António
Costa revelou, no dia 24 de abril, que o Governo está a ponderar a passagem do
estado de emergência para situação de calamidade a 3 de maio, decisão que não
tem de passar pelo Presidente da República e que permite a manutenção de muitas
das restrições pesadas que foram impostas ao país e que estão a levar as
pessoas a um estado de saturação e desconforto.
O país
cumprirá, no próximo dia 2 de maio, a 3.ª edição da declaração presidencial do
estado de emergência (a 1.ª iniciou-se a 19 de março), estado excecional previsto na Constituição (acima deste
só o estado de sítio para quando estiverem em causa as condições do exercício
da soberania) que, suspendendo
o exercício de direitos, liberdades e garantias, dá ao poder executivo
autorização para decretar medidas restritivas como o confinamento, a limitação
da circulação, a requisição de instalações e serviços privados, a suspensão do
direito à greve e à participação dos representantes dos trabalhadores na
elaboração de leis laborais.
A declaração
do estado de emergência (aliás como a do estado de sítio) está prevista no art.º 19.º da CRP (Constituição
da República Portuguesa), no
respeito pelo princípio da proporcionalidade e não pondo em causa os direitos à
vida, integridade e identidade físicas, capacidade civil e cidadania, bem como
o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião. E
é, nos termos da alínea d) do art.º 134.º, competência do Presidente da
República, que, nos termos do n.º 1 do art.º 138.º, deve ouvir o Governo e
obter autorização da Assembleia da República.
Registe-se
que, desta vez, os decretos presidenciais de declaração ou de renovação do
estado de emergência preservaram o exercício do direito de informar e de ser
informado.
***
A 2 de maio,
termina o último período de emergência por causa da pandemia Covid-19, mas isso
não quer dizer que tudo regresse à normalidade a 3 de maio. Na verdade, o
Primeiro-Ministro deixou claro que não, devendo as novas restrições ser
determinadas ao abrigo de novo estado de exceção, a declaração de calamidade, a situação mais
elevada de risco prevista na Lei
de Bases da Proteção Civil (aprovada pela
Lei n.º Lei n.º 27/2006, de 3 de julho e cuja última redação
resulta da Lei n.º 80/2015, de 3 de agosto), acima da situação de alerta (artigos 8.º.
9.º, 11.º, 12.º. 13.º, 14.º e 15.º), em que o
país estava antes de passar diretamente a estado de emergência, e da situação
de contingência (artigos 8.º, 9.º, 11, 12.º. 16.º, 17.º e 18.º).
Estes
estados de exceção estão previstos no art.º 8.º, vindo os pressupostos,
obrigação de colaboração e efeitos, indicados nos artigos 9.º, 11.º e 12.º,
respetivamente.
Nos termos
dos art.º 19.º, a declaração da situação de calamidade é da competência do
Governo e reveste a forma de resolução do Conselho de Ministros, podendo esta,
segundo o art.º 20.º, ser precedida de despacho conjunto do Primeiro-Ministro e
do Ministro da Administração Interna a reconhecer a necessidade de declarar a
situação de calamidade, que pode já, nos termos do art.º 30.º, determinar
algumas medidas.
A predita resolução menciona expressamente:
a
natureza do acontecimento que originou a situação declarada; o âmbito temporal
e territorial; o estabelecimento de diretivas específicas relativas à atividade
operacional dos agentes de proteção civil e das entidades e instituições
envolvidas nas operações de proteção e socorro; os procedimentos de
inventariação dos danos e prejuízos provocados; os critérios de concessão de
apoios materiais e financeiros. Pode ainda estabelecer: a mobilização civil de
pessoas, por períodos de tempo determinados; a fixação, por razões de segurança
dos próprios ou das operações, de limites ou condicionamentos à circulação ou
permanência de pessoas, outros seres vivos ou veículos; afixação de cercas
sanitárias e de segurança; a racionalização da utilização dos serviços públicos
de transportes, comunicações e abastecimento de água e energia, bem como do
consumo de bens de primeira necessidade. Determina o acionamento das estruturas
de coordenação política e institucional territorialmente competentes. E implica
a ativação automática dos planos de emergência de proteção civil do respetivo
nível territorial (vd art.º 21.º).
A declaração da situação de calamidade é condição suficiente
para legitimar o livre acesso dos agentes de proteção civil à propriedade
privada, na área abrangida, e a utilização de recursos naturais ou energéticos
privados, na medida do estritamente necessário para a realização das ações
destinadas a repor a normalidade das condições de vida (vd art.º 23.º/1) e implica o reconhecimento da necessidade de requisitar
temporariamente bens ou serviços, nomeadamente a verificação da urgência e do
interesse público e nacional, que fundamentam a requisição, a definir por
despacho dos Ministros da Administração Interna e das Finanças (vd art.º 24.º).
Ora, a
decisão será tomada a 30 de abril, depois da reunião entre os responsáveis
políticos e os epidemiologistas prevista para o dia 28. Para já, o Chefe do
Governo anunciou que no fim de semana
prolongado (1, 2 e 3 de maio), em que termina o período de exceção atualmente em vigor, a circulação
entre concelhos vai ser restrita como aconteceu no fim de semana da Páscoa. Com
efeito, embora um dos dias já caia fora do estado de emergência, que termina às
24 horas do dia 2 de maio, Costa avisou que o Governo tem “instrumentos legais”
para continuar a “restringir a circulação” e promover o confinamento. Aliás, muitas
das medidas restritivas já existiam antes de ter sido decretado o estado de
emergência, como vincou.
O instrumento legal que está em cima da
mesa permite a manutenção de muitas das “medidas de carácter
excecional destinadas a prevenir,
reagir ou repor a normalidade das condições de vida nas áreas atingidas pelos
seus efeitos”, no caso, o país todo. Este grau de exceção foi decretado,
antes do estado de emergência, para Ovar, que impôs à cidade e ao concelho
fortes restrições, incluindo a cerca sanitária. O Governo fica, pois,
habilitado a restringir a circulação e a manter o confinamento, tendo o dever
de encontrar respostas aos problemas da população.
A ideia é
que a situação de calamidade produza efeitos logo após a cessação do estado de
emergência, opção preferida por Costa quando o Presidente da República declarou
o estado de emergência, com o Primeiro-Ministro a mostrar publicamente, antes
da declaração de Marcelo, que entendia ser essa uma “medida extraordinariamente
grave e as pessoas não tinham bem a consciência do que significa”. Na altura
defendeu, em entrevista à SIC-Notícias, que, mesmo sem estado de
emergência, o estado de calamidade pode impor de forma mais generalizada essas
restrições. E é para aí que pondera seguir desta feita.
A vantagem decorrente das sucessivas edições da
declaração do estado de emergência foi o ter envolvido os três órgãos de
soberania mais conotados com a política criando, quase consensualmente em torno
do Governo uma aura de autoridade, de que já não precisa, e colocando no centro
da ribalta o Chefe de Estado, que assumiu ser o primeiro responsável e que o
Governo tenta proteger alegando sintonia e cooperação entre os diversos órgãos
do poder político. Por outro lado, suscitou-se o debate político numa área
relevante em que os cientistas não falavam a uma só voz. Mas de substância nada
ou muito pouco.
2020.04.25 –
Louro de Carvalho
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