sexta-feira, 1 de abril de 2022

Um Governo para quatro anos sem hesitações e oscilações

 

O Presidente da República, no discurso de tomada de posse do XXIII Governo Constitucional, quis marcar terreno e advertiu o birrepetente Primeiro-Ministro sobre o significado da maioria absoluta que o eleitorado lhe outorgou nas ainda recentes eleições legislativas, que não legitima um exercício absoluto do poder nem a interrupção do mandato de 4 anos.

Que a maioria absoluta não equivale a poder absoluto nem tapa a via do diálogo já Costa o tinha dito e redito. Mas a possibilidade de largar a barca a meio do mandato para ocupar um cargo de relevo na UE estava em equação no entender de alguns observadores, que viam tal hipótese intencional na construção do topo da orgânica do Governo e nalgumas das figuras que o ocupam – o que suscitaria então o arremesso nuclear da dissolução da Assembleia da República parte de Marcelo – probabilidade que agora é desmentida até à saciedade e considerada não questão.  

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No seu discurso, o Primeiro-Ministro António Costa recordou a premonição de outubro de 2019 aquando da posse do Governo minoritário cessante:

Este é um Governo para os bons e para os maus momentos. (...) E quanto maior for a tormenta, maior será a nossa determinação em ultrapassá-la.”.

E fez o balanço da pandemia na ótica da ação governativa audaz salientando: a capacidade de resposta ao SNS e o sucesso na vacinação; a mobilização excecional de medidas de apoio às empresas, ao emprego e aos rendimentos, de modo que a economia retomou o crescimento, a dívida pública está de novo a reduzir e o défice está abaixo dos 3%; o programa extraordinário de apoio ao investimento e a reformas essenciais para reforçar a dinâmica de recuperação, pela dupla transição climática e digital e respondendo às principais vulnerabilidades sociais, do potencial produtivo e do território.

Mais referiu que a tormenta não impediu de lavar a bom termo a presidência portuguesa do Conselho da UE; elaborar e negociar o próximo PT 2030; e atingir os grandes objetivos estratégicos: encerramento das centrais de produção de eletricidade a carvão, contribuindo para a redução em 17% das emissões do CO2; redução do abandono escolar precoce para 5,9%; aumento do número de alunos inscritos pela primeira vez no ensino superior em quase 40% e investimento em I&D de 1,62% do PIB; saldo migratório e saldo populacional positivos; combate à pobreza, com menos 354 000 pessoas em risco de pobreza que em 2015.

Por isso, o Chefe do Governo acentuou que “somos hoje um país mais qualificado, mais sustentável, mais inovador, menos desigual”, com um crescimento acima da média europeia e a multiplicação por dez do superavit da balança de pagamentos tecnológica, pelo que a Comissão Europeia considera Portugal o país mais bem colocado para atingir a neutralidade carbónica.

Porém, a tormenta continua, não já tanto pelo lado da pandemia, que anda não passou, mas pela guerra no Leste europeu, que “acrescenta um enormíssimo fator de incerteza às nossas vidas, à nossa economia familiar, à saúde das nossas empresas e, por isso, aos nossos empregos”, pois “confronta a Europa com a sua maior crise humanitária desde a II Guerra Mundial e agrava a pressão inflacionista”, originada pela rutura das cadeias de produção na pandemia e por um mercado de energia disfuncional.

E o Primeiro-Ministro salienta que os portugueses, como durante a pandemia, “têm demonstrado o seu enorme sentido de solidariedade e a sua capacidade de união e superação”, assegurando o acolhimento e apoio à integração de milhares de refugiados ucranianos. Sustenta que é preciso, a nível nacional e europeu, “adotar as medidas de resposta a este choque adverso, em especial, assegurando que não há ruturas no abastecimento, controlando o custo da energia e de matérias-primas essenciais, apoiando as empresas mais atingidas e as famílias mais vulneráveis”. E está certo de que, se conseguimos recuperar da austeridade e responder à pandemia, saberemos agora enfrentar os impactos da guerra e prosseguir a “trajetória de crescimento e desenvolvimento”. Longe de esperarem um “gerir sem ousar” ou que nos abriguemos “até que a tormenta passe”, os portugueses “esperam que o Governo seja capaz de responder no dia a dia às dificuldades com que se deparam, sem descurar a construção de um futuro melhor a médio e longo prazo”. Querem, pois, “um Governo que resolva problemas e crie oportunidades” trabalhando afincadamente “para que o país proteja os seus cidadãos, garanta a sua liberdade e segurança, os mobilize no esforço coletivo de modernizar Portugal”, como exigem a recuperação do “tempo perdido com uma crise política que não desejavam, continuando o caminho que temos vindo a percorrer e a avançar para um país mais justo, mais próspero e mais inovador”, onde “todos encontrem o espaço de realização pessoal que ancore a esperança e a confiança no futuro”.

Em conformidade com tais desideratos, o Primeiro-Ministro e todos os membros do Governo assumiram solenemente o compromisso de “trabalhar sem hesitações, contra tormentas e tempestades, mantendo Portugal na trajetória de crescimento e progresso que tem conhecido nos últimos seis anos e fazendo face aos 4 grandes desafios” que o futuro nos coloca: emergência climática; transição digital; inversão do inverno demográfico; e combate às desigualdades.

E o Chefe do Governo garante que, apesar de as circunstâncias terem mudado e a conjuntura ser adversa, o Executivo não desiste dos objetivos que se propôs, nem esquece os compromissos que assumiu. Quer, sim, corresponder à expectativa dos portugueses e honrar a confiança que eles exprimiram na linha governativa de Costa através do voto.

Disse Costa que é já conhecido o Programa do Governo, pois corresponde ao programa eleitoral apresentado pelo seu partido aos portugueses, com as adaptações que a conjuntura postula, e que foi aprovado formalmente no Conselho de Ministros do dia 31 de março, para ser discutido na Assembleia da República, na próxima semana. Referiu que o Governo cessante aprovara o Programa de Estabilidade que prossegue a trajetória de equilíbrio orçamental e redução sustentada da dívida pública, compatibilizados com a ambição económica, social e ambiental. Anunciou que está pronta a proposta de Orçamento do Estado para este ano de 2022, honrando os compromissos assumidos, como o aumento extraordinário de pensões com efeitos retroativos, a redução do IRS para a classe média ou o início da gratuitidade das creches. E considerou que “o país dispõe de condições únicas para romper definitivamente com um modelo de desenvolvimento assente em baixos salários, assegurando emprego digno e de qualidade, aumentando o potencial do seu tecido produtivo e eliminando barreiras ao progresso económico com base na inovação, na modernização da Administração e da Justiça, na internacionalização, sem deixar ninguém para trás”.

Afirmou que é esta a marca dos seus governos: “modernização com solidariedade social”.

Assegurou que, após anos de investimento nas qualificações e reforço do sistema científico e tecnológico, da conjugação dos fundos estruturais com os do PRR e da recuperação da credibilidade internacional para a atração de investimento, Portugal tem condições de que nunca dispôs para virar a página para um novo ciclo de desenvolvimento sustentável e inclusivo, “com uma economia que produz maior valor acrescentado e com mais justa repartição desse valor com os trabalhadores”.

Destas condições aufere plena confiança na capacidade do alcance de objetivos tão ambiciosos (quantificados e calendarizados), os associados ao Programa do Governo e os contratualizados com a União Europeia, pelo tem como única esta oportunidade “que nos empenha a todos, empresas e entidades do setor social e solidário, instituições do ensino superior e do sistema científico, autarquias locais, Regiões Autónomas e Estado central”.

Pensando nos jovens, que querem participar na vida democrática e sabem que a mudança depende deles, dirige-se-lhes a dizer que a sua participação e empenho são determinantes, bem como a sua visão para o futuro, pelo que é preciso ouvir as suas vozes, ideias e ambições, pois só assim podem ser ajudados a enfrentar os medos e incertezas e a alcançar os sonhos; e só assim se pode garantir “que a geração mais qualificada de sempre se torne, também, na geração mais realizada de sempre”. Com efeito, diz Costa, “não basta virar a página do passado”: está na hora de o os jovens escreverem a sua própria História, para o que “é essencial a unidade em torno de objetivos comuns, de tal modo ambiciosos que mobilizem cada uma e cada um de nós, como nunca”.

Reitera que a maioria absoluta outorgada pelo povo “não significa poder absoluto”, mas “corresponde a uma responsabilidade absoluta para quem governa” e porfia que a estabilidade com que os portugueses resolveram a crise política através de eleições, não significa imobilismo, mas “exigência de ambição e oportunidade de concretização”, pelo que o Governo sente “a obrigação de aproveitar a estabilidade para antecipar a incerteza, enfrentando corajosamente os desafios estruturantes com que nos confrontamos”, a concretizar no “dever de inovar, de modernizar, de garantir emprego digno e criar riqueza, de progredir juntos, com inclusão e contas certas”, o que postula trabalho, em conjunto, com humildade democrática e lealdade institucional, “garantindo o envolvimento dos partidos políticos e parceiros sociais na criação de soluções que ajudem a encarar os desafios que o país enfrenta”. Com efeito, só pelo compromisso com o diálogo social, a mobilização da sociedade civil e o acolhimento dos contributos positivos dos outros partidos políticos “poderemos continuar a avançar”.

Por fim, observando que as eleições só alteraram a composição da Assembleia da República, não a Constituição nem competências dos órgãos de soberania ou o princípio da separação e interdependência de poderes e o da autonomia regional e local, nem mudaram o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, garante que podemos contar com “a normalidade constitucional e a continuidade da saudável cooperação e solidariedade institucional”, qual “inestimável contributo para o reforço das instituições democráticas e o prestígio de Portugal no exterior”.

O que mudou foi o quadro internacional, que nos coloca “novas exigências”, mas permanecendo inalterado o rumo, com uma estratégia para executar, compromissos a cumprir e objetivos a alcançar. Por isso, o Governo assegura que, tal como se viraram outras páginas bem duras, também agora viraremos “a página da guerra” e que, “ juntos e só juntos”, conseguiremos “escrever as páginas de um futuro que queremos radioso”.

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Posteriormente, foi referido pelo Chefe de Estado que o Primeiro-Ministro não é refém do Presidente, mas do povo que lhe deu a maioria absoluta para quatro amos e meio; e o Primeiro-Ministro, em sintonia com Marcelo, destaca o facto de este lhe reconhecer legitimidade pessoal pelo facto de o povo o ter elegido para mais 4 anos. Enfim, a concretização da ideia de que nas eleições legislativas se escolhe o Primeiro-Ministro!

E do Programa do Governo, acabado de aprovar e que passará no Parlamento, são referidos os desafios constantes do discurso de Costa, fala-se de 20 principais medidas, entre as quais novas medidas de apoio, e diz-se que foi reajustado para responder às consequências da guerra.

Veremos se as intenções se tornam realidade e se as oposições procedem à efetiva fiscalização da postura prometida, da capacidade de resposta as desafios, da aptidão para honrar os compromissos assumidos, da real consecução dos objetivos estratégicos e da habilidade para enfrentar ou contornar criativamente os escolhos que a realidade portuguesa e europeia surpreendentemente vier a apresentar.   

Não vá acontecer que tenhamos que repetir que “de boas intenções está o inferno cheio”.

2022.04.01 – Louro de Carvalho

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