sábado, 25 de abril de 2020

Após o estado de emergência, o país passa à situação de calamidade


António Costa revelou, no dia 24 de abril, que o Governo está a ponderar a passagem do estado de emergência para situação de calamidade a 3 de maio, decisão que não tem de passar pelo Presidente da República e que permite a manutenção de muitas das restrições pesadas que foram impostas ao país e que estão a levar as pessoas a um estado de saturação e desconforto.
O país cumprirá, no próximo dia 2 de maio, a 3.ª edição da declaração presidencial do estado de emergência (a 1.ª iniciou-se a 19 de março), estado excecional previsto na Constituição (acima deste só o estado de sítio para quando estiverem em causa as condições do exercício da soberania) que, suspendendo o exercício de direitos, liberdades e garantias, dá ao poder executivo autorização para decretar medidas restritivas como o confinamento, a limitação da circulação, a requisição de instalações e serviços privados, a suspensão do direito à greve e à participação dos representantes dos trabalhadores na elaboração de leis laborais.
A declaração do estado de emergência (aliás como a do estado de sítio) está prevista no art.º 19.º da CRP (Constituição da República Portuguesa), no respeito pelo princípio da proporcionalidade e não pondo em causa os direitos à vida, integridade e identidade físicas, capacidade civil e cidadania, bem como o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião. E é, nos termos da alínea d) do art.º 134.º, competência do Presidente da República, que, nos termos do n.º 1 do art.º 138.º, deve ouvir o Governo e obter autorização da Assembleia da República.
Registe-se que, desta vez, os decretos presidenciais de declaração ou de renovação do estado de emergência preservaram o exercício do direito de informar e de ser informado.    
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A 2 de maio, termina o último período de emergência por causa da pandemia Covid-19, mas isso não quer dizer que tudo regresse à normalidade a 3 de maio. Na verdade, o Primeiro-Ministro deixou claro que não, devendo as novas restrições ser determinadas ao abrigo de novo estado de exceção, a declaração de calamidade, a situação mais elevada de risco prevista na Lei de Bases da Proteção Civil (aprovada pela Lei n.º Lei n.º 27/2006, de 3 de julho e cuja última redação resulta da Lei n.º 80/2015, de 3 de agosto), acima da situação de alerta (artigos 8.º. 9.º, 11.º, 12.º. 13.º, 14.º e 15.º), em que o país estava antes de passar diretamente a estado de emergência, e da situação de contingência (artigos 8.º, 9.º, 11, 12.º. 16.º, 17.º e 18.º).
Estes estados de exceção estão previstos no art.º 8.º, vindo os pressupostos, obrigação de colaboração e efeitos, indicados nos artigos 9.º, 11.º e 12.º, respetivamente.
Nos termos dos art.º 19.º, a declaração da situação de calamidade é da competência do Governo e reveste a forma de resolução do Conselho de Ministros, podendo esta, segundo o art.º 20.º, ser precedida de despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do Ministro da Administração Interna a reconhecer a necessidade de declarar a situação de calamidade, que pode já, nos termos do art.º 30.º, determinar algumas medidas.   
A predita resolução menciona expressamente: a natureza do acontecimento que originou a situação declarada; o âmbito temporal e territorial; o estabelecimento de diretivas específicas relativas à atividade operacional dos agentes de proteção civil e das entidades e instituições envolvidas nas operações de proteção e socorro; os procedimentos de inventariação dos danos e prejuízos provocados; os critérios de concessão de apoios materiais e financeiros. Pode ainda estabelecer: a mobilização civil de pessoas, por períodos de tempo determinados; a fixação, por razões de segurança dos próprios ou das operações, de limites ou condicionamentos à circulação ou permanência de pessoas, outros seres vivos ou veículos; afixação de cercas sanitárias e de segurança; a racionalização da utilização dos serviços públicos de transportes, comunicações e abastecimento de água e energia, bem como do consumo de bens de primeira necessidade. Determina o acionamento das estruturas de coordenação política e institucional territorialmente competentes. E implica a ativação automática dos planos de emergência de proteção civil do respetivo nível territorial (vd art.º 21.º).
A declaração da situação de calamidade é condição suficiente para legitimar o livre acesso dos agentes de proteção civil à propriedade privada, na área abrangida, e a utilização de recursos naturais ou energéticos privados, na medida do estritamente necessário para a realização das ações destinadas a repor a normalidade das condições de vida (vd art.º 23.º/1) e implica o reconhecimento da necessidade de requisitar temporariamente bens ou serviços, nomeadamente a verificação da urgência e do interesse público e nacional, que fundamentam a requisição, a definir por despacho dos Ministros da Administração Interna e das Finanças (vd art.º 24.º).
Ora, a decisão será tomada a 30 de abril, depois da reunião entre os responsáveis políticos e os epidemiologistas prevista para o dia 28. Para já, o Chefe do Governo anunciou que no fim de semana prolongado (1, 2 e 3 de maio), em que termina o período de exceção atualmente em vigor, a circulação entre concelhos vai ser restrita como aconteceu no fim de semana da Páscoa. Com efeito, embora um dos dias já caia fora do estado de emergência, que termina às 24 horas do dia 2 de maio, Costa avisou que o Governo tem “instrumentos legais” para continuar a “restringir a circulação” e promover o confinamento. Aliás, muitas das medidas restritivas já existiam antes de ter sido decretado o estado de emergência, como vincou.
instrumento legal que está em cima da mesa permite a manutenção de muitas das “medidas de carácter excecional destinadas a prevenir, reagir ou repor a normalidade das condições de vida nas áreas atingidas pelos seus efeitos”, no caso, o país todo. Este grau de exceção foi decretado, antes do estado de emergência, para Ovar, que impôs à cidade e ao concelho fortes restrições, incluindo a cerca sanitária. O Governo fica, pois, habilitado a restringir a circulação e a manter o confinamento, tendo o dever de encontrar respostas aos problemas da população.
A ideia é que a situação de calamidade produza efeitos logo após a cessação do estado de emergência, opção preferida por Costa quando o Presidente da República declarou o estado de emergência, com o Primeiro-Ministro a mostrar publicamente, antes da declaração de Marcelo, que entendia ser essa uma “medida extraordinariamente grave e as pessoas não tinham bem a consciência do que significa”. Na altura defendeu, em entrevista à SIC-Notícias, que,  mesmo sem estado de emergência, o estado de calamidade pode impor de forma mais generalizada essas restrições. E é para aí que pondera seguir desta feita.
A vantagem decorrente das sucessivas edições da declaração do estado de emergência foi o ter envolvido os três órgãos de soberania mais conotados com a política criando, quase consensualmente em torno do Governo uma aura de autoridade, de que já não precisa, e colocando no centro da ribalta o Chefe de Estado, que assumiu ser o primeiro responsável e que o Governo tenta proteger alegando sintonia e cooperação entre os diversos órgãos do poder político. Por outro lado, suscitou-se o debate político numa área relevante em que os cientistas não falavam a uma só voz. Mas de substância nada ou muito pouco.
2020.04.25 – Louro de Carvalho

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