O
Presidente da República, no discurso de tomada de posse do XXIII Governo
Constitucional, quis marcar terreno e advertiu o birrepetente Primeiro-Ministro
sobre o significado da maioria absoluta que o eleitorado lhe outorgou nas ainda
recentes eleições legislativas, que não legitima um exercício absoluto do poder
nem a interrupção do mandato de 4 anos.
Que
a maioria absoluta não equivale a poder absoluto nem tapa a via do diálogo já Costa
o tinha dito e redito. Mas a possibilidade de largar a barca a meio do mandato
para ocupar um cargo de relevo na UE estava em equação no entender de alguns observadores,
que viam tal hipótese intencional na construção do topo da orgânica do Governo
e nalgumas das figuras que o ocupam – o que suscitaria então o arremesso nuclear
da dissolução da Assembleia da República parte de Marcelo – probabilidade que
agora é desmentida até à saciedade e considerada não questão.
***
No
seu discurso, o Primeiro-Ministro António Costa recordou a premonição de
outubro de 2019 aquando da posse do Governo minoritário cessante:
“Este é um Governo para os bons e para os
maus momentos. (...) E quanto maior for a tormenta, maior será a nossa
determinação em ultrapassá-la.”.
E
fez o balanço da pandemia na ótica da ação governativa audaz salientando: a
capacidade de resposta ao SNS e o sucesso na vacinação; a mobilização
excecional de medidas de apoio às empresas, ao emprego e aos rendimentos, de modo
que a economia retomou o crescimento, a dívida pública está de novo a reduzir e
o défice está abaixo dos 3%; o programa extraordinário de apoio ao investimento
e a reformas essenciais para reforçar a dinâmica de recuperação, pela dupla
transição climática e digital e respondendo às principais vulnerabilidades
sociais, do potencial produtivo e do território.
Mais
referiu que a tormenta não impediu de lavar a bom termo a presidência portuguesa
do Conselho da UE; elaborar e negociar o próximo PT 2030; e atingir os grandes
objetivos estratégicos: encerramento das centrais de produção de eletricidade a
carvão, contribuindo para a redução em 17% das emissões do CO2; redução do
abandono escolar precoce para 5,9%; aumento do número de alunos inscritos pela
primeira vez no ensino superior em quase 40% e investimento em I&D de 1,62%
do PIB; saldo migratório e saldo populacional positivos; combate à pobreza, com
menos 354 000 pessoas em risco de pobreza que em 2015.
Por
isso, o Chefe do Governo acentuou que “somos hoje um país mais qualificado,
mais sustentável, mais inovador, menos desigual”, com um crescimento acima da
média europeia e a multiplicação por dez do superavit
da balança de pagamentos tecnológica, pelo que a Comissão Europeia considera
Portugal o país mais bem colocado para atingir a neutralidade carbónica.
Porém,
a tormenta continua, não já tanto pelo lado da pandemia, que anda não passou, mas
pela guerra no Leste europeu, que “acrescenta um enormíssimo fator de incerteza
às nossas vidas, à nossa economia familiar, à saúde das nossas empresas e, por
isso, aos nossos empregos”, pois “confronta a Europa com a sua maior crise
humanitária desde a II Guerra Mundial e agrava a pressão inflacionista”,
originada pela rutura das cadeias de produção na pandemia e por um mercado de
energia disfuncional.
E
o Primeiro-Ministro salienta que os portugueses, como durante a pandemia, “têm
demonstrado o seu enorme sentido de solidariedade e a sua capacidade de união e
superação”, assegurando o acolhimento e apoio à integração de milhares de
refugiados ucranianos. Sustenta que é preciso, a nível nacional e europeu, “adotar
as medidas de resposta a este choque adverso, em especial, assegurando que não
há ruturas no abastecimento, controlando o custo da energia e de matérias-primas
essenciais, apoiando as empresas mais atingidas e as famílias mais vulneráveis”.
E está certo de que, se conseguimos recuperar da austeridade e responder à
pandemia, saberemos agora enfrentar os impactos da guerra e prosseguir a “trajetória
de crescimento e desenvolvimento”. Longe de esperarem um “gerir sem ousar” ou
que nos abriguemos “até que a tormenta passe”, os portugueses “esperam que o
Governo seja capaz de responder no dia a dia às dificuldades com que se
deparam, sem descurar a construção de um futuro melhor a médio e longo prazo”. Querem,
pois, “um Governo que resolva problemas e crie oportunidades” trabalhando
afincadamente “para que o país proteja os seus cidadãos, garanta a sua
liberdade e segurança, os mobilize no esforço coletivo de modernizar Portugal”,
como exigem a recuperação do “tempo perdido com uma crise política que não
desejavam, continuando o caminho que temos vindo a percorrer e a avançar para
um país mais justo, mais próspero e mais inovador”, onde “todos encontrem o
espaço de realização pessoal que ancore a esperança e a confiança no futuro”.
Em
conformidade com tais desideratos, o Primeiro-Ministro e todos os membros do
Governo assumiram solenemente o compromisso de “trabalhar sem hesitações,
contra tormentas e tempestades, mantendo Portugal na trajetória de crescimento
e progresso que tem conhecido nos últimos seis anos e fazendo face aos 4
grandes desafios” que o futuro nos coloca: emergência climática; transição
digital; inversão do inverno demográfico; e combate às desigualdades.
E
o Chefe do Governo garante que, apesar de as circunstâncias terem mudado e a
conjuntura ser adversa, o Executivo não desiste dos objetivos que se propôs,
nem esquece os compromissos que assumiu. Quer, sim, corresponder à expectativa
dos portugueses e honrar a confiança que eles exprimiram na linha governativa
de Costa através do voto.
Disse
Costa que é já conhecido o Programa do Governo, pois corresponde ao programa
eleitoral apresentado pelo seu partido aos portugueses, com as adaptações que a
conjuntura postula, e que foi aprovado formalmente no Conselho de Ministros do
dia 31 de março, para ser discutido na Assembleia da República, na próxima
semana. Referiu que o Governo cessante aprovara o Programa de Estabilidade que
prossegue a trajetória de equilíbrio orçamental e redução sustentada da dívida
pública, compatibilizados com a ambição económica, social e ambiental. Anunciou
que está pronta a proposta de Orçamento do Estado para este ano de 2022,
honrando os compromissos assumidos, como o aumento extraordinário de pensões
com efeitos retroativos, a redução do IRS para a classe média ou o início da
gratuitidade das creches. E considerou que “o país dispõe de condições únicas
para romper definitivamente com um modelo de desenvolvimento assente em baixos
salários, assegurando emprego digno e de qualidade, aumentando o potencial do
seu tecido produtivo e eliminando barreiras ao progresso económico com base na
inovação, na modernização da Administração e da Justiça, na
internacionalização, sem deixar ninguém para trás”.
Afirmou
que é esta a marca dos seus governos: “modernização com solidariedade social”.
Assegurou
que, após anos de investimento nas qualificações e reforço do sistema
científico e tecnológico, da conjugação dos fundos estruturais com os do PRR e
da recuperação da credibilidade internacional para a atração de investimento,
Portugal tem condições de que nunca dispôs para virar a página para um novo
ciclo de desenvolvimento sustentável e inclusivo, “com uma economia que produz
maior valor acrescentado e com mais justa repartição desse valor com os
trabalhadores”.
Destas
condições aufere plena confiança na capacidade do alcance de objetivos tão
ambiciosos (quantificados e calendarizados), os associados ao Programa do Governo
e os contratualizados com a União Europeia, pelo tem como única esta
oportunidade “que nos empenha a todos, empresas e entidades do setor social e
solidário, instituições do ensino superior e do sistema científico, autarquias
locais, Regiões Autónomas e Estado central”.
Pensando
nos jovens, que querem participar na vida democrática e sabem que a mudança
depende deles, dirige-se-lhes a dizer que a sua participação e empenho são
determinantes, bem como a sua visão para o futuro, pelo que é preciso ouvir as
suas vozes, ideias e ambições, pois só assim podem ser ajudados a enfrentar os medos
e incertezas e a alcançar os sonhos; e só assim se pode garantir “que a geração
mais qualificada de sempre se torne, também, na geração mais realizada de
sempre”. Com efeito, diz Costa, “não basta virar a página do passado”: está na
hora de o os jovens escreverem a sua própria História, para o que “é essencial
a unidade em torno de objetivos comuns, de tal modo ambiciosos que mobilizem
cada uma e cada um de nós, como nunca”.
Reitera
que a maioria absoluta outorgada pelo povo “não significa poder absoluto”, mas “corresponde
a uma responsabilidade absoluta para quem governa” e porfia que a estabilidade
com que os portugueses resolveram a crise política através de eleições, não
significa imobilismo, mas “exigência de ambição e oportunidade de concretização”,
pelo que o Governo sente “a obrigação de aproveitar a estabilidade para
antecipar a incerteza, enfrentando corajosamente os desafios estruturantes com
que nos confrontamos”, a concretizar no “dever de inovar, de modernizar, de
garantir emprego digno e criar riqueza, de progredir juntos, com inclusão e
contas certas”, o que postula trabalho, em conjunto, com humildade democrática
e lealdade institucional, “garantindo o envolvimento dos partidos políticos e
parceiros sociais na criação de soluções que ajudem a encarar os desafios que o
país enfrenta”. Com efeito, só pelo compromisso com o diálogo social, a
mobilização da sociedade civil e o acolhimento dos contributos positivos dos
outros partidos políticos “poderemos continuar a avançar”.
Por
fim, observando que as eleições só alteraram a composição da Assembleia da
República, não a Constituição nem competências dos órgãos de soberania ou o
princípio da separação e interdependência de poderes e o da autonomia regional
e local, nem mudaram o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, garante
que podemos contar com “a normalidade constitucional e a continuidade da
saudável cooperação e solidariedade institucional”, qual “inestimável
contributo para o reforço das instituições democráticas e o prestígio de
Portugal no exterior”.
O
que mudou foi o quadro internacional, que nos coloca “novas exigências”, mas
permanecendo inalterado o rumo, com uma estratégia para executar, compromissos
a cumprir e objetivos a alcançar. Por isso, o Governo assegura que, tal como se
viraram outras páginas bem duras, também agora viraremos “a página da guerra” e
que, “ juntos e só juntos”, conseguiremos “escrever as páginas de um futuro que
queremos radioso”.
***
Posteriormente,
foi referido pelo Chefe de Estado que o Primeiro-Ministro não é refém do Presidente,
mas do povo que lhe deu a maioria absoluta para quatro amos e meio; e o
Primeiro-Ministro, em sintonia com Marcelo, destaca o facto de este lhe reconhecer
legitimidade pessoal pelo facto de o povo o ter elegido para mais 4 anos. Enfim,
a concretização da ideia de que nas eleições legislativas se escolhe o Primeiro-Ministro!
E
do Programa do Governo, acabado de aprovar e que passará no Parlamento, são
referidos os desafios constantes do discurso de Costa, fala-se de 20 principais
medidas, entre as quais novas medidas de apoio, e diz-se que foi reajustado
para responder às consequências da guerra.
Veremos
se as intenções se tornam realidade e se as oposições procedem à efetiva fiscalização
da postura prometida, da capacidade de resposta as desafios, da aptidão para
honrar os compromissos assumidos, da real consecução dos objetivos estratégicos
e da habilidade para enfrentar ou contornar criativamente os escolhos que a
realidade portuguesa e europeia surpreendentemente vier a apresentar.
Não
vá acontecer que tenhamos que repetir que “de boas intenções está o inferno
cheio”.
2022.04.01 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário