Quem o diz é Eugénio
Fonseca, presidente da
Cáritas Portuguesa, que assinala, em entrevista ao DN do dia 7 de abril, conduzida e transcrita pela jornalista Céu
Neves, o aumento dos pedidos de apoio, sobretudo para refeições e acolhimento,
sobretudo por parte dos sem-abrigo, mas vindo a aumentar os que perderam o emprego.
Por isso, defende a assunção de medidas de intervenção social.
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Em relação às prioridades das Cáritas em Portugal, diz que foram já reforçadas as valências em
funcionamento, mormente as atinentes às pessoas de alto risco, pois as crianças
regressaram às suas famílias por determinação da autoridade de saúde. E
continuam em funcionamento os outros serviços: “lares, centros de dia e apoio
domiciliário, centros para os sem-abrigo, acolhimento de crianças em risco,
apoio à recuperação de toxicodependentes, unidades para doentes com VIH, casas
para mulheres vítimas de violência doméstica”.
Confessa que, em algumas situações já se sentem os efeitos desta pandemia, particularmente
nas pessoas sem-abrigo, o que levou algumas
Cáritas a reforçar “o atendimento a nível do fornecimento das refeições e do
acolhimento” e a “procurar novos espaços para acolher estas pessoas durante
o dia e noite, para que possam garantir o isolamento social”. E refere que, por
exemplo, a Cáritas de Setúbal conseguiu novo espaço “através da diocese,
que proporcionou salas de reuniões e de conferências que não estão a ser
utilizadas”.
Embora não disponha de informação exata sobre quantas
pessoas mais estão as Cáritas a apoiar,
Eugénio Fonseca menciona o caso da Cáritas de Setúbal, que “está a apoiar
mais cem pessoas”, sendo que algumas, que “iam só buscar a refeição”, agora “passaram
a ser acolhidas. E outras “foram indicados pela Segurança Social”. Por sua vez,
reforçaram o trabalho com os sem-abrigo a Cáritas de Aveiro, a Cáritas de Coimbra
e a Cáritas de Setúbal.
De acordo com os dados de que dispõe, o serviço que
regista um maior agravamento das situações é o das cantinas sociais cuja
procura está a aumentar, de modo que “passaram a fazer as refeições para serem levadas para casa e distribuídas à
porta dos espaços onde eram tomadas, com todos os cuidados que são recomendados
pela Direção-Geral da Saúde”.
Porém, o setor que vai mobilizar maior resposta social será – prevê-se – o das pessoas do atendimento social, “que
nos vêm procurar para a satisfação das necessidades básicas e, sobretudo, para
retomar os postos de trabalho”, pois “esta crise vai ser maior do que a
anterior”.
Na verdade, a retoma do emprego perdido será o grande desafio, pelo que o apoio às empresas
é fundamental “para a criação de emprego”, visto que a forma de rendimento mais
sustentável é a associada ao trabalho, sendo fruto dele. Assim, sustenta o
presidente da Cáritas Portuguesa que “uma das coisas que têm de ser repensadas
é o novo quadro comunitário”, que “tem de apostar muito nas áreas de criação de
emprego e de valorização das pessoas”.
Mais afirma que a situação tenderá a agravar. E
explica:
“Consideramos que a procura vai ter um fluxo
maior a partir do próximo mês. Há pessoas que ainda estão a conseguir viver com
os rendimentos amealhados, mas já estão a aparecer novas situações em
quantidades que começam a ser preocupantes. São pessoas que não ficaram
abrangidas pelas medidas de reforço social implementadas pelo Governo.”.
Põe o dedo na ferida ao indicar a situação das
“pessoas que trabalhavam sem fazer descontos – na área da construção civil é dramático –
ou em atividades temporárias”. Paralelamente vinca a injustiça muito grande que
atinge os prestadores dum serviço, os empresários a nível unipessoal, os recibos
verdes. São pessoas que fizeram descontos, mas “não têm direito a apoio”. É o
caso de tantas pessoas, como, por exemplo, “cabeleireiros, sapateiros,
taxistas, etc., que têm um pequeno negócio constituído pelos próprios e
eventualmente podem ter um ou outro empregado”. O empregado terá subsídio de
desemprego, mas o patrão não tem. Eis uma questão deve ser revista.
Acresce que há trabalhadores que não descontam
para a Segurança Social e que estão em risco. Com efeito, “a taxa de desemprego baixou à
custa de baixos salários” – diz – razão por que “há pessoas que não faziam
descontos para ganharem um pouco mais”.
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Sendo que esta crise vai ser maior do que a
anterior, como referiu, foi-lhe solicitada uma sugestão sobre o que é preciso
corrigir. Em resposta, reitera que “vamos enfrentar uma crise com impacto muito maior do que a anterior”.
Regista a muito grande preocupação “em travar a contaminação, mas sustenta que
“já devia estar a ser preparado um plano de contingência social nacional”. Por
outras palavras, defende que se devia proceder da mesmo modo que em relação ao
Ministério da Saúde. Em especial, devia estar a ser revista a dotação
orçamental do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social,
pois impõe-se “aproveitar com o que aprendemos na última crise”. Na verdade, a
intervenção social demasiado tardia levou então a que “a situação de pobreza,
que devia ser conjuntural, se tornasse estrutural”.
Assim, porque as Cáritas se sentem preocupadas com o agravar da
situação das pessoas, estão a estudar formas
de atuação. E o entrevistado explana o seu ponto de vista e algumas
diligências:
“Tenho estado em contacto com o virologista
Pedro Simas [do IMM – Instituto de
Medicina Molecular de Lisboa], que me tem dito que a falta de
condições de habitação e de alimentação são fatores de risco e tornam as
pessoas mais vulneráveis. Daí a necessidade de uma intervenção de emergência, e
tudo tem de ser visto de forma complementar às medidas para a saúde. Não nos
substituímos ao Estado, o Estado tem de fazer a sua parte. E o apelo que
fazemos é que comece já a fazer a sua parte.”.
Sobre a ajuda daquele cientista do IMM, adianta
que se disponibilizou
para o que a Cáritas precisasse. Por isso, está em estudo o aproveitamento dos
conhecimentos que ele tem.
No concernente aos tipos de respostas que deviam
avançar imediatamente, o presidente da Cáritas, privilegia “as respostas respeitadoras da
dignidade das pessoas, potenciando a manutenção da autonomia de cada um”. Neste
quadro, para lá da resposta alimentar que é dada já confecionada, “a correta
para quem não tem possibilidade de a confecionar”, há que dar outra
possibilidade que assegure “a privacidade dos usurários”. E adianta em prol da
saúde mental:
“As pessoas deveriam poder ir ao
supermercado, à mercearia, ao talho, adquirir os bens e cozinhá-los. Vamos ter
um grupo de pessoas que só ficaram na situação de pobreza porque ficaram sem
trabalho. (…) O tempo que está a assegurar a sua subsistência é uma forma de
prevenirem situações de doença mental. Quanto mais tempo as pessoas estiverem
desocupadas, mais a sua mente se concentra no problema que se abateu sobre
elas.”.
Saúda como boa medida a que foi anunciada em relação ao lay-off:
as pessoas poderem ter uma majoração do que recebem se prestarem serviços
cívicos. Aí, só deseja que se encontrem programas para que os desempregados
possam estar ocupados, “capacitando-se para continuar numa situação de inclusão
e não exclusão”.
Para satisfação das necessidades básicas sugere a
criação dum “vale alimentar”, que “pode ser um vale de compras ou um cartão tipo multibanco”, à semelhança do se
passa no “programa de acesso ao medicamento, um cartão que é carregado de X em
X tempo”, tendo de ser criado “um sistema universal, para que a privacidade das
pessoas não seja posta em causa”. A este respeito, recorda que, na anterior crise,
a Cáritas Portuguesa estabeleceu parceria com o grupo Jerónimo Martins, que
facultou vales de compras iguais aos dos funcionários, podendo as pessoas fazer
as suas compras, com a vantagem de excluir coisas não necessárias, como tabaco,
bebida.
Referiu que os idosos utentes de centros de dia e
apoio domiciliário se recolheram em suas casas cumprindo o isolamento social, mas continuaram
acompanhados pelos funcionários das Cáritas.
Quem trabalhava nas unidades destinadas a
crianças foi distribuído por outras valências. Assim, nas residências e centros que
se mantêm abertos houve lugar a uma rotação do pessoal passando algumas dessas
pessoas a apoiar colegas nesses serviços.
Relativamente à sua visão do futuro próximo,
mostra-se preocupado com o prolongamento da situação de isolamento social, pois leva as
pessoas a maior vulnerabilidade em termos psicológicos, pelo que as Cáritas vão
aderir à rede nacional que está a ser criada pela DGS (Direção-Geral da Saúde). E, ao nível da organização
Cáritas, acusa o dilema: por um lado, há já mais procura e vai haver
muito mais; por outro, “não estamos bem preparados para enfrentar o que aí vem,
porque precisamos de meios”. Com efeito, porque não se puderam realizar o
peditório nacional da Cáritas, previsto para de 12 a 15 de março, e o ofertório
nas missas do dia 15 de março, o Dia
Cáritas, “temos de ver que estratégias adotar para compensar esta falta de
recolha de fundos”, pois é necessário “criar alguma medida para angariação
desses meios”.
Quanto à aquisição dos meios de proteção
necessários, diz terem sido comprados recentemente materiais de proteção no valor de 87 mil euros. E
especifica:
“As luvas foram adquiridas em Portugal e
pudemos fazer a distribuição na semana passada. Estamos à espera das máscaras,
que foram encomendadas na China. Serão para as pessoas que estão ao serviço das
nossas respostas e também as necessárias aos utentes, sendo certo que estamos a
falar de um número reduzido para as necessidades.”.
Não diz quantos funcionários trabalham nas Cáritas, pois cada uma tem a sua
organização, mas adianta que só a de Coimbra tem 1200 funcionários; revela que
há cerca de duas centenas de unidades
residenciais – em Vila Real, Aveiro, Coimbra, Setúbal, Beja,
Évora, Lisboa, Guarda e Açores; e que, de momento, não tem conhecimento de nenhum
caso de Covid-19 nas unidades das Cáritas, o que “não quer dizer que amanhã não
seja diferente, mas até agora não foi reportado nenhum caso”.
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O essencial destas asserções foi reiterado à noite, na SIC notícias.
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Na verdade, a Cáritas é um instrumento eclesial do serviço estruturado de comunicação
cristã de bens – uma das vertentes essenciais do ser e missão da Igreja como o
serviço da Palavra e o da santificação e culto – destinado a obviar às situações
de emergência, ao cuidado permanente dos necessitados de qualquer bem material
ou espiritual e à criação de estruturas de autonomização consolidada da vida
das pessoas e grupos em termos de justiça social e expressão de fraternidade
afetiva e efetiva (Foi para este serviço que foi
criado o diaconado – vd At 6,1-6). E é tudo isto o quefazer da caridade cristã e não a mera distribuição de
esmola para satisfazer o capricho ou o consolo espiritual de cumprimento dum
dever moral ou duma simples moção espiritual ou ainda para nos livramos do
mendigo. Na verdade, “nisto conhecerão todos
que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35).
2020.04.08 –
Louro de Carvalho
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