quarta-feira, 22 de abril de 2020

Testes serológicos aos alunos nas universidades para criar confiança


É uma das sugestões do Ministro da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior, como revelou em entrevista ao Observador, a 21 de fevereiro, pois testar a imunidade dos estudantes poderá ser uma forma de “transmitir confiança” no regresso às aulas presenciais e no modo como as universidades e politécnicos lidarão com a pandemia. Isto apesar de o teste só dar a perceber se alguém teve contacto com o vírus, mas não que se está imune, sendo que este segundo dado será apurável quando for conhecido o nível protetor dos anticorpos criados pela Covid-19.
O Ministro conta com a resistência de alguns reitores – que admitem abrir só alguns espaços e setores específicos –, mas entende que isso não é desautorizar o Governo e espera que todos cumpram uma “autonomia responsável”, já que “a autonomia não serve para tudo”, devendo a universidade dar o exemplo de resposta ao problema sem medo, mas com conhecimento.
Poderia estar prevista a limitação da autonomia para garantir o cumprimento das medidas. Porém Manuel Heitor defende-a “dentro e fora do Governo” e diz não estar a ser pressionado por colegas do executivo nesse sentido, mas por colegas professores.
A pandemia obrigará a mudar os calendários, mas não será preciso criar épocas especiais de exame e não pode estar em cima da mesa o atraso do início do próximo ano letivo, devendo a avaliação do semestre estar feita até julho.
Se as universidades retomarem algumas atividades presenciais já em maio, o aluno continua a ter a liberdade de não as frequentar, por medo de contágio, e não pode ser penalizado, devendo quem ensina proteger os mais frágeis. Por outro lado, o governante acredita que não será preciso contratar mais professores para garantir o desdobramento das turmas com vista à redução do número de alunos por sala, embora o admita como ensejo para “rejuvenescer o corpo doente”.
Heitor diz que a ciência está mobilizada, estando a fazer-se a investigação na área do combate à Covid-9 e garante a quem trabalha noutras áreas: serão prolongados os projetos, contratos e bolsas da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), tal como os concursos que estavam a decorrer.
***
Aulas presenciais e não presenciais e outras questões no ensino superior
Sobre a reabertura das aulas presenciais no ensino superior já em maio e de forma a acomodar horários para os estudantes não usarem transportes públicos nas horas de ponta, referiu que o Governo recomendou a mobilização do planeamento para isso, embora as instituições não tenham de o fazer uniformemente, fazendo-o de forma responsável. Se não suceder como está previsto, nem por isso haverá desautorização para o Governo ou para as instituições. Com efeito, a autonomia das instituições do ensino superior, a reforçar, está ancorada na Constituição e na Lei; e a realidade é incerta no cenário da pandemia. E adiantou:
Na melhor das hipóteses, teremos uma vacina na primavera de 2021, eventualmente no verão de 2021. E, portanto, teremos um ano onde temos de aprender a viver com uma pandemia e não podemos fechar as nossas economias e a nossa vida social, porque, se não morrermos do vírus, morremos de fome.”.
Assim, cabe ao ensino superior, “porque  vive, produz e difunde conhecimento”, testemunhar como nos devemos relacionar com “distanciamento, condições de higiene e de desinfeção”. Por isso, pode acomodar os horários para que os estudantes não usem os transportes públicos nas horas de ponta e dar elementos de confiança, por exemplo, com os testes serológicos.
Tudo isto tem sido debatido pelo Ministro com dirigentes estudantis, dirigentes das instituições universitárias e politécnicas, o presidente do CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas) e o presidente do CCISP (Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos) para que o ensino superior mostre que está a fazer com que as novas gerações aprendam com a crise.
Reiteradamente o Ministro rejeita a hipótese de cercear a autonomia das instituições do ensino superior em tempo de emergência, mesmo das que não têm o estatuto de fundação. Esclarece que não tem pressões dos colegas do Governo nesse sentido (embora perceba que a autonomia tem uma interpretação plural), mas que as sente mais de colegas professores, que pretendiam uma ação mais proativa nas suas escolas e instituições.  
Não acredita que as recomendações do Governo não resultem, pois sempre resultaram. Mas também não preconiza uma solução uniforme em todas as instituições.
Sobre a possibilidade de as aulas do próximo ano letivo serem parte em regime presencial e parte à distância, escora-se no testemunho dum professor que lhe dizia que alguns conteúdos podem ser ministrados à distância e outros não (os práticos e alguns teóricos). E convoca uma recomendação europeia no sentido da combinação cada vez mais ativa do ensino presencial e do não-presencial – “uma  forma combinada de aprender e ensinar, onde uma parte é à distância, e outra tem de ser necessariamente presencial”, garantindo-se a esta “condições de higiene e de distanciamento social”, bem como equipamentos de proteção individual (como viseiras e máscaras).
Assegurou que só se pensou na abertura do ensino superior depois de a DGS (Direção-Geral da Saúde) ter definido normas técnicas e que foi montada uma operação, nomeadamente no CITEVE (centro tecnológico dos têxteis e vestuário), em Famalicão, para, em colaboração com o INFARMED, certificar a produção nacional de máscaras, que aparecerão no mercado “num volume considerável”. Assim, as instituições disponibilizarão “máscaras a todos os estudantes para todas as sessões que tenham de ter uma componente presencial”.
Acredita que é possível desdobrar as turmas com o atual corpo docente, pois temos muitos jovens e, sobretudo, um número considerável de professores auxiliares nas universidades e professores adjuntos nos politécnicos que podem contribuir de forma decisiva. Mas admite mais contratações se necessário e para rejuvenescer o corpo docente.
Aponta o bom relacionamento entre as instituições de ensino e as empresas e salienta a capacidade de reposicionamento do setor produtivo para os equipamentos que a partir de agora se tornam necessários. 
Observa que, sobretudo no quadro da abertura gradual e progressiva das aulas presenciais, se um aluno se recusar a ir às aulas obrigatórias por ter receio de ser contagiado, não pode nem deve ser penalizado. Já se um professor se recusar a ir dar aulas presenciais por medo ou por não ter onde deixar os filhos pequenos (as escolas não estão abertas), diz que a situação deve ser analisada caso a caso, mas adverte:
Obviamente, se o professor, ou pela sua condição de saúde, ou por uma condição da família, não puder ir dar uma aula, tem de partilhar com os seus colegas e resolver a situação. Mas, sendo professor, tem de dar a aula. Percebemos que nem todos os docentes – temos um corpo docente envelhecido, com uma média de idades que hoje ronda os 48 anos, temos professores até aos 65, 66 anos de idade…”.
Admite que há professores em grupos de risco, que merecem um cuidado especial, quer nas condições de trabalho, quer nas de proteção pessoal.
Não vê que a questão financeira seja um óbice à aquisição de máscaras, viseiras e testes serológicos. O que assusta é o facto de existirem “aqueles que não têm oportunidade de aceder ao ensino superior ou que tiveram de se afastar do ensino e de aprendizagem”.
Quanto à avaliação dos alunos internacionais, cuja maioria regressou aos seus países, e aos portugueses, que estavam noutros países e regressaram, tece algumas considerações atinentes à validação e valorização do ensino superior português no mundo, por termos aumentado em mais de 50% o número de estudantes internacionais nos últimos três anos em Portugal. Ora, porque há estudantes estrangeiros em Portugal que não regressaram aos seus países, apela às instituições que os acolham. E há os que voltaram aos países de origem, sendo normal que não voltem a Portugal neste ano letivo, pelo que as instituições devem garantir que eles completam as disciplinas, os graus, se for caso disso, à distância. Quanto aos portugueses, recorda que recomendação europeia é nesse sentido: os estudantes em toda a Europa fiquem onde estão.
Descarta um reajustamento das propinas, preferindo “ativar um mecanismo de emergência da Ação Social” e reforçar esse fundo de emergência.
Em vez da recomendação às universidades de criarem um período no início do próximo ano letivo para uma recuperação das aprendizagens, opta pelo prolongamento deste ano letivo.
Não vê razão para haver épocas especiais de exame, aliás como é o entendimento na Europa, mas estender os calendários, desacoplar os horários para haver também aulas em períodos noturnos e, em vez de o semestre acabar, em meados de maio, acabar no final de maio; e nunca atrasar o princípio do ano letivo.
***
Acesso ao ensino superior, adesão e integração
Sobre o acesso ao ensino superior e o problema dos alunos que concluíram o ensino secundário no ano passado e neste iam fazer melhoria de nota, diz ter solicitado à CNAES (Comissão Nacional do Acesso ao Ensino Superior) solução para as questões levantadas e ter homologado o seu parecer, sobretudo para os casos de melhoria de nota. A solução dá vantagem sempre ao candidato para poder optar pela sua melhor nota, partindo do princípio que se mantém a base do acesso ao ensino superior, que a nota de candidatura com duas componentes: a da prova de acesso; e a da nota do ensino secundário (o aluno opta pela interna da disciplina ou pela do exame – vd site da DGES).
Não admite o cenário de não haver exames no ensino secundário, rejeitando qualquer plano B: 
A ideia é: há exames. E penso que é a solução mais consensual…”.
Assegura que, se a pandemia piorar e não houver exames no ensino secundário, “cá estamos para resolver”. E, admitindo que entrem alunos no ensino superior com deficiências por falhas no ensino online, quer que o acesso dos novos alunos tenha forte componente presencial, complementada com o ensino à distância (Os caloiros irão mais às aulas que os outros no início do ano).
Não está no horizonte a proibição das praxes, mas estimular o movimento EXARP, mobilizando os jovens e os dirigentes a dar a volta à praxe, de modo que a adesão ao ensino superior e a subsequente inserção se faça com atividades mais variadas: do desporto à cultura, à música – em ajuntamentos que “têm de ser feitos com distanciamento social muito mais rigoroso, como vai ter de ser todo o próximo ano letivo no ensino superior e nos outros níveis de ensino”.
***
Investigação científica e o novo coronavírus a par de outros projetos
Quanto à resposta ao apelo de responsáveis políticos europeus (em que se inclui o Ministro) a que as sociedades científicas disponibilizem o conhecimento que produzem sobre o novo coronavírus, frisa que Portugal tem uma posição ativa UE e na UNESCO para a estratégia de ciência aberta, que envolve a Covid, mas também todas as outras áreas do conhecimento contra a privatização do conhecimento, pois torna-se imperativa a divulgação e utilização da ciência. E explica:
Esta ideia de que o conhecimento gerado tem de ser aberto a todos, sobretudo em termos do acesso, da participação e da relevância é cada vez mais crítica. E agora que estamos perante uma pandemia, aquilo que fizemos – um conjunto de ministros da UE, dos Estados Unidos, do Brasil, da Índia, da China – foi pedir às sociedades de editores para abrirem sobretudo o acesso às revistas. É um processo, também ao nível da UNESCO, está longe de estar concluído, tem havido muitos sítios na internet que se mobilizaram e em Portugal foi criado um sítio específico, Science4Covid, onde os cientistas disponibilizam conteúdos.”.
No concernente ao caso dos cientistas e investigadores portugueses que pediam às autoridades que disponibilizassem os dados de doentes com Covid em Portugal, para eles próprios poderem ajudar, e o facto de a informação ser escassa e chegar a conta-gotas, refere:
Há limites na organização e dimensão dos serviços públicos. Seria ótimo podermos ter todos os serviços perfeitamente organizados para, de um dia para o outro, disponibilizarmos toda a informação. Mas (…) tudo tem de ser organizado e anonimizado, para poder ser libertado. E isso é um processo muito trabalhoso, sobretudo garantindo os princípios não apenas de igualdade, mas de privacidade da informação. E foi preparada com o tempo que foi possível pela Direção-Geral de Saúde, que é proprietária desses dados. Demorou algum tempo, mas estou em crer que foi feito nas melhores das intenções e não podemos criticar serviços que, ao mesmo tempo, têm que fazer muitas outras operações.”.
Assente que é um trabalho que está a ser feito pela FCT em paralelo com o trabalho da DGS, mas que é esta que faz, em exclusivo, a disponibilização dos dados.
Criado o consórcio Serology4Covid com 5 instituições científicas (o Instituto Gulbenkian para a Ciência, o Instituto de Medicina Molecular, o Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Nova Medical School, o Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier e o Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica) para os testes serológicos e, questionado pelo apoio do Governo e da FCT, diz que o projeto “está em vias de desenvolvimento” no âmbito do apoio europeu a atividades de investigação e desenvolvimento, do concurso RESEARCH 4 COVID, de dois grandes editais para empresas e instituições científicas com o acesso a fundos comunitários de cerca de 60 milhões de euros e do lançamento, pela Agência de Inovação, de outro edital com 4 milhões para sistemas em curso. 
A FCT comunicou a possibilidade de ajustes à calendarização dos projetos em curso, bem como a prorrogação das bolsas financiadas diretamente por si. E o Ministro, interpelado sobre a necessidade acautelar também o prolongamento dos prazos de bolsas financiadas indiretamente (projetos), bem como dos contratos a termo e a termo incerto financiados pela FCT, redarguiu que “nem poderia ser de outra forma” e que tem sistematicamente instruído a FCT (com acordo do seu conselho diretivo) no sentido de “todos os processos das bolsas, dos contratos e dos projetos” serem prorrogados por este período de relativa incerteza. Além disso, a FCT prolongou, por haver vários concursos pendentes, pelo menos um mês os concursos de projetos. Com efeito, recorda, “estamos perante uma emergência, uma situação única, que nunca tínhamos vivido nem em democracia nem em 100 anos, e, por isso, têm que ser resolvidos com situações únicas”.
***
Vê-se que o Ministro tenta estar por dentro de todos os dossiês das pastas que sobraça, que tentou responder à vastidão provocante das questões que lhe foram levantadas, o que fez de forma prolixa (o que não fica espelhado nesta síntese), e que, embora estime a autonomia das instituições do ensino superior não deixa de as interpelar de forma subtil, mormente quando fala em autonomia responsável, no exemplo e confiança que o ensino superior dará à sociedade e na pressão que recebe de colegas que preconizam uma ação mais proativa nas suas instituições.
Por fim, pergunto-me por que motivo a autonomia poderia, na ótica do entrevistador, ser quebrada nas instituições do ensino superior que não têm o estatuto de fundação, quando, nos termos constitucionais (CRP, art.º 75.º, n.º 2), a autonomia é prerrogativa das universidades independentemente do seu enquadramento jurídico?
2020.04.22 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário