É uma das
sugestões do Ministro da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior, como
revelou em entrevista ao Observador,
a 21 de fevereiro, pois testar a imunidade dos estudantes poderá ser uma forma
de “transmitir confiança” no regresso às aulas presenciais e no modo como as
universidades e politécnicos lidarão com a pandemia. Isto apesar de o teste só dar a perceber se alguém teve
contacto com o vírus, mas não que se está imune, sendo que este segundo
dado será apurável quando for conhecido o nível protetor dos anticorpos criados
pela Covid-19.
O Ministro
conta com a resistência de alguns reitores – que admitem abrir só alguns
espaços e setores específicos –, mas entende que isso não é desautorizar o
Governo e espera que todos cumpram uma “autonomia responsável”, já que “a autonomia
não serve para tudo”, devendo a universidade dar o exemplo de resposta
ao problema sem medo, mas com conhecimento.
Poderia
estar prevista a limitação da autonomia para garantir o cumprimento das
medidas. Porém Manuel Heitor defende-a “dentro e fora do Governo” e diz não
estar a ser pressionado por colegas do executivo nesse sentido, mas por colegas
professores.
A pandemia
obrigará a mudar os calendários, mas não será preciso criar épocas especiais de
exame e não pode estar em cima da mesa o atraso do início do próximo ano letivo,
devendo a avaliação do semestre estar feita até julho.
Se as
universidades retomarem algumas atividades presenciais já em maio, o aluno
continua a ter a liberdade de não as frequentar, por medo de contágio, e não
pode ser penalizado, devendo quem ensina proteger os mais frágeis. Por outro
lado, o governante acredita que não será preciso contratar mais professores
para garantir o desdobramento das turmas com vista à redução do número de
alunos por sala, embora o admita como ensejo para
“rejuvenescer o corpo doente”.
Heitor diz
que a ciência está mobilizada, estando a fazer-se a investigação na área do
combate à Covid-9 e garante a quem trabalha noutras áreas: serão prolongados os projetos, contratos
e bolsas da FCT (Fundação para a Ciência e
Tecnologia), tal como
os concursos que estavam a decorrer.
***
Aulas presenciais e não presenciais e outras questões no ensino superior
Sobre a reabertura das aulas presenciais no
ensino superior já em maio e de forma a acomodar horários para os estudantes
não usarem transportes públicos nas horas de ponta, referiu que o Governo
recomendou a mobilização do planeamento para isso, embora as instituições não
tenham de o fazer uniformemente, fazendo-o de forma responsável. Se não suceder
como está previsto, nem por isso haverá desautorização para o Governo ou para
as instituições. Com efeito, a autonomia das instituições do ensino superior, a
reforçar, está ancorada na Constituição e na Lei; e a realidade é incerta no
cenário da pandemia. E adiantou:
“Na melhor das hipóteses, teremos uma vacina na primavera de 2021,
eventualmente no verão de 2021. E, portanto, teremos um ano onde temos de
aprender a viver com uma pandemia e não podemos fechar as nossas economias e a
nossa vida social, porque, se não morrermos do vírus, morremos de fome.”.
Assim, cabe
ao ensino superior, “porque vive, produz e difunde conhecimento”, testemunhar
como nos devemos relacionar com “distanciamento, condições de higiene e de
desinfeção”. Por isso, pode acomodar os horários para que os estudantes não
usem os transportes públicos nas horas de ponta e dar elementos de confiança,
por exemplo, com os testes serológicos.
Tudo isto tem sido debatido pelo Ministro com dirigentes estudantis, dirigentes das instituições universitárias
e politécnicas, o presidente do CRUP (Conselho de Reitores das
Universidades Portuguesas) e o presidente
do CCISP (Conselho
Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos) para que o ensino superior mostre que está a fazer
com que as novas gerações aprendam com a crise.
Reiteradamente
o Ministro rejeita a hipótese de cercear a autonomia das instituições do ensino
superior em tempo de emergência, mesmo das que não têm o estatuto de fundação.
Esclarece que não tem pressões dos colegas do Governo nesse sentido (embora perceba
que a autonomia tem uma interpretação plural), mas que as sente mais de colegas professores, que pretendiam uma ação
mais proativa nas suas escolas e instituições.
Não acredita
que as recomendações do Governo não resultem, pois sempre resultaram. Mas
também não preconiza uma solução uniforme em todas as instituições.
Sobre a
possibilidade de as aulas do próximo ano letivo serem parte em regime
presencial e parte à distância, escora-se no testemunho dum professor que lhe
dizia que alguns conteúdos podem ser ministrados à distância e outros não (os práticos
e alguns teóricos). E convoca
uma recomendação europeia no sentido da combinação cada vez mais ativa do
ensino presencial e do não-presencial – “uma forma combinada de aprender
e ensinar, onde uma parte é à distância, e outra tem de ser necessariamente
presencial”, garantindo-se a esta “condições de higiene e de distanciamento
social”, bem como equipamentos de proteção individual (como
viseiras e máscaras).
Assegurou
que só se pensou na abertura do ensino superior depois de a DGS (Direção-Geral
da Saúde) ter definido normas técnicas e que foi
montada uma operação, nomeadamente no CITEVE (centro tecnológico dos têxteis e
vestuário), em Famalicão, para, em colaboração
com o INFARMED, certificar a produção nacional de máscaras, que aparecerão no
mercado “num volume considerável”. Assim, as instituições disponibilizarão “máscaras
a todos os estudantes para todas as sessões que tenham de ter uma componente
presencial”.
Acredita que é possível desdobrar as turmas com o atual corpo docente, pois temos muitos
jovens e, sobretudo, um número considerável de professores auxiliares nas
universidades e professores adjuntos nos politécnicos que podem contribuir de
forma decisiva. Mas admite mais contratações se necessário e para rejuvenescer
o corpo docente.
Aponta o bom
relacionamento entre as instituições de ensino e as empresas e salienta a
capacidade de reposicionamento do setor produtivo para os equipamentos que a
partir de agora se tornam necessários.
Observa que, sobretudo no quadro da abertura gradual
e progressiva das aulas presenciais, se um aluno se recusar a ir às aulas
obrigatórias por ter receio de ser contagiado, não pode nem deve ser
penalizado. Já se um professor se recusar a ir dar aulas presenciais por medo
ou por não ter onde deixar os filhos pequenos (as
escolas não estão abertas), diz que a situação deve ser analisada caso a caso,
mas adverte:
“Obviamente, se o professor, ou pela sua condição de saúde, ou por uma
condição da família, não puder ir dar uma aula, tem de partilhar com os seus
colegas e resolver a situação. Mas, sendo professor, tem de dar a aula.
Percebemos que nem todos os docentes – temos um corpo docente envelhecido, com
uma média de idades que hoje ronda os 48 anos, temos professores até aos 65, 66
anos de idade…”.
Admite que há professores em grupos de risco, que
merecem um cuidado especial, quer nas condições de trabalho, quer nas de
proteção pessoal.
Não vê que a questão financeira seja um óbice à
aquisição de máscaras, viseiras e testes serológicos. O que assusta é o facto
de existirem “aqueles que
não têm oportunidade de aceder ao ensino superior ou que tiveram de se afastar
do ensino e de aprendizagem”.
Quanto à
avaliação dos alunos internacionais, cuja maioria regressou aos seus países, e
aos portugueses, que estavam noutros países e regressaram, tece algumas
considerações atinentes à validação e valorização do ensino superior português
no mundo, por termos aumentado em mais de 50% o número de estudantes
internacionais nos últimos três anos em Portugal. Ora, porque há estudantes
estrangeiros em Portugal que não regressaram aos seus países, apela às
instituições que os acolham. E há os que voltaram aos países de origem, sendo
normal que não voltem a Portugal neste ano letivo, pelo que as instituições devem
garantir que eles completam as disciplinas, os graus, se for caso disso, à
distância. Quanto aos portugueses, recorda que recomendação europeia é nesse
sentido: os estudantes em toda a Europa fiquem onde estão.
Descarta um reajustamento das propinas, preferindo “ativar um mecanismo de emergência da Ação Social” e
reforçar esse fundo de emergência.
Em vez da
recomendação às universidades de criarem um
período no início do próximo ano letivo para uma recuperação das aprendizagens,
opta pelo prolongamento deste ano letivo.
Não vê razão
para haver épocas especiais de exame, aliás como é o entendimento na Europa, mas
estender os calendários, desacoplar os horários para haver também aulas em
períodos noturnos e, em vez de o semestre acabar, em meados de maio, acabar no
final de maio; e nunca atrasar o princípio do ano letivo.
***
Acesso
ao ensino superior, adesão e integração
Sobre o acesso ao ensino superior e o problema dos
alunos que concluíram o ensino secundário no ano passado e neste iam fazer
melhoria de nota, diz ter solicitado à
CNAES (Comissão
Nacional do Acesso ao Ensino Superior) solução para
as questões levantadas e ter homologado o seu parecer, sobretudo para os casos
de melhoria de nota. A solução dá vantagem sempre ao candidato para poder optar
pela sua melhor nota, partindo do princípio que se mantém a base do acesso ao
ensino superior, que a nota de candidatura com duas componentes: a da prova de
acesso; e a da nota do ensino secundário (o aluno opta pela interna da disciplina
ou pela do exame – vd site da DGES).
Não admite o cenário de não haver exames no ensino
secundário, rejeitando qualquer plano B:
“A ideia é: há exames. E penso que é a solução mais consensual…”.
Assegura que, se a pandemia piorar e não houver exames
no ensino secundário, “cá estamos
para resolver”. E, admitindo que entrem
alunos no ensino superior com deficiências por falhas no ensino online, quer que
o acesso dos novos alunos tenha forte componente presencial, complementada
com o ensino à distância (Os
caloiros irão mais às aulas que os outros no início do ano).
Não está no horizonte a proibição das praxes, mas
estimular o movimento EXARP,
mobilizando os jovens e os dirigentes a dar a volta à praxe, de modo que a
adesão ao ensino superior e a subsequente inserção se faça com atividades mais
variadas: do desporto à cultura, à música – em ajuntamentos que “têm de ser feitos com
distanciamento social muito mais rigoroso, como vai ter de ser todo o próximo
ano letivo no ensino superior e nos outros níveis de ensino”.
***
Investigação
científica e o novo coronavírus a par de outros projetos
Quanto à resposta ao apelo de responsáveis políticos
europeus (em que se inclui o Ministro) a que as sociedades
científicas disponibilizem o conhecimento que produzem sobre o novo
coronavírus, frisa que Portugal tem
uma posição ativa UE e na UNESCO para a estratégia de ciência aberta, que
envolve a Covid, mas também todas as outras áreas do conhecimento contra a
privatização do conhecimento, pois torna-se imperativa a divulgação e
utilização da ciência. E explica:
“Esta ideia de que o conhecimento gerado tem de ser aberto a todos,
sobretudo em termos do acesso, da participação e da relevância é cada vez mais
crítica. E agora que estamos perante uma pandemia, aquilo que fizemos – um
conjunto de ministros da UE, dos Estados Unidos, do Brasil, da Índia, da China
– foi pedir às sociedades de editores para abrirem sobretudo o acesso às
revistas. É um processo, também ao nível da UNESCO, está longe de estar
concluído, tem havido muitos sítios na internet que se mobilizaram e em
Portugal foi criado um sítio específico, Science4Covid, onde os cientistas
disponibilizam conteúdos.”.
No concernente ao caso dos cientistas e
investigadores portugueses que pediam às autoridades que disponibilizassem os
dados de doentes com Covid em Portugal, para eles próprios poderem ajudar, e o
facto de a informação ser escassa e chegar a conta-gotas, refere:
“Há limites na organização e dimensão dos serviços públicos. Seria ótimo
podermos ter todos os serviços perfeitamente organizados para, de um dia para o
outro, disponibilizarmos toda a informação. Mas (…) tudo tem de ser organizado
e anonimizado, para poder ser libertado. E isso é um processo muito trabalhoso,
sobretudo garantindo os princípios não apenas de igualdade, mas de privacidade
da informação. E foi preparada com o tempo que foi possível pela Direção-Geral
de Saúde, que é proprietária desses dados. Demorou algum tempo, mas estou em
crer que foi feito nas melhores das intenções e não podemos criticar serviços
que, ao mesmo tempo, têm que fazer muitas outras operações.”.
Assente que é um trabalho que está a ser feito pela FCT em paralelo com o trabalho da DGS, mas que é
esta que faz, em exclusivo, a disponibilização dos dados.
Criado o consórcio Serology4Covid com 5 instituições
científicas (o Instituto Gulbenkian para
a Ciência, o Instituto de Medicina Molecular, o Centro de Estudos de Doenças
Crónicas da Nova Medical School, o Instituto de Tecnologia Química e Biológica
António Xavier e o Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica) para os testes serológicos e,
questionado pelo apoio do Governo e da FCT, diz que o projeto “está em vias de desenvolvimento” no âmbito do apoio
europeu a atividades de investigação e desenvolvimento, do concurso RESEARCH 4
COVID, de dois grandes editais para empresas e instituições científicas com o
acesso a fundos comunitários de cerca de 60 milhões de euros e do lançamento,
pela Agência de Inovação, de outro edital com 4 milhões para sistemas em
curso.
A FCT comunicou a possibilidade de ajustes à
calendarização dos projetos em curso, bem como a prorrogação das bolsas financiadas
diretamente por si. E o Ministro, interpelado sobre a necessidade acautelar também
o prolongamento dos prazos de bolsas financiadas indiretamente (projetos), bem como dos contratos a termo e a termo incerto financiados
pela FCT, redarguiu que “nem poderia
ser de outra forma” e que tem sistematicamente instruído a FCT (com acordo do
seu conselho diretivo) no sentido
de “todos os processos das bolsas, dos contratos e dos projetos” serem prorrogados
por este período de relativa incerteza. Além disso, a FCT prolongou, por haver
vários concursos pendentes, pelo menos um mês os concursos de projetos. Com
efeito, recorda, “estamos perante uma emergência, uma situação única, que nunca
tínhamos vivido nem em democracia nem em 100 anos, e, por isso, têm que ser
resolvidos com situações únicas”.
***
Vê-se
que o Ministro tenta estar por dentro de todos os dossiês das pastas que
sobraça, que tentou responder à vastidão provocante das questões que lhe foram
levantadas, o que fez de forma prolixa (o que não fica
espelhado nesta síntese),
e que, embora estime a autonomia das instituições do ensino superior não deixa
de as interpelar de forma subtil, mormente quando fala em autonomia
responsável, no exemplo e confiança que o ensino superior dará à sociedade e na
pressão que recebe de colegas que preconizam uma ação mais proativa nas suas
instituições.
Por fim,
pergunto-me por que motivo a autonomia poderia, na ótica do entrevistador, ser
quebrada nas instituições do ensino superior que não têm o estatuto de fundação,
quando, nos termos constitucionais (CRP, art.º 75.º, n.º 2), a autonomia é prerrogativa das
universidades independentemente do seu enquadramento jurídico?
2020.04.22 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário