sexta-feira, 3 de abril de 2020

“Agora têm de ser os bancos a olhar para esta situação”



É uma perspetiva retributivista a do Cónego Lino Maia, pároco de Aldoar e presidente da CNIS, quando afirma, em entrevista à Renascença e Ecclesia de hoje, 3 de abril, que “nós salvámos os bancos, agora têm de ser os bancos a olhar para esta situação”. Aliás, o tom foi dado pelo Primeiro-Ministro quando se deu conta de que a crise sanitária originaria uma crise económica e social; e Rui Rio acusou o toque ao dizer, no Parlamento, no âmbito do debate sobre a autorização ao Presidente da República para reeditar o estado de emergência, que seria uma vergonha e uma ingratidão os bancos terem lucros nos exercícios de 2020 e 2021.
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Entretanto, na entrevista em referência, o presidente da CNIS alerta para a necessidade de realizar testes para deteção de Covid-19 em todos os lares e encontrar respostas de emergência, na pandemia, e manifesta preocupações no atinente às crises iminentes.
Diz o Cónego Maia que as associadas da CNIS estão preocupadas com os lares de idosos e com os lares residenciais, sendo que, nestes, estão pessoas com deficiência e, não raro, sem retaguarda familiar, carecidas também de muitos apoios. E serão a população mais fragilizada. No entanto, é de registar que há muitos lares de idosos para lá dos detidos pela CNIS, que gere 843, quando na totalidade são cerca de 2000. De facto, além dos lares das associadas da CNIS, “há lares de misericórdias, lares lucrativos e outros”. E a contaminação não privilegia setores.
Embora afirme que as mortes de pessoas por Covid-19, ocorridas em lares de idosos por falta de testes de despistagem, como denunciou, em entrevista à Renascença, o Bispo de Aveiro, não são propriamente de IPSS ou Misericórdias, sustenta que “o problema é igual” e que os testes são mesmo necessários. E eles faltam. Tem sido garantido que se vão fazer testes “quando há sintomas, sinais”. Certamente que “é preciso começar por esses”, mas são precisos em todos os lares, pois, “quando se encontram sinais, sintomas, provavelmente já é tarde, já o vírus anda em mais do que numa pessoa”. Por isso, é de testar todos os idosos do lar e todos os funcionários.
Porém, o entrevistado adverte que “não pode ser apenas o testar”. Este tem de imediatamente ser seguido de “um conjunto de respostas de emergência, como sejam residências alternativas, voluntários para substituir trabalhadores, equipamentos de proteção individual”, “até para não criar um alarme geral”: é preciso ter logo uma resposta alternativa. 
É verdade que o material necessário de proteção foi chegando às instituições, mas falta muito, pelo que a União das Misericórdias e a CNIS estão preocupadas, “porque não há equipamentos de proteção individual, ou estão no mercado a preços exorbitantes”. E adianta:
Vão chegando agora equipamentos que o Estado importou e penso que, nestes próximos dias, começarão a ser distribuídos pelas instituições, mas é evidente que isso deveria ter sido já há uma semana ou 15 dias. É um bocado tarde, mas é o que é.”.
Refere o Cónego Maia que é esta dificuldade que motiva a campanha de angariação de fundos para equipamentos de proteção, lançada simultaneamente pela CNIS e pela RedeMut. Trata-se de angariar fundos “para podermos fornecer às instituições os equipamentos necessários”, sendo que “tem havido adesão por parte de algumas empresas”. Porém, defende o presidente da CNIS que o mais importante fundamental “é que haja aqui um apoio sistemático”.
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Interpelado pelo facto de recentemente haver lamentado que as Instituições de Solidariedade não estivessem a receber da parte do Estado o apoio de que precisam e questionado se se mantém atual esse lamento, esclarece com lisura, compreensão e apreensão:
Claro que, neste momento, somos todos a lamentar, porque são muitas as frentes de luta. É importante que não nos esqueçamos de que, nestes lares, temos uma população frágil, a mais carecida de apoio, muitas vezes com um histórico de saúde já complicado. Estamos a falar de uma multidão de cerca de 200 mil pessoas, não apenas residentes em lares, mas pessoas também apoiadas pelas instituições que eram utentes de Centros de Dia. Toda esta população precisa de atenção.”.
Sobre o alerta de alguns responsáveis por diferentes instituições, incluindo bispos, para a iminência de muitas delas virem a fechar por razões financeiras, o Cónego Lino Maia, também assistente eclesiástico da Obra Diocesana de Promoção Social da diocese do Porto diz que “as instituições estão em risco já há bastante tempo e não apenas por esta crise”. Porém, para ser justo, declara que, em relação a esta crise, “o Estado tem protegido estas instituições, porque mantém o apoio que vinha dando a valências que encerraram”. Assim, “continuam a receber os montantes dos acordos de cooperação, o que acautela muitas situações”. Contudo, pensa que “seria importante que houvesse um reforço financeiro” para com as “instituições que estão com idosos”. E discorre:
Ele é necessário sempre, mas em particular, neste momento, relativamente a estas instituições. Estamos convictos de que vai haver um sinal positivo, nos próximo dias. Não será suficiente, mas é um sinal.”.
Depois, afirma-se esperançoso ao manifestar-se convicto de que “vamos conseguir manter o serviço que vamos prestando”, graças à resiliência ao engenho e à arte dos “nossos dirigentes”.
Questionado se o apoio do Estado prometido nesta altura será um sinal de esperança para as muitas instituições que podem estar em vias de insolvência, responde que “não vamos precisar de ver colapsos para ter esse sinal”, mas que não é suficiente, “é apenas um sinal de que o Estado reconhece que é importante não se deixar cair esse setor”.
Relativamente à descodificação desse sinal que lhe é pedida pelo entrevistador, observa:
Vai haver um reforço financeiro, pouco, percentual. Está em questão se é para todas as instituições ou se é para aquelas que têm idosos ou que estão de portas abertas e a prestar os serviços necessários. É um reforço extraordinário, porque todos os anos negociamos a atualização dos acordos de cooperação. Penso que este reforço extraordinário, embora seja muito pequeno, é um sinal positivo. Depois, veremos então a atualização dos acordos.”.
Julga que se trata dum reforço extraordinário decorrente da crise pandémica que vivemos e diz que está já quase concretizado em negociações com o Ministério da Solidariedade, mas que entende dever ser o Governo, por estes dias, “a anunciar esse sinal”.
No respeitante às implicações, para as instituições sociais, da renovação do estado de emergência, nomeadamente em relação às alterações no calendário escolar, acentua que há implicações e recorda que as instituições de solidariedade, em todos os distritos, identificaram creches e infantários, para receber os filhos dos trabalhadores na saúde, na segurança e nas IPSS. Porém, não deixa de reconhecer que o encerramento das escolas traz dificuldades acrescidas, pois “haverá trabalhadores que, mesmo assim, apesar da identificação de espaços, precisarão de ficar em casa, e isso afeta sempre”.
Sobre a possibilidade de desempregados e trabalhadores em lay-off poderem integrar lares e hospitais, para poder responder à Covid-19, mostra-se convicto de que os próprios trabalhadores ficarão gratos com essa possibilidade, pois “a classe trabalhadora em Portugal é uma classe solidária, responsável”. Perante esta situação muito difícil, “eles próprios verão com bons olhos essa identificação, essa requisição, para trabalhar onde é preciso”, sobretudo onde há pessoas frágeis. E, como “há sempre trabalhos que se podem executar com facilidade”, o presidente da CNIS olha “de forma muito positiva esta capacidade de as pessoas, face às necessidades, identificarem energias, capacidades, para satisfazer essas necessidades”.
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E é no âmbito da crise económica subsequente à pandemia que aflora a afirmação sobre a banca:
Nós resolvemos o problema financeiro dos bancos, agora têm de ser os bancos a olhar para esta situação. É importante que a banca esteja ao serviço da solução deste problema.”.
Confia que haverá sinais bons da parte da banca e da sociedade em geral, pois “os portugueses são extraordinários”. E, enquanto confessa a importância do respeito pelas orientações que estão a ser dadas – “ficar em casa, o isolamento é muito importante” –, deixa o apelo à solidariedade.
Confessa-se “muito apreensivo” em relação à saída da crise: “estamos no princípio da crise, que vai durar muito tempo”. Teme que o prolongamento da crise agrave os problemas. E explica:
As instituições de solidariedade já viviam com enormes dificuldades, nós temos a prova de que 40% das instituições tinham resultados negativos, sistematicamente, com esta situação, que se vai prolongar, temo que isto se agrave. É importante que haja cuidado, atenção. O desemprego vai aumentar sistematicamente. (…) Vamos precisar de um programa de emergência, aliás já há pessoas que estão a estudá-lo, partidos que já estão irmanados nesta elaboração.”.
A fase pós-crise vai “mostrar um país mais pobre, mais deprimido, com mais pessoas a precisarem de ajuda”. Aí precisaríamos mais da solidariedade europeia, quando, pelo menos aparentemente, nem todos estão a remar no sentido da solidariedade. E o Cónego Maia lamenta que “a Europa solidária, a Europa social que emergiu no final da II Guerra Mundial e que deu tão bons sinais ao mundo, nos finais dos anos 60”, pareça agora em recessão, o que é “muito mau”, pois “nós só imaginamos uma Europa social, uma Europa solidária”.
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É pena que o Conselho Europeu, nomeadamente a parte dos países a norte (Cederão quanto tiverem as barbas a arder?), não leia esta entrevista do presidente da CNIS – o porta-voz dos que estão no terreno da discrição e da ação – e outras peças com este apelo à solidariedade. A Europa tem de acordar antes que o incêndio da indiferença a destrua. Haja esperança!
2020.04.03 – Louro de Carvalho

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