sexta-feira, 10 de abril de 2020

Emergência na educação: aulas, avaliação e ingresso no superior


A pandemia de Covid-19 trouxe, como não podia deixar de ser, perturbação ao sistema educativo. De facto, por motivos de segurança e saúde pública, desde o dia 16 de março todos os estabelecimentos de educação e ensino, desde creches a universidades e institutos politécnicos, estão encerrados para conter a propagação do novo coronavírus.
Assim, na sequência da suspensão das aulas presenciais, cerca de dois milhões de alunos tiveram de trocar as salas de aula pelas suas casas e os professores tiveram de adotar modelos de ensino inovadores, recorrendo a plataformas de “e-learning” e aplicações de videochamada para as aulas e enviando trabalhos por “e-mail” ou “whatsapp”. Porém, nas duas semanas de ensino à distância (de 16 a 27 de março), antes da interrupção das atividades letivas por ocasião da Páscoa, pais, professores e diretores escolares alertaram para vários constrangimentos ocasionados por esta estratégia de emergência, que deixou de fora os alunos mais desfavorecidos, os que não têm Internet nem equipamentos para conseguir acompanhar as aulas a partir de casa. Entretanto, o ME (Ministério da Educação) estabeleceu uma parceria com a RTP para começar a transmitir no 3.º período conteúdos programáticos dirigidos aos alunos do 1.º ao 9.º ano de escolaridade. E para o ensino secundário mantém-se a situação das aulas não presenciais ministradas pelos respetivos professores pelos meios ao seu alcance até que possa decidir-se de outro modo.
Para todos, desde a educação pré-escolar até ao 12.º ano, o 3.º período inicia-se a 14 de abril, sendo que, os alunos do 11.º e 12.º anos poderão voltar, neste ano letivo, a ter aulas presenciais, como anunciou o Primeiro-Ministro no dia 9, frisando que “se e quando” os alunos voltam às escolas será decidido segundo a evolução da pandemia. Na melhor das hipóteses (Plano A do Governo), isso poderá ocorrer a 4 de maio. Mas poderá ocorrer mais tarde ou nem ser possível. Entretanto, os exames nacionais do ensino secundário – cuja 1.ª fase iria de 15 de junho a 7 de julho e cuja 2.ª fase iria de 21 a 27 de julho – terão a sua 1.ª fase de 6 a 23 de julho e a 2.ª de 1 a 7 de setembro, de modo que as aulas possam estender-se até 26 de junho.
Mesmo que volte a haver aulas presenciais, apenas as 22 disciplinas sujeitas a exame nacional serão lecionadas dentro das escolas, continuando as restantes a ser trabalhadas à distância. E os alunos apenas realizarão exames finais nacionais nas disciplinas que elejam como provas de ingresso para efeitos de concurso nacional de acesso ao ensino superior. Os que se destinam apenas para aprovação de disciplinas e conclusão do ensino secundário estão cancelados, devendo a média final do ensino secundário ser apurada com base na classificação interna dada pelos professores em cada uma das disciplinas (de todas). 
“Se e quando se vão retomar” as aulas será decidido posteriormente, disse António Costa, que avançou que o Governo está a trabalhar num “Plano B”, que passa pela manutenção das aulas exclusivamente em ensino à distância, “se a evolução da pandemia assim o exigir”. E, caso voltem às aulas, os estudantes do ensino secundário, os professores e os funcionários, até posição em contrário das autoridades de saúde, terão que usar máscara dentro da escola, que será fornecida pelo ME e as direções dos agrupamentos terão que garantir o cumprimento das regras de distanciamento e higienização. Os professores e outros trabalhadores que façam parte de grupos de risco são dispensados do trabalho presencial.
Por outro lado, todas as faltas dos alunos serão justificadas “sem necessidade de qualquer requerimento ou atestado”.
As turmas serão divididas e mais professores serão mobilizados, podendo ser preciso recorrer a mais contratações e autorizar horas extraordinárias, porquanto os professores do 11.º ano e do 12.º também lecionam outras turmas de outros níveis de ensino e de outras ofertas formativas.
O Primeiro-Ministro não abordou a questão do acesso ao ensino superior, mas, entretanto, o MCTES (Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior) anunciou que o calendário de acesso ao ensino superior vai ser integralmente atrasado em cerca de três semanas. As candidaturas à 1.ª fase do concurso nacional de acesso serão apresentadas durante o mês de agosto e os resultados serão conhecidos a 28 de setembro.
“O ano letivo não acabou”, avisou o Chefe do Governo. O 3.º período vai decorrer na íntegra e terminar “com avaliação”. Mesmo à distância, a avaliação existirá e os docentes terão em conta o conjunto do percurso educativo dos alunos, podendo ficar retidos ou reprovar.
***
Os alunos do 1.º ao 10.º ano vão fazer todo o 3.º período em regime de ensino à distância. “A decisão está tomada e é definitiva” para estes anos de escolaridade. A avaliação final dos alunos será feita em cada escola pelos respetivos professores. Para as suas classificações contará o trabalho desenvolvido no 3.º período e os estudantes podem não ter sucesso escolar, se os professores assim o verificarem e entenderem. O Governo decidiu cancelar a realização das provas de aferição do 2.º ano, 5.º ano e 9.º, bem como as provas finais nacionais do 9.º ano.
Do 1.º ao 9.º ano, a lecionação ensino passa agora a ter o reforço da nova Telescola, ou seja, a “emissão televisiva de conteúdos pedagógicos”, que será emitida na RTP Memória a partir do dia 20 de abril e complementará o trabalho que os professores fazem à distância com os alunos.
A RTP Memória é um canal que está disponível nos serviços de cabo e satélite, mas também na Televisão Digital Terrestre, uma tecnologia gratuita e que chega à esmagadora maioria dos lares. As emissões serão feitas por blocos, divididos por anos de escolaridade, ao longo de todo o dia, começando pelos alunos mais jovens e terminando ao final da tarde com os conteúdos para os alunos do 9.º ano. Estes conteúdos “complementarão”, mas não substituirão o trabalho dos professores. E, no ensino secundário, é tal a diversidade de disciplinas que não será possível recorrer ao meio televisivo para apoiar as aulas.
A tutela está a trabalhar em soluções com as câmaras municipais, as forças de segurança, as televisões e os CTT para continuar a desenvolver mecanismos de apoios aos estudantes em casa.
Por seu turno, a RTP2 fará um reforço da programação destinada às crianças em idade pré-escolar: será um apoio pedagógico de natureza distinta. O Governo afirma que as atividades nos jardins de infância só poderão ser retomadas quando forem revistas as regras de distanciamento, sendo prematuro definir um prazo seguro, ainda que indicativo, que permita saber quando serão alteradas essas regras. As crianças têm, pois, de continuar em casa.
Por outro lado, foi decidido que o apoio excecional aos trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes que fiquem em casa a acompanhar os filhos por causa do encerramento das escolas continuará de pé até ao final do ano letivo. As regras são as mesmas das primeiras duas semanas de suspensão das atividades letivas presenciais.
***
Fechar as escolas “é um sacrifício que se justifica”, disse António Costa, lembrando que a suspensão deu um contributo decisivo para travar o crescimento da pandemia no país. No entanto, “ainda não chegámos ao dia em que podemos levantar as medidas de limitação e isolamento social”, e nem a comunidade científica “pode prever em que dia ou semana o podemos fazer com a segurança necessária”. Porém, o fecho das salas de aulas aos estudantes e professores obrigou todos a adaptarem-se ao ensino à distância, mostrando que a educação não estava preparada para o embate, não só pela classe de profissionais envelhecida à procura do seu lugar nas tecnologias, mas também pelos jovens de terras onde não há internet. E foi a pensar nestes alunos que o Governo negociou a transmissão de aulas pela televisão por cabo, do 1.º ano de escolaridade ao 9.º.
A decisão de suspender as atividades letivas presenciais no ensino básico é definitiva. Relativamente ao ensino secundário, o Primeiro-Ministro diz não estar em condições de fixar uma data no regresso às escolas, com base na informação atualmente disponível. Mas, havendo menos oportunidade de recuperação futuro e sendo anos decisivos para a conclusão de um já longo processo educativo, seja para o acesso ao ensino superior, seja para ingressar na vida ativa, é particularmente importante que ainda possamos retomar as atividades letivas” – disse.
***
Deve assinalar-se que todas estas decisões ou não decisões surgiam no dia 9 de abril depois de o Governo ter ouvido durante dois dias especialistas, representantes da comunidade escolar, partidos, sindicatos e os órgãos consultivos do Ministério da Educação, e que tudo isto se aplica ao setor público e ao setor privado.
***
Por mim, saúdo todo o apoio científico, cultural e pedagógico que o ME possa dar e concitar em favor das crianças, adolescentes e jovens. Todavia, em relação à nova Telescola, devo recordar que antigamente os alunos estavam em sala com um acompanhante que lhes concitava e mantinha a atenção, lhes tirava dúvidas e os apoiava na avaliação. Hoje, crianças de tenra idade ou adolescentes irrequietos ficam entregues a si próprios? São acompanhados pelos pais, muitos dos quais não têm literacia suficiente para os acompanhar escolarmente e outros estão stressados ou sobrecarregados de trabalho doméstico e de teletrabalho para empresas e serviços?
Depois, os testes pelos meios eletrónicos, sobretudo se baseados em questões que postulam respostas de escolha múltipla, são fiáveis? Como se garante que foi o aluno quem respondeu, se respondeu à sorte ou se foi ver o livrinho?
Por outro lado, o ME ou a escola vão contratar a mata-cavalos docentes que não disporão de tempo para se inteirarem dos programas de ensino ou mobilizarão docentes do próprio grupo de recrutamento que, há anos, não têm contacto com alguns programas da sua disciplina ou grupo!
Por isso, afigura-se que a estratégia encontrada terá, ao mesmo tempo, muito do faz-de-conta e muito de trabalho válido. 
Porém, é confrangedor ver como o ME, as escolas e o Governo no seu todo tentam responder aos anseios dos alunos e pais, que não a contento, como é natural, e as instituições do ensino superior aguardam generosamente que todos trabalhem para elas, como se todos e todas tenham a obrigação exclusiva de lhes fornecer os alunos do 1.º ano de estudos!
Ora, em maré de emergência, seria bom que todos abdicassem de algo. As escolas fariam o esforço de completar a lecionação das disciplinas, avaliariam e apurariam as médias do ensino secundário, tal como fariam os exames nacionais e de equivalência à frequência aos alunos de fora do sistema. E as instituições do ensino superior selecionariam os candidatos aos cursos. Cada um faria a sua parte. Será que virão, no próximo ano, criticar a insuficiência do ensino secundário neste ano ou tentarão colmatar as lacunas que obviamente encontrarão?
2020.04.10 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário