O Conselho de Ministros aprovou, a 12 de abril, a nova
proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022), como consta do respetivo comunicado, que foi entregue, no dia 13, à
Assembleia da República, seguindo-se, depois, cerca de um mês e meio de
discussão parlamentar até que seja aprovada e enviada sob a forma de decreto
parlamentar ao Presidente da República para promulgação como lei. Assim, mais
de 5 meses após a rejeição da proposta original, que levou à realização de
eleições antecipadas e à maioria absoluta do PS, o Governo apresenta agora uma
nova proposta ao Parlamento, agora com a aprovação garantida pelos 120
deputados do PS.
À saída da reunião do Conselho de Ministros, em declarações à RTP3, o Ministro das Finanças
indicara que a proposta seria entregue “bem cedo” no Parlamento no dia 13,
o que veio a concretizar-se quebrando uma tradição de 6 anos dos Governos de
António Costa – e não só dos deste – em que o documento era entregue na parte final
do dia e, por vezes, já perto da meia-noite, ou seja, do limite do prazo.
A proposta original foi rejeitada a 28 de outubro e a consequência política
foi a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições antecipadas para 30 de
janeiro. Três meses após a rejeição, o eleitorado deu a maioria absoluta ao
partido incumbente, mas o processo de formação de Governo foi adiado mercê da
repetição das eleições no círculo eleitoral da Europa. O Executivo tomou posse a 30 de março e, cerca de duas semanas
depois, apresenta a nova proposta do Orçamento. Assim, o país deverá ter um
Orçamento do Estado em vigor no verão. O processo parlamentar demora
pelo menos um mês e meio – a proposta de OE 2022 tinha sido entregue a 10 de
outubro e a votação final global iria realizar-se nos últimos dias de novembro
–, sendo agora improvável que todo o processo, incluindo a redação final pelos
serviços do Parlamento e a promulgação por parte do Presidente da República,
esteja concluído a tempo de entrar em vigor a 1 de junho. Como não é normal que entre em vigor a meio do mês, o OE 2022
deve, por isso, entrar em vigor a 1 de julho, levando o país a
viver um período recorde em duodécimos.
A nova proposta renova o cenário macroeconómico face
ao documento original. Por um
lado, o ponto de partida é melhor com as contas públicas a fecharem 2021 com um
défice de apenas 2,8% do PIB. Por outro, o choque da subida dos preços da
energia, agravado pela guerra na Ucrânia, levará a mais despesa com as medidas
de apoio e travará o crescimento económico.
Revistas as previsões há apenas duas semanas no Programa de Estabilidade
2022-2026, o Governo deverá voltar a rever os números, desde logo na taxa
de inflação, que passa de 3,3% para os 4% em 2022. O crescimento do PIB poderá
ser revisto em baixa face aos 5% anunciados no final de março. Já a meta do
défice orçamental deverá manter-se nos 1,9%, tal como o rácio da dívida pública
nos 120,8% do PIB.
O primeiro orçamento apresentado por Fernando Medina recupera as
prioridades do executivo socialista que acabaram chumbadas no Parlamento em
outubro e introduz algumas novidades.
Em termos do IRS, confirma o desdobramento de dois escalões de IRS, de
7 para 9, para aumentar os rendimentos das famílias da classe média. É estimado
um alívio fiscal de 150 milhões de euros. Para apoiar a natalidade, avança a
dedução à coleta de 750 € a partir do segundo filho. Mantém-se o alargamento de
3 para 5 anos do IRS Jovem. Nas tabelas de retenção na fonte não há mexidas
este ano. Com a atualização do mínimo de existência, as famílias com
rendimentos até 9.415 € ficam isentas do IRS. Já a parcela do IVA com
despesas em medicamentos para animais a abater no IRS sobe para 35%.
Também no IRS, o Governo só vai avançar em 2023 para o englobamento das
mais-valias, mas apenas para as mobiliárias (em bolsa) e para contribuintes no último escalão.
No campo dos combustíveis, com a redução do ISP equivalente à descida do IVA para
13%, vão os combustíveis ficar mais baratos. Por litro, serão menos 21 cêntimos
na gasolina e 22 cêntimos no gasóleo. A descida do ISP aplica-se entre maio e
junho, mas o Governo admite esticar o prazo.
No apoio anti-inflação no cabaz
alimentar, o Governo
dará um subsídio de 60 € por família, que abrange 830 mil agregados mais
carenciados. E prevê-se um subsídio de 10 € por botija de gás.
No atinente às creches gratuitas e
abono de família, é referido
que as creches serão gratuitas só para crianças até um ano. A medida arranca
este ano. A partir daí, sobe um ano de cada vez, só se aplicando a novas
entradas. O Governo mantém ainda a intenção de subir o abono de família para
crianças até 3 anos, do 1.º e 2.º escalões, de forma progressiva até 2023.
Quanto à subida extraordinária das
pensões, avança a
atualização extraordinária das pensões, em 10 €, para as pensões até 1108
euros, beneficiando 1,9 milhões de pessoas. O valor só é atualizado depois de o
orçamento entrar em vigor mas terá efeitos retroativos a janeiro.
Na resposta aos impactos da guerra na Ucrânia, as medidas equacionadas
terão um impacto de 1800 milhões de euros, próximo do que foi gasto com as
medidas contra a pandemia. Será criado um fundo de 50 milhões para apoio a
refugiados. Já para as empresas, existirão um subsídio pela subida dos
custos do gás e linhas de crédito acima dos 400 milhões. A flexibilização
pagamentos fiscais e contribuições integra a lista. As medidas anti-inflação
custam 1.335 milhões. A suspensão do aumento da taxa de
carbono é a que custa mais: 360 milhões.
Em apoios às empresas, o pacote de apoios para a recuperação de empresas,
para lá das medidas justificadas pela Ucrânia, será de 2615 milhões de euros.
Nela conta-se a dedução à coleta de IRC de até 25% do investimento. Também
chega ao fim o pagamento especial por conta.
Para reforço do Estado estão previstos 1600 milhões de euros para o
SNS (700
milhões) e para o PRA (Plano de
Recuperação das Aprendizagens) nas escolas
(900
milhões), apoiados pela bazuca europeia. O Governo prepara
a subida mais contida no contingente nacional de funcionários públicos. Em
2022, o plano é somar mais 1,1% face ao final do ano passado. Será o incremento
mais pequeno na máquina do Estado desde 2017. Assim, até ao final do ano,
marcado pelo avanço no PRR, faz haverá um total de 741 600 funcionários
públicos, contra 733 495 no trimestre final de 2021.
Apesar do abrandamento, as administrações públicas
atingirão um novo máximo de pessoal desde 2011. Foi então que arrancaram os
dados estatísticos da DGAEP (Direção-Geral
da Administração e do Emprego Público) e foi a partir daí que, até 2014, o universo de trabalhadores
públicos encolheu profundamente em contexto da crise das dívidas soberanas e
dos anos da troika.
A recuperação da perda ocorrida nesses anos foi
alcançada no ano passado e será continuada em 2022, agora com mais 1,9%
funcionários públicos do que os existentes no final de 2011, se os planos se
concretizarem. As principais áreas abrangidas são as escolas, o SNS e a ACT.
No quadro da negociação política, o Ministro das Finanças admite “espírito de
adaptação” perante os impactos do contexto de guerra. Ainda assim, diz que
seria “insólito” pensar na apresentação dum orçamento retificativo. Pede agora
tempo para dar provas nas novas funções. E assegura: “em nenhum dicionário do mundo, esta é uma política de austeridade”.
No cenário macroeconómico, o Governo estima uma subida de 4,9% do PIB, o que
representa um abrandamento da economia. Já o défice deve reduzir-se para
1,9% do PIB, abaixo do patamar exigido por Bruxelas, que não está a ser
aplicado devido à pandemia. É esperada uma contração na dívida pública,
para 120,7% do PIB. E a taxa de inflação escala para os 4%.
***
O Governo apresentou, no dia 11, as grandes linhas do OE 2022 a patrões e
sindicatos, em sede de concertação social. O foco de confederações patronais e
centrais sindicais foram as medidas de resposta à crise energética e alimentar
provocada pelo conflito na Ucrânia. Os patrões elogiam as medidas, mas
consideram-nas são tardias e temem que os apoios diretos às empresas sejam de
acesso excessivamente burocrático. Quanto aos sindicatos, a CGTP reinsiste no
aumento dos salários, enquanto a UGT diz que o Governo garantiu que tudo faria
para proteger trabalhadores e pensionistas do aumento da inflação.
António Saraiva, presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), elogia as medidas anunciadas pelo Executivo e que
serão inscritas no OE 2022, mas diz que a resposta peca por tardia, que as
medidas são boas, mas que não vão resolver o problema, pois são paliativos, e
realça que o Governo avançou com um novo pacote de apoios às empresas e às
famílias, mais robusto, só no final da passada semana, quando “outros países o
fizeram há semanas”.
Em concreto, o líder dos patrões da indústria critica a medida de redução
do ISP equivalente a baixa do IVA sobre os combustíveis para 13%, tomada agora
pelo Executivo face à ausência de resposta da Comissão Europeia para a redução
direta do IVA. Contudo, “outros países já a tomaram, independentemente da vontade
boa ou má da União Europeia”. E Saraiva vincou que o tempo que vivemos “exige
ousadia e rapidez de resposta”, até para não replicar, segundo o líder da CIP,
os erros cometidos na crise pandémica.
Saraiva voltou a criticar a resposta dada por Portugal às empresas no
cenário covid, dizendo que Portugal foi o país que menor ajuda deu à economia
em percentagem do PIB (apenas 3%) no quadro
da pandemia. E espera que a receita não se repita agora e que “não se peque novamente
por uma resposta tardia”. Nesta matéria, defendeu que é preciso que os apoios
cheguem às empresas “o mais depressa possível e de forma simplificada e
desburocratizada”, sob pena de deixarem de fora uma franja do tecido
empresarial nacional (como as micro e pequenas empresas) menos capacitada para responder de forma célere à
burocracia necessária para requerer os apoios disponíveis.
Sobre a questão salarial e face às reivindicações dos sindicatos para
atualizar salários por causa da escalada da inflação, Saraiva foi taxativo:
“As empresas
estão a sofrer aumentos brutais dos seus custos de produção. É impossível
acompanharem ao nível salarial esta inflação de um dia para o outro.”.
Esta última posição é partilhada por João Vieira Lopes, presidente da CCP (Confederação
do Comércio e Serviços de Portugal),
sustentando que “as micro e pequenas
empresas não têm capacidade de acompanhar a inflação em termos de aumentos
salariais”. Por isso, defende que, face à ameaça de pode de compra das
famílias, o Governo “tem de fazer a sua parte em termos de fiscalidade, seja
para as empresas, seja para as famílias o nível do IRS”. Contudo, disse, “para nós não ficou claro quais vão ser as
opções de fundo em termos do orçamento”. Já, quanto às medidas anunciadas
pelo Governo por causa da crise energética, considerou que “são positivas”, mas
quer “ver o detalhe e como impactam determinados setores”. E manifestou a
preocupação por o Executivo “enfatizar excessivamente a sua política em termos
do défice”, quando “o orçamento devia ser agressivo em termos de fiscalidade”.
E Francisco Calheiros, presidente da CTP (Confederação do Turismo de Portugal), disse que “estávamos à espera de um OE menos
dedicado ao défice e mais dedicado à recuperação económica".
Do lado sindical, CGTP e UGT manifestaram posições diferentes sobre as
medidas assumidas pelo Governo, em particular no que toca à proteção dos
trabalhadores face à escalada dos preços. “As medidas são muito escassas”,
vincou Andrea Araújo, membro da Comissão Executiva da CGTP, defendendo que o OE
2022 “devia responder à urgência do aumento geral dos salários” e apontando a
necessidade urgente, face à subida da inflação, de rever o valor do salário
mínimo nacional para este ano que foi atualizado em janeiro para os 705 €
mensais.
Quanto à UGT, Lucinda Dâmaso, presidente da central sindical, referiu que “a
preocupação com os rendimentos dos trabalhadores não se dissipou, mas saímos
mais esclarecidos” da reunião. Segundo a sindicalista, Fernando Medina disse
que a proteção desses rendimentos “não seria por aumentos salariais diretos, mas
por outras medidas destinadas a evitar que determinados produtos sofram
aumentos, a apoiar as empresas muito dependentes da energia e também a apoiar
famílias mais vulneráveis. E reforçou: “foi
dito que tudo se faria para que trabalhadores e pensionistas não sofressem
muito com esta inflação”.
***
É
um OE insuficiente, mas o tempo é de pandemia não extinta e de guerra sem fim à
vista. E o país tem dificuldade em responder a solo. Austeridade como de 2011 a
2014? Não de todo.
2022.04.15 – Louro de Carvalho
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