quarta-feira, 8 de abril de 2020

Plano de contingência social nacional já devia estar a ser preparado


Quem o diz é Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa, que assinala, em entrevista ao DN do dia 7 de abril, conduzida e transcrita pela jornalista Céu Neves, o aumento dos pedidos de apoio, sobretudo para refeições e acolhimento, sobretudo por parte dos sem-abrigo, mas vindo a aumentar os que perderam o emprego. Por isso, defende a assunção de medidas de intervenção social.
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Em relação às prioridades das Cáritas em Portugal, diz que foram já reforçadas as valências em funcionamento, mormente as atinentes às pessoas de alto risco, pois as crianças regressaram às suas famílias por determinação da autoridade de saúde. E continuam em funcionamento os outros serviços: “lares, centros de dia e apoio domiciliário, centros para os sem-abrigo, acolhimento de crianças em risco, apoio à recuperação de toxicodependentes, unidades para doentes com VIH, casas para mulheres vítimas de violência doméstica”.
Confessa que, em algumas situações já se sentem os efeitos desta pandemia, particularmente nas pessoas sem-abrigo, o que levou algumas Cáritas a reforçar “o atendimento a nível do fornecimento das refeições e do acolhimento” e a “procurar novos espaços para acolher estas pessoas durante o dia e noite, para que possam garantir o isolamento social”. E refere que, por exemplo, a Cáritas de Setúbal conseguiu novo espaço através da diocese, que proporcionou salas de reuniões e de conferências que não estão a ser utilizadas”.
Embora não disponha de informação exata sobre quantas pessoas mais estão as Cáritas a apoiar,
Eugénio Fonseca menciona o caso da Cáritas de Setúbal, que “está a apoiar mais cem pessoas”, sendo que algumas, que “iam só buscar a refeição”, agora “passaram a ser acolhidas. E outras “foram indicados pela Segurança Social”. Por sua vez, reforçaram o trabalho com os sem-abrigo a Cáritas de Aveiro, a Cáritas de Coimbra e a Cáritas de Setúbal.
De acordo com os dados de que dispõe, o serviço que regista um maior agravamento das situações é o das cantinas sociais cuja procura está a aumentar, de modo que “passaram a fazer as refeições para serem levadas para casa e distribuídas à porta dos espaços onde eram tomadas, com todos os cuidados que são recomendados pela Direção-Geral da Saúde”.
Porém, o setor que vai mobilizar maior resposta social será – prevê-se – o das pessoas do atendimento social, “que nos vêm procurar para a satisfação das necessidades básicas e, sobretudo, para retomar os postos de trabalho”, pois “esta crise vai ser maior do que a anterior”.
Na verdade, a retoma do emprego perdido será o grande desafio, pelo que o apoio às empresas é fundamental “para a criação de emprego”, visto que a forma de rendimento mais sustentável é a associada ao trabalho, sendo fruto dele. Assim, sustenta o presidente da Cáritas Portuguesa que “uma das coisas que têm de ser repensadas é o novo quadro comunitário”, que “tem de apostar muito nas áreas de criação de emprego e de valorização das pessoas”.
Mais afirma que a situação tenderá a agravar. E explica:
Consideramos que a procura vai ter um fluxo maior a partir do próximo mês. Há pessoas que ainda estão a conseguir viver com os rendimentos amealhados, mas já estão a aparecer novas situações em quantidades que começam a ser preocupantes. São pessoas que não ficaram abrangidas pelas medidas de reforço social implementadas pelo Governo.”.
Põe o dedo na ferida ao indicar a situação das “pessoas que trabalhavam sem fazer descontos – na área da construção civil é dramático – ou em atividades temporárias”. Paralelamente vinca a injustiça muito grande que atinge os prestadores dum serviço, os empresários a nível unipessoal, os recibos verdes. São pessoas que fizeram descontos, mas “não têm direito a apoio”. É o caso de tantas pessoas, como, por exemplo, “cabeleireiros, sapateiros, taxistas, etc., que têm um pequeno negócio constituído pelos próprios e eventualmente podem ter um ou outro empregado”. O empregado terá subsídio de desemprego, mas o patrão não tem. Eis uma questão deve ser revista.
Acresce que há trabalhadores que não descontam para a Segurança Social e que estão em risco. Com efeito, “a taxa de desemprego baixou à custa de baixos salários” – diz – razão por que “há pessoas que não faziam descontos para ganharem um pouco mais”.
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Sendo que esta crise vai ser maior do que a anterior, como referiu, foi-lhe solicitada uma sugestão sobre o que é preciso corrigir. Em resposta, reitera que “vamos enfrentar uma crise com impacto muito maior do que a anterior”. Regista a muito grande preocupação “em travar a contaminação, mas sustenta que “já devia estar a ser preparado um plano de contingência social nacional”. Por outras palavras, defende que se devia proceder da mesmo modo que em relação ao Ministério da Saúde. Em especial, devia estar a ser revista a dotação orçamental do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, pois impõe-se “aproveitar com o que aprendemos na última crise”. Na verdade, a intervenção social demasiado tardia levou então a que “a situação de pobreza, que devia ser conjuntural, se tornasse estrutural”.  
Assim, porque as Cáritas se sentem preocupadas com o agravar da situação das pessoas, estão a estudar formas de atuação. E o entrevistado explana o seu ponto de vista e algumas diligências:
Tenho estado em contacto com o virologista Pedro Simas [do IMM – Instituto de Medicina Molecular de Lisboa], que me tem dito que a falta de condições de habitação e de alimentação são fatores de risco e tornam as pessoas mais vulneráveis. Daí a necessidade de uma intervenção de emergência, e tudo tem de ser visto de forma complementar às medidas para a saúde. Não nos substituímos ao Estado, o Estado tem de fazer a sua parte. E o apelo que fazemos é que comece já a fazer a sua parte.”.
Sobre a ajuda daquele cientista do IMM, adianta que se disponibilizou para o que a Cáritas precisasse. Por isso, está em estudo o aproveitamento dos conhecimentos que ele tem.
No concernente aos tipos de respostas que deviam avançar imediatamente, o presidente da Cáritas, privilegia “as respostas respeitadoras da dignidade das pessoas, potenciando a manutenção da autonomia de cada um”. Neste quadro, para lá da resposta alimentar que é dada já confecionada, “a correta para quem não tem possibilidade de a confecionar”, há que dar outra possibilidade que assegure “a privacidade dos usurários”. E adianta em prol da saúde mental:
As pessoas deveriam poder ir ao supermercado, à mercearia, ao talho, adquirir os bens e cozinhá-los. Vamos ter um grupo de pessoas que só ficaram na situação de pobreza porque ficaram sem trabalho. (…) O tempo que está a assegurar a sua subsistência é uma forma de prevenirem situações de doença mental. Quanto mais tempo as pessoas estiverem desocupadas, mais a sua mente se concentra no problema que se abateu sobre elas.”.
Saúda como boa medida a que foi anunciada em relação ao lay-off: as pessoas poderem ter uma majoração do que recebem se prestarem serviços cívicos. Aí, só deseja que se encontrem programas para que os desempregados possam estar ocupados, “capacitando-se para continuar numa situação de inclusão e não exclusão”.
Para satisfação das necessidades básicas sugere a criação dum “vale alimentar”, que “pode ser um vale de compras ou um cartão tipo multibanco”, à semelhança do se passa no “programa de acesso ao medicamento, um cartão que é carregado de X em X tempo”, tendo de ser criado “um sistema universal, para que a privacidade das pessoas não seja posta em causa”. A este respeito, recorda que, na anterior crise, a Cáritas Portuguesa estabeleceu parceria com o grupo Jerónimo Martins, que facultou vales de compras iguais aos dos funcionários, podendo as pessoas fazer as suas compras, com a vantagem de excluir coisas não necessárias, como tabaco, bebida.
Referiu que os idosos utentes de centros de dia e apoio domiciliário se recolheram em suas casas cumprindo o isolamento social, mas continuaram acompanhados pelos funcionários das Cáritas.
Quem trabalhava nas unidades destinadas a crianças foi distribuído por outras valências. Assim, nas residências e centros que se mantêm abertos houve lugar a uma rotação do pessoal passando algumas dessas pessoas a apoiar colegas nesses serviços.
Relativamente à sua visão do futuro próximo, mostra-se preocupado com o prolongamento da situação de isolamento social, pois leva as pessoas a maior vulnerabilidade em termos psicológicos, pelo que as Cáritas vão aderir à rede nacional que está a ser criada pela DGS (Direção-Geral da Saúde). E, ao nível da organização Cáritas, acusa o dilema: por um lado, há já mais procura e vai haver muito mais; por outro, “não estamos bem preparados para enfrentar o que aí vem, porque precisamos de meios”. Com efeito, porque não se puderam realizar o peditório nacional da Cáritas, previsto para de 12 a 15 de março, e o ofertório nas missas do dia 15 de março, o Dia Cáritas, “temos de ver que estratégias adotar para compensar esta falta de recolha de fundos”, pois é necessário “criar alguma medida para angariação desses meios”.
Quanto à aquisição dos meios de proteção necessários, diz terem sido comprados recentemente materiais de proteção no valor de 87 mil euros. E especifica:
As luvas foram adquiridas em Portugal e pudemos fazer a distribuição na semana passada. Estamos à espera das máscaras, que foram encomendadas na China. Serão para as pessoas que estão ao serviço das nossas respostas e também as necessárias aos utentes, sendo certo que estamos a falar de um número reduzido para as necessidades.”.
Não diz quantos funcionários trabalham nas Cáritas, pois cada uma tem a sua organização, mas adianta que só a de Coimbra tem 1200 funcionários; revela que há cerca de duas centenas de unidades residenciais – em Vila Real, Aveiro, Coimbra, Setúbal, Beja, Évora, Lisboa, Guarda e Açores; e que, de momento, não tem conhecimento de nenhum caso de Covid-19 nas unidades das Cáritas, o que “não quer dizer que amanhã não seja diferente, mas até agora não foi reportado nenhum caso”.
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O essencial destas asserções foi reiterado à noite, na SIC notícias.
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Na verdade, a Cáritas é um instrumento eclesial do serviço estruturado de comunicação cristã de bens – uma das vertentes essenciais do ser e missão da Igreja como o serviço da Palavra e o da santificação e culto – destinado a obviar às situações de emergência, ao cuidado permanente dos necessitados de qualquer bem material ou espiritual e à criação de estruturas de autonomização consolidada da vida das pessoas e grupos em termos de justiça social e expressão de fraternidade afetiva e efetiva (Foi para este serviço que foi criado o diaconado – vd At 6,1-6). E é tudo isto o quefazer da caridade cristã e não a mera distribuição de esmola para satisfazer o capricho ou o consolo espiritual de cumprimento dum dever moral ou duma simples moção espiritual ou ainda para nos livramos do mendigo. Na verdade, “nisto conhecerão todos que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros(Jo 13,35).  
2020.04.08 – Louro de Carvalho

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