas são realidades que um mês não é tempo suficiente para julgar.
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Questionado sobre se a propagação
do novo coronavírus com número e percentagem superior a Norte se pode explicar
pelas caraterísticas da economia da região e sua disposição demográfica,
apontou como única razão “a
demografia e a estrutura das nossas cidades”. Com efeito, nos concelhos do
Porto, Matosinhos, Maia, Valongo, Gondomar e V. N. de Gaia, está concentrada “uma
parte significativa, mesmo muito grande, da população aqui do Norte”. E explicou:
“É fácil que nestes contactos sociais, no
mundo do trabalho, as pessoas se contagiem. Aquela reportagem deve ter na sua
mente, típica de quem não sabe o que diz, dizer que é as caraterísticas da
pobreza e tal… a pobreza está presente em todo o país e muito mais noutras
regiões do país.”.
A reportagem a que se referia o Bispo diocesano era da TVI e atribuía o
surto nortenho de Covid-19 à pobreza, à falta de educação, à iliteracia – o que
é repelente.
Sendo que o número de
infetados, sobretudo os idosos e em particular aqueles que vivem em lares,
merece uma reflexão particular porque nem tudo tem corrido bem, Manuel Linda
apontou a ausência das estruturas centrais no terreno, mas destaca como excecional “a dedicação absolutamente
extraordinária das direções e dos funcionários, daquelas que pertencem à Igreja
ou das que estão fora”, bem como a “presença das câmaras municipais, poder de
proximidade”.
Convidado a distinguir
o trigo do joio e lembrado de que terá classificado de imoral a devolução de
idosos infetados aos lares, apontou “os protocolos com os hospitais, do
Ministério da Saúde…” e mostrou dúvidas se, “de facto, as estruturas nacionais,
a nível da saúde, estão a dar-se conta do que é o problema dos nossos lares”. E
desenvolveu com fortes marcas de oralidade:
“Porque dizendo assim: cheguem lá e
confinem-nos, no quarto isolado, devem ter um conjunto de trabalhadores para
substituir. Mas quem o está a dizer? Algum lar tem dois ou três grupos, um para
o trabalho efetivo e outro de suplência? Quando uma parte significativa dos
nossos trabalhadores parte está infetada? Fazer esquemas no papel é a mesma
coisa que agredir o bom senso.”.
Aduzindo que “é preciso descer à realidade como ela é”, assegurou:
“Quem está nessa realidade, presente, são as
estruturas diretivas e câmaras municipais que têm sido impecáveis,
inacreditáveis nessa presença. São as câmaras municipais que estão a fazer os
testes que o Ministério da Saúde não fez, até ao momento, aos velhinhos.”.
E é face a este panorama que assegura que “não é o momento de nos dividirmos,
mas de nos juntarmos”, mas não deixou de apontar que “nem tudo está a funcionar
bem a nível nacional” e que põe “mais confiança nas estruturas locais,
concretamente nas câmaras municipais, que têm dado exemplo de extrema dedicação”.
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A seguir, foi-lhe solicitado
que falasse da resposta à crise a nível internacional. E a este respeito,
observou que “a Europa
ainda não é uma Europa unida”. Na verdade, “falharam muitos países na ajuda de que
a Itália e Espanha precisavam”, sendo cada país a tentar “resolver com as suas
estruturas este problema que é global”. Não obstante, não se pode desistir ou
desanimar, pois “a Europa é um projeto, não uma realização já obtida”.
E, instado a pronunciar-se
se, a nível mundial, lhe merecem reparos alguns comportamentos como os dos
presidentes Trump e Bolsonaro, limitou-se a apontar a índole balofa do
populismo, o qual “nunca tem
por detrás uma estrutura mental ou científica”.
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Estando Dom Manuel Linda à
frente da diocese do Porto há dois anos, feitos no passado dia 15 de abril,
data da sua entrada solene na diocese, de que tomou posse no dia 14, perante o colégio
dos consultores, foi-lhe pedida uma avaliação deste horizonte temporal.
Logo à cabeça, veio a
questão da falta de sacerdotes (transversal a todo o país) e se esta o fez pensar em
alterações na organização das paróquias. Aí, começou por fazer uma avaliação positiva
da diocese: “uma diocese extraordinária, bem
estruturada, com imensas possibilidades”.
Dizendo que não vive “desesperado com a falta de clero”, entende que falta “se
pensarmos na velha estrutura”, de cada paróquia (às vezes bem pequena) ter um pároco. Com efeito, segundo o prelado, “neste
momento não faz falta dotar uma paróquia com 200 ou 250 habitantes”. Mas claramente,
se tivesse mais padres, tinha trabalho para eles”. E rematou este quesito
dizendo:
“O clero, que é extraordinário aqui no Porto,
vai chegando e vai-se dedicando. Ninguém fica sem evangelização por falta de
clero ou sem sacramentos porque um sacerdote não pode.”.
Selecionando como grande
preocupação a unidade no trabalho em
conjunto, desenvolveu:
“A preocupação é sempre de uma unidade que
temos de construir em conjunto, com espírito de equipa, como presbitério e diocese
única. Tenho um clero excecional, um conjunto de diáconos meritório, são 99,
três seminários a funcionar em pleno. Temos um laicado absolutamente espantoso,
grande parte dos nossos serviços diocesanos estão confiados a leigos: na
família, nas migrações e turismo, na catequese, enfim… tantos setores confiados
a leigos e que desempenham com a mesma categoria aquilo que noutros setores é
desempenhado por sacerdotes e diáconos.”.
Depois, afirmou que as estruturas estão a funcionar e não é necessária,
neste momento, a preocupação com a economia, embora não se possa “voltar a um
certo anarquismo”, até porque este tempo “não é propício a abrandar a exigência”.
E assegura:
“Temos as possibilidades de caminhar e temos
vontade para o fazer. É isso o mais importante.”.
Tendo-lhe sido recordado que
a situação económica é preocupante, Dom Manuel atalhou:
“Todas as dívidas foram saldadas e, graças a
Deus, temos saldo positivo”.
Em relação às consequências
do isolamento social nas instituições da diocese, paróquias ou serviços
centrais, foi questionado se está na linha do horizonte o recurso ao lay-off e
como salvaguardar os postos de trabalho. A isto respondeu que tudo depende da
cada instituição – paróquia,
centro social, ou outras estruturas, casas mais vocacionadas para serviços – devendo
cada uma fazer a sua análise, pois “não vai ser o Bispo a dar orientação
genérica”, até porque já foram transmitidas informações a todas essas instituições
para analisarem de acordo com a lei e os princípios. Porém, não se furtou a
falar do não conseguido desta vez e falou dos ofertórios:
“O mais significativo costumava ser a
chamada renúncia quaresmal. Os cristãos da diocese eram convidados a deixar de
lado alguma coisa que poupavam e partilhavam com quem mais necessitava. Por
exemplo, neste ano, tinha decidido que seria para arranjarmos camas de
emergência para as pessoas em situação de sem-abrigo na zona do Porto.
Obviamente que não tendo havido uma celebração normal da Quaresma, não tendo
havido depósito das ofertas. Este ofertório, estou a imaginar que vai ser
praticamente nulo. Aquilo que era o nosso objetivo de arranjar 10, 15 ou 20
camas porventura, para as pessoas em situação de sem abrigo, camas de
emergência, este ano não conseguiremos.”.
Sustenta que há paróquias com dificuldade em pagar aos funcionários, mas
que tudo depende do tempo que durar esta situação. Se for possível retomar o
culto coletivo, a recuperação será fácil. Caso contrário, é preciso “ver como
agir”.
Tendo a Covid-19 sido um
desafio pastoral e, em concreto, à celebração da Páscoa, disse que, embora de formas diversificadas, “foi notório que os
sacerdotes e estruturas paróquias quiseram assinalar a ressurreição de Cristo
de maneira original”. E afiançou:
“Os párocos estão muito presentes com os
seus paroquianos, em contactos telefónicos, e através das modernas formas de
comunicação. Os nossos padres não estão a dormir. A Páscoa no Porto foi
assinalada. De qualquer maneira estamos sempre em contactos, os sacerdotes
comigo e eu com eles, para tentarmos em qualquer circunstância descobrir o
melhor.”.
Os tempos de isolamento
social mostraram a relevância da comunicação na pastoral para ouvir o Bispo e
os diocesanos. A este respeito, foi questionado sobre se a estrutura de
comunicação na diocese está pensada ou tem de ser pensada nesses formatos ora
utilizados, ao que respondeu:
“Vimos do clássico, do jornal, bastante
lido, uma página de Internet e comunicações via e-mail ou relativamente
semelhantes quando necessárias. Tudo isto tem de ser repensado porque a
estruturas e os tempos de hoje exigem mais. (…) A Diocese do Porto está a
fazê-lo e a Igreja em Portugal está a ver as possibilidades de uniformizar
critérios e constituir alguma maneira, uma grande central de comunicação. Não
será uma televisão ou um jornal nacional, embora isso não seja de excluir. Está
tudo a ser pensado; e esta situação atual obrigou a esta urgência.”.
Anuiu ao lado inspirador do
ensinamento que o Vaticano e o Papa em particular nos dão ao garantir
proximidade diária com todo o mundo através dum serviço de comunicação que,
agora, tem sido o principal serviço da Santa Sé e enfatizou:
“Isso mostra que é um exemplo para nós,
diocese, e até para o todo nacional, para qualquer outro país. Tentaremos não
ignorar a mensagem.”.
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Por fim, relativamente à
segunda renovação do estado de emergência, disse que é para levar a sério,
pois, apesar de “a economia
sofrer”, é agora melhor curar-nos para, “quando estivermos com saúde”, trabalharmos
no máximo e “renovar as estruturas de produção”. De facto, com dois meses sem
trabalhar, o produto interno bruto abranda de forma assustadora.
Opinando que o confinamento deve ser levado muito a sério, lamenta as
notícias segundo as quais o confinamento baixou de 76 para 57% em dois dias, o
que “é gravíssimo” e só espera que os casos de contágio não disparem. E, quanto
à suspensão do culto coletivo, frisou que esta Diocese do Porto foi a primeira
a fazê-lo, pois chegou-se à conclusão de que as assembleias podiam ser foco de
contágio e decidiu-se o que, a princípio, não foi bem encarado por parte de
algumas pessoas. Na verdade, há que “ajudar a sociedade que precisa da nossa
ajuda”.
***
Eis o
Bispo que não tem papas na língua e diz quanto é preciso dizer! Nunca lhe doa a
língua, nem se lhe embote o aparo da pena. A causa exige a palavra, a orientação
e os atos.
2020.04.17 –
Louro de Carvalho
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