Este é o
meu voto para todos os familiares, com quem partilhei vida, alegrias e
preocupações, e aos amigos e amigas com quem tive o ensejo de me cruzar na vida
pessoal, vocacional, social, profissional e política!
Na
verdade, estamos na Semana Santa ou Semana Maior, em que aos cristãos é dado
meditar, rezar e festejar todo o dinamismo inerente à Paixão de Cristo,
culminando com celebração litúrgica da Ressurreição do Senhor a partir da Vigília
Pascal em noite de sábado prolongando-se por 50 dias, até ao domingo do
Pentecostes, que este ano, se celebra a 31 de maio.
Hoje é a
Quarta-feira Santa, Grande Quarta-feira, Grande e Sagrada Quarta-feira ou
Quarta-feira de Trevas. É a quarta-feira que antecede a celebração da Paixão,
Morte e Ressurreição de Jesus – o 4.º dia da Semana Santa (por
isso é que é Quarta-feira Santa),
no cristianismo ocidental e o 5.º, no cristianismo oriental, que inclui o
chamado sábado de Lázaro, anterior ao Domingo de Ramos.
Nas Igrejas
Ortodoxas e nas Igrejas Católicas Orientais, mormente nas de rito
bizantino, este dia é chamado de “Grande e Sagrada Quarta-feira” ou
“Grande Quarta-feira”. É evocada a mulher que ungiu Jesus antes
da sua sepultura e o acordo de Judas Iscariotes com os príncipes dos
sacerdotes para lhes entregar Jesus por 30 moedas. Na manhã deste dia, é
cantado um hino conhecido como “Kassiani”,
composto por Santa Kassia no século IX, que relata a história da mulher
que ungiu Jesus, principalmente sob a perspetiva da mulher. A composição é tão
poderosa que não raro os fiéis vão até às lágrimas. O canto pode durar até 25
minutos e é, do ponto de vista litúrgico e musical, um dos destaques do ano
inteiro. E, por conta do acordo feito por Judas, neste dia, para trair Jesus
logo que vislumbrasse a oportunidade, os cristãos ortodoxos praticantes
geralmente jejuam nas quartas-feiras de todo o ano, além das
sextas-feiras, que são dia de abstinência em muitas comunidades cristãs também
no Ocidente.
Nas Igrejas
do Ocidente, a tradição consagrou, com algumas razões, a designação de
Quarta-feira de Trevas, hoje não usada. Até à reforma litúrgica ordenada pelo
Concílio Vaticano II, na sequência da promulgação da Constituição conciliar “Sacrosanctum Concilium”, sobre a Sagrada
Liturgia, no Domingo de Ramos, fazia-se, na missa ao Evangelho, a proclamação
da Paixão segundo São Mateus (Mt 26,36-75; 27,1-60); na segunda-feira, a proclamação do episódio a unção em Betânia (Jo 12,1-9); na terça-feira, a proclamação da
Paixão segundo São Marcos (Mc
14,32-72; 15,1-46); na
quarta-feira, a proclamação da Paixão segundo São Lucas (Lc 22,39-71; 23,1-53); e na sexta-feira, a proclamação da
Paixão segundo São João (Jo
18,1-40; 19,1-42).
Sucede que o
Evangelho de São Lucas, no relato da Paixão, até há quase 50 anos proclamado
neste dia, alude às trevas em dois momentos: aquando da prisão de Jesus (Lc 22,53) – “Estando Eu todos os dias convosco
no templo, não me deitastes as mãos; mas esta é a vossa hora e o domínio das
trevas”; e aquando da morte do Senhor (Lc 23,45) – “O Sol tinha-se eclipsado e o véu do templo rasgou-se ao meio”. Por
outro lado, pelo contexto, o Ofício de Matinas (hoje, Ofício de Leitura), bem como a hora de Laudes segundo alguns, de
Quinta-feira Santa, de Sexta-feira Santa e de Sábado Santo era designado por
“ofício de trevas”, pois as velas do altar ou, no coro, as do candelabro iam-se
apagando à medida que se rezava o ofício e, quando a igreja estava em total
escuridão, fazia-se o estrépito a evocar o terramoto e o fendimento das rochas de
que fala São Mateus aquando da morte de Jesus (Mt 27,51), num ambiente de trevas que envolveram toda a terra (cf Mt 27,45). Além disso, é de anotar que, dado o
preenchimento litúrgico e paralitúrgico do dia de Quinta-feira Santa (Missa Crismal, em que são benzidos o
óleo dos catecúmenos e o óleo dos enfermos e consagrado o Crisma; Missa da Ceia
do Senhor; Procissão e Adoração do Santíssimo Sacramento; e, ainda procissões
populares das endoenças),
o predito Ofício de Matinas era antecipado para a noite de quarta-feira.
Hoje, a
proclamação da Paixão segundo os sinóticos distribui-se, no Domingo de Ramos na
Paixão do Senhor pelo ciclo de 3 anos (versão longa: Ano A, Mt 26,14 – 27,66; Ano B, Mc 14,1 –
15,47; e Ano C, Lc 22,14 – 24,56); e, na Sexta-feira Santa, mantém-se o relato solene da
Paixão segundo São João (Jo
18,1 – 19,42), como
dantes.
Mitigamos o
cenário tenebroso e meditamos melhor o mistério do Servo do Senhor: no Domingo
de Ramos (Is 50,4-7), como discípulo destinado a dar alento
aos abatidos e que não foge às dificuldades, porque o Senhor vem em seu
auxílio, pelo que não ficará desiludido; na segunda-feira (Is 42,1-7), como o servo eleito pelo Senhor e
seu enlevo para ser a luz das nações, abrir os olhos aos cegos e libertar os
prisioneiros e os que habitam nas trevas; na terça-feira (Is 49,1-6), como servo escolhido desde o ventre
materno para, como luz das nações, levar a salvação até aos confins da terra;
e, na quarta-feira (Is
50,4-9a), o mesmo servo
que em Domingo de Ramos, mas agora a desafiar os adversários, os que o querem
condenar, a que se apresentem.
Por outro
lado, firmados na proclamação da Paixão no domingo passado, na segunda-feira,
lemos o trecho do Evangelho de São João (Jo 12,1-11), em que Jesus repreende Judas escandalizado por a mulher que ungia os
pés do Senhor estar, por antecipação ao dia da sua sepultura, a usar um produto
cujo valor podia ser distribuído pelos pobres, pois ela tinha guardado o
perfume para o dia da sepultura do Mestre (Equívoco: guardou o perfume ou dispersou-o agora? Só o
âmbito catequético permite aceitar a repreensão de Cristo naqueles termos); na terça-feira, meditamos trechos
do Evangelho de São João (Jo
13,21-33.36-38), em que
Jesus avisa que um dos discípulos o entregará e outro o negará e referiu os
respetivos nomes; e, na quarta-feira, o Evangelho de São Mateus (Mt 26,14-25), aborda o acordo de Judas com os
príncipes dos sacerdotes para lhes entregar Jesus por 30 moedas, a procura de
ocasião por parte de Judas para trair o Senhor, a indicação do traidor por
Jesus e a ordem para que fizesse o que tinha a fazer.
É neste
contexto sobre o qual a História vai lançando a sua bruma, mas que a situação
presente que perpassa o mundo ilustra com as cores mais sombrias apenas
interrompidas pelos genuínos e necessários raios de esperança, que nos
preparamos para celebrar a partir de nossas casas: a instituição da Eucaristia
na noite de Quinta-feira Santa, ao serviço da qual Jesus criou o sacerdócio
ministerial sobre o sacerdócio batismal que todos herdamos do incruento sacrifício-banquete
eucarístico e do sacrifício cruento da cruz para vivermos o mandamento novo do
amor efetivo e afetivo que o Senhor instituiu – comungar, adorar, celebrar,
amar; a comemoração da Paixão, escutando a Palavra, fazendo oração universal,
adorando a Cruz e o Crucificado, comungando e meditando a via crucis em sexta-feira; a observação do silêncio e do exercício
orante no sábado; e a eclosão da Páscoa da Ressurreição na festa da luz
criadora e recriadora, na escuta orante da Palavra, na renovação dos
compromissos batismais e na realização eucarística, polvilhando de aleluias eucarísticos
retumbantes os 50 dias de tempo pascal, que se aproximam cada vez mais. Por
outro lado, circundam-nos: os obreiros do bem, que zelam heroicamente pela
saúde dos doentes e dos sinalizados para quarentena; os que providenciam ao
nosso sustento, segurança, dotação de equipamentos; os que nos dão informação
equilibrada e nos põem em contacto com o mundo; os que pelos meios disponíveis
nos alimentam a fé, o ensino, a cultura o exercício físico e mental; enfim, as
autoridades políticas que, hoje mais do que nunca, estão verdadeiramente
vocacionadas para a promoção e manutenção do bem comum, para que a república na
pereça no desânimo, para que a economia não soçobre e para que as instituições
funcionem o mais democrática e eficientemente possível. Tudo para que a vida
vença!
E como sinal
e augúrio de que a vida vencerá temos a Páscoa e é bom que seja a Páscoa de
Cristo, a nossa Páscoa, a Páscoa que não deixa ninguém pobre, ninguém prostrado
sozinho na doença, ninguém perdido no abandono, ninguém atirado para o
descarte, ninguém vitimado pela exploração, pela injustiça ou pela corrupção.
Na verdade,
pela paixão redentora do Filho de Deus, abriu-se aos homens o caminho da fé, para
proclamarem a glória do Pai que está nos céus e, “no admirável poder da cruz,
resplandece o julgamento do mundo e a vitória do Crucificado” (cf PREFÁCIO DA PAIXÃO I). Por conseguinte, louvaremos sempre a Deus, mas com maior
solenidade e entusiasmo quando celebramos Cristo imolado como nossa Páscoa,
porque “Ele é o Cordeiro de Deus que tirou o pecado do mundo: morrendo destruiu
a morte e ressuscitando restaurou a vida” (cf PREFÁCIO PASCAL I). Assim, é oferecido a todos os
homens de todos os tempos e lugares o ensejo de, na plenitude da alegria
pascal, exultarem e cantarem a glória de Deus e conseguirem a edificação de um
mundo justo, fraterno, solidário e harmonioso.
Nesta Páscoa,
estaremos em casa. Mas é desejável não nos sentirmos encaixotados a curtir
qualquer doença mental por falta de serenidade. É, ao invés, útil que nos
sintamos no aconchego familiar e, de vez em quando, nos mostremos encaixilhados
a olhar o mundo e a ser olhados por ele. E á maior parte das pessoas não faltam
meios tecnológicos e mentais para tanto.
Por tudo
isto, apesar da escuridão que nos invada, dos eclipses que ocorram nestes dias
e dos estrépitos que nos perturbem, a todos e a todas uma Páscoa plena de
bênção, santidade, alegria, vida e humanismo, ao jeito das pessoas simples,
sinceras, cordatas!
2020.04.08 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário