sábado, 4 de abril de 2020

O estado de emergência dá azo a outras formas de lecionação



António Costa avisou, em 2 de abril, aquando da renovação do estado de emergência, que não era “o momento de vermos a luz ao fundo do túnel”, mas de refrear as expectativas positivas e garantir que o isolamento continua a ser respeitado, e que o Governo ainda poderá apertar as medidas de restrição antes de as suavizar. Para prevenir tal decisão, pediu ao Presidente da República uma margem de atuação maior neste segundo decreto do estado de emergência.
Entretanto, quer reabrir, a 4 de maio, as aulas do ensino secundário – 10.º, 11.º e 12.º anos – na expectativa de que o controlo do surto de Covid-19 possa confirmar-se ao longo deste mês.
Para tanto, o Primeiro-Ministro quer pareceres da DGS e de especialistas e ouvirá o CNE (Conselho Nacional de Educação) e o CE (Conselho de Escolas) – E porque não a ANQEP? –, para aferir da existência de consenso, sendo que a hipotética reabertura não poderá ser para todos, pois o distanciamento social ainda tem de ser prolongar. Por isso, Costa opta pela retoma das aulas presenciais só no ensino secundário, medida que desbloqueará o maior problema desta interrupção, podendo a 1.ª fase dos exames de acesso ao ensino superior ocorrer em julho, com a remissão da 2.ª fase para setembro, o que evitaria grandes atrasos no início do novo ano letivo.
Além da retoma parcial da escola, teríamos o primeiro sinal de regresso à normalidade. Por outro lado, o ensino via digital cria desigualdades entre as crianças e jovens, pois muitos (uns 5%) não têm acesso a ele. Ora, se alguns alunos tiverem aulas presenciais, o Governo pode recorrer a um canal da TDT (acessível a quase todo o país) para separar as disciplinas e anos por horários, de modo que todos consigam aceder aos conteúdos. Porém, se todos os alunos estiverem em casa, a única solução será recorrer também a canais por cabo (que não há em todas as casas).
Neste cenário, dependente da contínua avaliação do surto durante cada semana de abril, o Ministério da Educação (ME) podia redistribuir os alunos por escolas que não estão em uso, mantendo o distanciamento necessário para evitar novo pico da doença.
Se os dados permitirem, a 9 de abril, algum otimismo, o Governo encarará o futuro com uma luz de esperança. E, se tudo correr pelo melhor, será de aliviar algumas restrições em maio para que em junho se retome alguma normalidade. E, mesmo que possam surgir mais casos de Covid-19, mas com o SNS mais robusto, o Governo admite como possível e desejável o levantamento das restrições, na convicção de que o “comportamento exemplar” destes dias pode atingir ponto de saturação psicológico difícil de aguentar. De facto, muitos estudantes revelam na situação de confinamento, ansiedade, apatia ou agitação como revela o Observatório de Políticas de Educação e Formação.
Depois, é preciso criar condições para que julho, agosto e setembro sejam meses de volta do turismo e a economia dê a volta, sem o que ficará definitivamente confirmada a crise.
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A rede europeia antevê que, neste ano letivo, os alunos não voltam a ter aulas presenciais. Mas, se tudo correr como previsto, vem aí uma nova versão da Telescola, motivada pela pandemia de Covid-19 em vez de o ser pelas limitações financeiras ou dificuldades de transporte. E arrancará a 13 de abril, dia que o calendário escolar determinava de regresso às aulas após a interrupção das atividades por ocasião da Páscoa. A notícia está a ser avançada pela edição deste sábado do Público, que explica que na RTP está já “constituída uma equipa com pessoal criativo e técnico para colocar o projeto de pé”, mas só para os alunos até ao 9.º ano. E o presidente da administração da RTP confirmou que “a RTP e o Ministério da Educação estão a trabalhar para haver conteúdos educativos para serem emitidos pela televisão pública”. A oferta vai ser criada em parceria com a RTP e usar canais disponíveis na TDT e outras plataformas da TV pública. Será uma nova Telescola, mas com outro nome e formato distintos do que os estudantes conheceram a partir de 1965, pois será pela televisão que o ME fará o ensino chegar a um maior número de alunos, quando se torna claro que as aulas presenciais vão continuar suspensas por causa da pandemia. Será lecionado o último período, com aulas de segunda a sexta-feira, como na escola, através dum ou mais canais de acesso universal da RTP, isto é, que estão na TDT (Televisão Digital Terrestre), gratuita, e outras plataformas da televisão pública.  
Os conteúdos disponibilizados em TV são apresentados pelo ME como complementares ao acompanhamento que os professores farão à distância. ME e RTP estão a estudar soluções para que não haja sobreposições de programação para as famílias que têm mais do que um filho.
O Governo afasta do nome Telescola, porque o conceito ora proposto será totalmente diferente do que existiu nos anos 1960 e 70, concentrado em apenas dois anos, equivalentes aos atuais 5.º e 6.º anos e tinha apoio em sala de aula.
De fora fica o ensino secundário, para o qual serão anunciadas medidas específicas na próxima semana, sobretudo para os alunos que têm exames nacionais agendados para Junho.
Na RTP, está uma equipa com pessoal criativo e técnico a colocar o projeto de pé. Mas há ainda muito por definir, como o tempo diário de emissão, a sua repartição pelos diferentes níveis de ensino (se se agregam vários anos dum ciclo), se são gravados na RTP ou num agrupamento escolar. Os conteúdos são da exclusiva responsabilidade do ME, que ainda não pormenorizou o novo modelo de ensino mediado pela TV. E a operadora pública é “parceira no sentido de assegurar a produção televisiva e a emissão num ou vários canais da RTP”.
A tutela só vai pronunciar-se após a decisão sobre o eventual prolongamento da suspensão das aulas presenciais, medida que será tomada dia 9.
No passado fim de semana, o Ministro da Economia antevia que o 3.º período traria aulas na TV por cabo. Porém, a opção do ME recaiu sobre a TDT, que tem uma taxa de penetração superior. Além do mais, todos os canais da TDT estão também nos pacotes de cabo. Na TDT, a RTP tem quatro canais (1, 2, 3, e Memória, a que se somam os canais dos Açores e Madeira, com emissão nas respetivas regiões autónomas). Tendo em conta a natureza de cada um, a maior facilidade em libertar faixas horárias estará na RTP2 (que já tem dois blocos horários com programação infantil) e na RTP Memória. Depois, há a plataforma digital RTP Play, que pode mostrar conteúdos já emitidos em antena ou outros exclusivamente para este serviço. E há ainda uma outra solução na TDT, que implica negociar com a Altice: além dos canais da RTP, da SIC, TVI e ARTV, a plataforma da televisão digital tem espaço para mais dois canais, mas o seu uso para telescola implica um processo mais demorado. Além dos conteúdos disponibilizados nos canais TDT, a RTP vai dar uma nova visibilidade à plataforma Ensina, ainda pouco conhecida na comunidade educativa. Lançada em 2014, reúne conteúdos educativos em vídeo, áudio e infografias divididos por matérias: Artes, Português, Ciência, Cidadania, além duma área infantil destinada à educação pré-escolar.
O exemplo para esta nova modalidade de lecionação é colhido de outros países em que já está em curso. É o caso de Itália, o primeiro país a encerrar escolas; de França, em que a France Télévision mudou a programação do canal France 4 para transmitir aulas ao vivo, ministradas por professores de escolas públicas; da Irlanda e da República Checa; e do Senegal.
Que a substituição das salas de aulas pelas salas de estar no quotidiano dos estudantes está para durar é a convicção dos especialistas da rede europeia Eurydice (rede de peritos que reúne informações sobre educação na Europa), que, em relatório divulgado esta semana, antecipam que a generalidade dos alunos europeus não voltará às escolas até ao final do ano letivo. A maioria dos países reavalia a situação a cada duas semanas, estando o regresso às aulas ainda previsto para 13 de abril. Porém, os governos devem decidir renovar a suspensão. Alguns governos suspenderam as aulas por tempo indeterminado. Malta foi o único país a anunciar que as escolas se manterão encerradas até ao final do ano letivo. A Finlândia estendeu a suspensão das aulas até 13 de maio, duas semanas antes da data do termo do período letivo. De acordo com o relatório, aquele país prepara-se para estender o encerramento das escolas até ao final do período. E é provável que outros países façam anúncio semelhante nos próximos dias e semanas. Portanto, a perspetiva de os alunos não retornarem à escola neste ano académico é mesmo real.
A rede Eurydice, que publica regularmente estudos sobre os sistemas educativos do continente, recolheu dados sobre o impacto das medidas de mitigação da Covid-19 em cerca de 40 países. De acordo com o seu relatório, só dois países não encerraram totalmente as escolas: Islândia e Suécia mantêm abertas as escolas primárias e do 2.º ciclo do ensino básico, que recebem estudantes mais novos. As restantes estão encerradas, como sucede no resto dos países. Em Itália, as escolas fecharam a 5 de março, decisão seguida desde logo pela Albânia, Grécia, República Checa e Roménia. A maioria dos sistemas educativos europeus (Portugal incluído) fechou as escolas até 16 de março. O último foi o Reino Unido, a 20 de março.
Segundo a Eurydice, “todos os países europeus estão a organizar aulas à distância”. Os métodos variam entre uso de materiais usados na escola, recurso a plataformas de e-learning, conteúdos partilhados através de redes sociais e aulas divulgadas em programas de televisão nacionais.
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Segundo um inquérito do Observatório de Políticas de Educação e Formação – iniciativa coordenada pelo Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra –, a maioria dos alunos (64,7%) diz querer voltar à escola rapidamente. As famílias cumprem as ordens de confinamento: mais 3/4 dos alunos (76,1%) não têm saído de casa; 1/3 não sai por completo da habitação; 40% saem até ao quintal, jardim ou parque de estacionamento da casa. Porém, como se disse, muitos revelem ansiedade, apatia e agitação.
A isto, Ana Benavente refere que “a escola tem um valor extraordinário do ponto de vista da socialização” e mesmo “alunos que não gostam das aulas, gostam do convívio com os outros”.
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Na verdade, a escola, além de ter a missão de educar e ensinar, é um poderoso fator de socialização e de transferência psicossocial das virtudes e frustrações pessoais e familiares. É, pois, de esperar que, de regresso, os estudantes ou se mostrem inibidos ou “partam tudo”.
Quanto à problemática do confinamento em casa, tudo depende da situação e da forma com se encara. Pode ser de encaixotamento ou de encaixilhamento. No 1.º caso, as pessoas não vão à varanda ou à janela nem aproveitam alguma janela de oportunidade que a lei ou a situação lhes facultem, ficando em pijama e muitas embrenhadas nos jogos de computador e consola com auscultadores e outros meios de utilização unipessoal, curtindo um monacal ensimesmamento. Fisicamente, o apartamento sem varanda, sem logradouro, confinante com a rua e com outros prédios, quiçá exíguo para o número de pessoas que o habitam. No 2.º caso, as pessoas vão à varanda ou à janela e aproveitam todas as janelas de oportunidade que a lei ou a situação lhes facultem, vestindo-se como para sair e ocupando-se das mais diversos modos: leitura, cozinha, artefactos, bricolage, arranjo de casa e roupa, rádio e televisão, jornais, telefonemas, redes sociais, videoconferências. Fisicamente, a habitação com uma área comum ou a moradia com logradouro ou jardim, confinando com rua ou praça com espaço para movimentação, embora com as cautelas devidas ao estado de emergência.
Quanto, ao ensino à distância, é de referir que é o mal menor, não equivalendo ao usual teletrabalho. Não há como a lecionação em presença, que é adequada ao grupo de alunos e acompanha os ritmos de aprendizagem. Por alguma razão a telescola foi remetida para o aoristo.
É óbvio que se concorda com a ministração de ensino mediatizado como ocasionalmente necessário, mas devidamente acompanhado pelos professores da escola, que podem esclarecer dúvidas e exigir contas do trabalho desenvolvido pelos alunos. Neste aspeto, creio que a prioridade da aprimoração da metodologia, recursos e acompanhamento deveria ir para o ensino básico, que alicerça o perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória. Mas aplicar telescola a crianças do 1.º ciclo, nomeadamente do 1.º ano é brincar às casinhas!
Já no atinente à predita priorização de aulas presenciais para o ensino secundário, temo que um regresso às aulas precipitado e/ou atabalhoado seja pressionado pela sociedade-bem, que não quer perder o ensejo de os filhos entrarem no ensino superior, o que é legítimo, mas longe de ser prioritário. Se estes alunos fizessem a sua parte, o ensino mediatizado incidente na consolidação dos conteúdos já lecionados, prepará-los-ia para duas fases de exame em setembro. E o ano letivo não sofreria grandes atrasos. Por outro lado, muitos podiam acompanhar crianças com menos de 12 anos (irmãos e outros familiares) que tivessem de ficar em casa, enquanto os pais iam trabalhar. Tempo de crise não pode concitar só alguns tipos de solidariedade!
Depois, continua a falar-se muito de exames. E as disciplinas que não têm como coroa os exames, qual a sorte delas? E, se em tempo de crise se determinasse que para ingresso no ensino superior bastaria a média do ensino secundário, remetendo para exames apenas os alunos que estão fora do sistema de ensino.   
Por fim, a haver alguma prioridade de aulas presenciais, seria para os alunos do ensino profissional, essencialmente práticos, em que o ensino mediatizado poucas vantagens traz por se exigir muito exercício orientado e observável.
Que o CNE (Conselho Nacional de Educação), a ANQEP (Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional) e o CE (Conselho de Escolas) aconselhem bem o Governo.
2020.04.04 – Louro de Carvalho

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