sexta-feira, 15 de abril de 2022

Nova versão da proposta de Orçamento do Estado para 2022

 

O Conselho de Ministros aprovou, a 12 de abril, a nova proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022), como consta do respetivo comunicado, que foi entregue, no dia 13, à Assembleia da República, seguindo-se, depois, cerca de um mês e meio de discussão parlamentar até que seja aprovada e enviada sob a forma de decreto parlamentar ao Presidente da República para promulgação como lei. Assim, mais de 5 meses após a rejeição da proposta original, que levou à realização de eleições antecipadas e à maioria absoluta do PS, o Governo apresenta agora uma nova proposta ao Parlamento, agora com a aprovação garantida pelos 120 deputados do PS.

À saída da reunião do Conselho de Ministros, em declarações à RTP3o Ministro das Finanças indicara que a proposta seria entregue “bem cedo” no Parlamento no dia 13, o que veio a concretizar-se quebrando uma tradição de 6 anos dos Governos de António Costa – e não só dos deste – em que o documento era entregue na parte final do dia e, por vezes, já perto da meia-noite, ou seja, do limite do prazo.

A proposta original foi rejeitada a 28 de outubro e a consequência política foi a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições antecipadas para 30 de janeiro. Três meses após a rejeição, o eleitorado deu a maioria absoluta ao partido incumbente, mas o processo de formação de Governo foi adiado mercê da repetição das eleições no círculo eleitoral da Europa. O Executivo tomou posse a 30 de março e, cerca de duas semanas depois, apresenta a nova proposta do Orçamento. Assim, o país deverá ter um Orçamento do Estado em vigor no verão. O processo parlamentar demora pelo menos um mês e meio – a proposta de OE 2022 tinha sido entregue a 10 de outubro e a votação final global iria realizar-se nos últimos dias de novembro –, sendo agora improvável que todo o processo, incluindo a redação final pelos serviços do Parlamento e a promulgação por parte do Presidente da República, esteja concluído a tempo de entrar em vigor a 1 de junho. Como não é normal que entre em vigor a meio do mês, o OE 2022 deve, por isso, entrar em vigor a 1 de julho, levando o país a viver um período recorde em duodécimos.

A nova proposta renova o cenário macroeconómico face ao documento original. Por um lado, o ponto de partida é melhor com as contas públicas a fecharem 2021 com um défice de apenas 2,8% do PIB. Por outro, o choque da subida dos preços da energia, agravado pela guerra na Ucrânia, levará a mais despesa com as medidas de apoio e travará o crescimento económico.

Revistas as previsões há apenas duas semanas no Programa de Estabilidade 2022-2026, o Governo deverá voltar a rever os números, desde logo na taxa de inflação, que passa de 3,3% para os 4% em 2022. O crescimento do PIB poderá ser revisto em baixa face aos 5% anunciados no final de março. Já a meta do défice orçamental deverá manter-se nos 1,9%, tal como o rácio da dívida pública nos 120,8% do PIB.

O primeiro orçamento apresentado por Fernando Medina recupera as prioridades do executivo socialista que acabaram chumbadas no Parlamento em outubro e introduz algumas novidades.

Em termos do IRS, confirma o desdobramento de dois escalões de IRS, de 7 para 9, para aumentar os rendimentos das famílias da classe média. É estimado um alívio fiscal de 150 milhões de euros. Para apoiar a natalidade, avança a dedução à coleta de 750 € a partir do segundo filho. Mantém-se o alargamento de 3 para 5 anos do IRS Jovem. Nas tabelas de retenção na fonte não há mexidas este ano. Com a atualização do mínimo de existência, as famílias com rendimentos até 9.415 € ficam isentas do IRS. Já a parcela do IVA com despesas em medicamentos para animais a abater no IRS sobe para 35%. Também no IRS, o Governo só vai avançar em 2023 para o englobamento das mais-valias, mas apenas para as mobiliárias (em bolsa) e para contribuintes no último escalão. 

No campo dos combustíveis, com a redução do ISP equivalente à descida do IVA para 13%, vão os combustíveis ficar mais baratos. Por litro, serão menos 21 cêntimos na gasolina e 22 cêntimos no gasóleo. A descida do ISP aplica-se entre maio e junho, mas o Governo admite esticar o prazo.

No apoio anti-inflação no cabaz alimentar, o Governo dará um subsídio de 60 € por família, que abrange 830 mil agregados mais carenciados. E prevê-se um subsídio de 10 € por botija de gás.

No atinente às creches gratuitas e abono de família, é referido que as creches serão gratuitas só para crianças até um ano. A medida arranca este ano. A partir daí, sobe um ano de cada vez, só se aplicando a novas entradas. O Governo mantém ainda a intenção de subir o abono de família para crianças até 3 anos, do 1.º e 2.º escalões, de forma progressiva até 2023.

Quanto à subida extraordinária das pensões, avança a atualização extraordinária das pensões, em 10 €, para as pensões até 1108 euros, beneficiando 1,9 milhões de pessoas. O valor só é atualizado depois de o orçamento entrar em vigor mas terá efeitos retroativos a janeiro.

Na resposta aos impactos da guerra na Ucrânia, as medidas equacionadas terão um impacto de 1800 milhões de euros, próximo do que foi gasto com as medidas contra a pandemia. Será criado um fundo de 50 milhões para apoio a refugiados. Já para as empresas, existirão um subsídio pela subida dos custos do gás e linhas de crédito acima dos 400 milhões. A flexibilização pagamentos fiscais e contribuições integra a lista. As medidas anti-inflação custam 1.335 milhõesA suspensão do aumento da taxa de carbono é a que custa mais: 360 milhões.

Em apoios às empresas, o pacote de apoios para a recuperação de empresas, para lá das medidas justificadas pela Ucrânia, será de 2615 milhões de euros. Nela conta-se a dedução à coleta de IRC de até 25% do investimento. Também chega ao fim o pagamento especial por conta.

Para reforço do Estado estão previstos 1600 milhões de euros para o SNS (700 milhões) e para o PRA (Plano de Recuperação das Aprendizagens) nas escolas (900 milhões), apoiados pela bazuca europeia. O Governo prepara a subida mais contida no contingente nacional de funcionários públicos. Em 2022, o plano é somar mais 1,1% face ao final do ano passado. Será o incremento mais pequeno na máquina do Estado desde 2017. Assim, até ao final do ano, marcado pelo avanço no PRR, faz haverá um total de 741 600 funcionários públicos, contra 733 495 no trimestre final de 2021.

Apesar do abrandamento, as administrações públicas atingirão um novo máximo de pessoal desde 2011. Foi então que arrancaram os dados estatísticos da DGAEP (Direção-Geral da Administração e do Emprego Público) e foi a partir daí que, até 2014, o universo de trabalhadores públicos encolheu profundamente em contexto da crise das dívidas soberanas e dos anos da troika.

A recuperação da perda ocorrida nesses anos foi alcançada no ano passado e será continuada em 2022, agora com mais 1,9% funcionários públicos do que os existentes no final de 2011, se os planos se concretizarem. As principais áreas abrangidas são as escolas, o SNS e a ACT.

No quadro da negociação política, o Ministro das Finanças admite “espírito de adaptação” perante os impactos do contexto de guerra. Ainda assim, diz que seria “insólito” pensar na apresentação dum orçamento retificativo. Pede agora tempo para dar provas nas novas funções. E assegura: “em nenhum dicionário do mundo, esta é uma política de austeridade”.

No cenário macroeconómico, o Governo estima uma subida de 4,9% do PIB, o que representa um abrandamento da economia. Já o défice deve reduzir-se para 1,9% do PIB, abaixo do patamar exigido por Bruxelas, que não está a ser aplicado devido à pandemia. É esperada uma contração na dívida pública, para 120,7% do PIB. E a taxa de inflação escala para os 4%.

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O Governo apresentou, no dia 11, as grandes linhas do OE 2022 a patrões e sindicatos, em sede de concertação social. O foco de confederações patronais e centrais sindicais foram as medidas de resposta à crise energética e alimentar provocada pelo conflito na Ucrânia. Os patrões elogiam as medidas, mas consideram-nas são tardias e temem que os apoios diretos às empresas sejam de acesso excessivamente burocrático. Quanto aos sindicatos, a CGTP reinsiste no aumento dos salários, enquanto a UGT diz que o Governo garantiu que tudo faria para proteger trabalhadores e pensionistas do aumento da inflação.

António Saraiva, presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), elogia as medidas anunciadas pelo Executivo e que serão inscritas no OE 2022, mas diz que a resposta peca por tardia, que as medidas são boas, mas que não vão resolver o problema, pois são paliativos, e realça que o Governo avançou com um novo pacote de apoios às empresas e às famílias, mais robusto, só no final da passada semana, quando “outros países o fizeram há semanas”.

Em concreto, o líder dos patrões da indústria critica a medida de redução do ISP equivalente a baixa do IVA sobre os combustíveis para 13%, tomada agora pelo Executivo face à ausência de resposta da Comissão Europeia para a redução direta do IVA. Contudo, “outros países já a tomaram, independentemente da vontade boa ou má da União Europeia”. E Saraiva vincou que o tempo que vivemos “exige ousadia e rapidez de resposta”, até para não replicar, segundo o líder da CIP, os erros cometidos na crise pandémica.

Saraiva voltou a criticar a resposta dada por Portugal às empresas no cenário covid, dizendo que Portugal foi o país que menor ajuda deu à economia em percentagem do PIB (apenas 3%) no quadro da pandemia. E espera que a receita não se repita agora e que “não se peque novamente por uma resposta tardia”. Nesta matéria, defendeu que é preciso que os apoios cheguem às empresas “o mais depressa possível e de forma simplificada e desburocratizada”, sob pena de deixarem de fora uma franja do tecido empresarial nacional (como as micro e pequenas empresas) menos capacitada para responder de forma célere à burocracia necessária para requerer os apoios disponíveis.

Sobre a questão salarial e face às reivindicações dos sindicatos para atualizar salários por causa da escalada da inflação, Saraiva foi taxativo:

As empresas estão a sofrer aumentos brutais dos seus custos de produção. É impossível acompanharem ao nível salarial esta inflação de um dia para o outro.”.  

Esta última posição é partilhada por João Vieira Lopes, presidente da CCP (Confederação do Comércio e Serviços de Portugal), sustentando que “as micro e pequenas empresas não têm capacidade de acompanhar a inflação em termos de aumentos salariais”. Por isso, defende que, face à ameaça de pode de compra das famílias, o Governo “tem de fazer a sua parte em termos de fiscalidade, seja para as empresas, seja para as famílias o nível do IRS”. Contudo, disse, “para nós não ficou claro quais vão ser as opções de fundo em termos do orçamento”. Já, quanto às medidas anunciadas pelo Governo por causa da crise energética, considerou que “são positivas”, mas quer “ver o detalhe e como impactam determinados setores”. E manifestou a preocupação por o Executivo “enfatizar excessivamente a sua política em termos do défice”, quando “o orçamento devia ser agressivo em termos de fiscalidade”.

E Francisco Calheiros, presidente da CTP (Confederação do Turismo de Portugal), disse que “estávamos à espera de um OE menos dedicado ao défice e mais dedicado à recuperação económica".

Do lado sindical, CGTP e UGT manifestaram posições diferentes sobre as medidas assumidas pelo Governo, em particular no que toca à proteção dos trabalhadores face à escalada dos preços. “As medidas são muito escassas”, vincou Andrea Araújo, membro da Comissão Executiva da CGTP, defendendo que o OE 2022 “devia responder à urgência do aumento geral dos salários” e apontando a necessidade urgente, face à subida da inflação, de rever o valor do salário mínimo nacional para este ano que foi atualizado em janeiro para os 705 € mensais.

Quanto à UGT, Lucinda Dâmaso, presidente da central sindical, referiu que “a preocupação com os rendimentos dos trabalhadores não se dissipou, mas saímos mais esclarecidos” da reunião. Segundo a sindicalista, Fernando Medina disse que a proteção desses rendimentos “não seria por aumentos salariais diretos, mas por outras medidas destinadas a evitar que determinados produtos sofram aumentos, a apoiar as empresas muito dependentes da energia e também a apoiar famílias mais vulneráveis. E reforçou: “foi dito que tudo se faria para que trabalhadores e pensionistas não sofressem muito com esta inflação”.

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É um OE insuficiente, mas o tempo é de pandemia não extinta e de guerra sem fim à vista. E o país tem dificuldade em responder a solo. Austeridade como de 2011 a 2014? Não de todo.

2022.04.15 – Louro de Carvalho

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