Arrancou, neste dia 26 de abril, o debate
parlamentar sobre o Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) com a audição ao Ministro
das Finanças na comissão de orçamento e finanças, iniciando-se, deste modo, o
processo do debate orçamental que se prevê durar um mês e meio.
Da esquerda à direita, dos partidos aos sindicatos,
passando pelas associações empresariais, todos têm reivindicações para Fernando
Medina. A inflação e os salários, a carga
fiscal e a preocupação com o crescimento económico são os temas a marcar a
audição com os deputados.
Entre os partidos, a principal crítica é a não
atualização dos salários e dos escalões de IRS à taxa de inflação. O PSD foi o primeiro a acusar o Governo de
“austeridade encapotada” no Orçamento por este não responder à aceleração da
inflação, “um erro capital”.
Segundo as contas do líder socialdemocrata, a perda de poder de compra
provocada pela taxa de inflação de 4% corresponde ao corte de meio salário no
conjunto dum ano. É austeridade”, disse, aduzindo a “contradição” entre o que os
socialistas prometeram nas eleições em janeiro e o que estão a fazer agora. E
Rio diz que “as pessoas acreditaram no que o PS ia fazer,
mas logo no primeiro Orçamento já estão a fugir àquilo com que se comprometeram”.
Ora, “se o PS entende que em termos de política económica não é o mais
adequado, então teria pensado antes das eleições e não teria prometido”, cuidado
que o PSD teve.
Rui Rio já tinha atacado Costa sobre este tema no debate do Programa de
Governo, concluindo:
“Rendeu votos
seguramente, porque parece muito dinheiro, mas a inflação em Portugal já passou
5% e 7% na zona euro. (…) Se não ajustar, tiramos uma conclusão óbvia: enganou
as pessoas.”.
O BE, que partilha a opinião do PSD, pede ao Governo que aja no atinente à “especulação
de preços”, sobretudo na energia, pois, como diz Catarina Martins, “quando o Governo se recusa a atualizar os salários
à inflação o que está a dizer é que vamos ter uma quebra real dos salários”.
Para Catarina Martins são, uma vez mais, os trabalhadores a pagar a crise
que não provocaram. O ciclo da inflação não tem nada a ver com os salários, mas
com os combustíveis. A única forma de o travar é controlar preços e limitar
margens, porque “há quem
esteja a ganhar muito com este ciclo de inflação e com a especulação que faz
dos preços”. Ora, “atualizar os salários, pelo contrário, não tem
nenhum problema do ponto de vista da inflação porque nem sequer aumenta a
procura, é só prevenir que os salários não percam poder de compra”.
Outra crítica feita ao Orçamento é o empobrecimento relativo de Portugal
face a outros países europeus. O PSD diz que “Governo continua a recusar que
o fraco crescimento económico em Portugal é o principal problema estrutural do
país”. E a Iniciativa Liberal, que tem elegido este tema como o mais
importante para o país, critica a falta de uma estratégia económica e acusa o
PS de estar “viciado” em impostos, pois, como avisou João Cotrim Figueiredo, “se
não houver alterações fiscais em linha com a inflação, como a atualização dos
escalões de IRS à taxa de inflação, isso sim representa um aumento de impostos”.
Quanto a propostas em concreto, será preciso esperar mais algum tempo. O
prazo para a entrega de propostas por parte dos partidos com assento parlamentar
deverá correr até meados de maio. Como o PS tem maioria absoluta, serão os
socialistas a decidir o que passa ou não para a versão final do OE 2022. E uma
das dúvidas é saber se, ao invés do que aconteceu nos últimos anos, o número de
propostas de alteração ao OE 2022 baixará.
Da parte dos empresários, a maior queixa é a falta da tomada de medidas
mais agressivas pelo Governo. João Vieira Lopes, presidente
da CCP (Confederação do
Comércio e Serviços de Portugal ), que
esperava que a proposta do OE introduzisse medidas adicionais de desagravamento
fiscal para mitigar os efeitos na perda generalizada do poder de compra, tem dúvidas
sobre o ritmo de redução do défice orçamental, aduzindo que “com tantas
incertezas não apostar em medidas efetivas de mitigação da crise pode
revelar-se um erro”. Por outro lado, os empresários da indústria, tal como a
CIP (Confederação Empresarial de Portugal), alertam que não é possível atualizar salários à taxa
de inflação. António Saraiva, presidente da CIP, disse que “é utópico pensar que as empresas ou o
próprio Estado, sejamos honestos no raciocínio, pode de um momento para o outro
aumentar salários para manter o poder de compra”.
Saraiva lembra que as empresas
aumentaram “este ano o salário mínimo nacional em 6%” quando “a inflação não
era dessa ordem de grandeza”, contudo, aos “aumentos
brutais dos custos de produção” é “impossível” para o tecido empresarial
acompanhar esta subida do custo de vida.
A AHRESP (Associação da hotelaria, restauração e similares de Portugal) quer medidas de apoio à recuperação para empresas do
turismo e diz que o OE 2022 deve ser ajustado ao clima de incerteza causado
pela guerra e ao galopante aumento dos custos da energia e bens alimentares.
Os sindicatos exigem uma subida intercalar dos salários na Função Pública,
mas Fernando Medina rejeitou tal hipótese. Os dirigentes sindicais criticam a
postura do Governo face ao défice, que esperam não se tornar uma religião, e
têm na agenda reivindicativa os aumentos salariais. Dias depois, Costa disse
que a atualização salarial dos 733 mil funcionários públicos dependerá da
natureza estrutural ou temporária da inflação e da capacidade orçamental do
país.
No setor privado, nos últimos meses, já houve várias greves e a pressão
sindical deve aumentar nos próximos tempos, a começar pela CGTP. Com efeito, Isabel
Camarinha avisou:
“Depois do
aproveitamento que foi feito da pandemia pelos grandes grupos económicos para
acumularem lucros colossais […], temos agora um aproveitamento
da situação da guerra e das sanções para desencadear este brutal aumento de
preços e degradação do poder de compra e dos salários”.
A presidente da UGT, Lucinda Dâmaso, pediu uma “reavaliação muito
urgente” do salário mínimo nacional por considerar que o aumento verificado no
início do ano “já foi completamente absorvido pelo custo de vida”. O
Governo tem afastado uma compensação total do aumento do custo de vida e o
Primeiro-Ministro já indiciou que o salário mínimo vai subir para 750 euros em
janeiro de 2023, mantendo a trajetória prometida nas últimas eleições.
Para já, o Governo promete negociação e pede boa-fé. A propósito, disse o Secretário
de Estado do Trabalho, Miguel Fontes:
“Temos de ultrapassar desconfianças, que muitas vezes não têm razão
de ser, e de dar sinais concretos, provas de boa-fé, seja do lado das entidades
empregadoras, seja do lado das organizações sindicais. Podemos divergir
aqui e acolá sobre o ritmo e como o fazer, mas estamos de acordo que Portugal
estará bem melhor se tiver uma sociedade mais inclusiva, com mais oportunidades
para todos.”.
O
Primeiro-Ministro anunciou, a 20 de abril, que, em 2023, “voltará a haver
atualização anual dos salários” da administração pública, mas ressalvou que o
valor dependerá da negociação sindical e da evolução da taxa de inflação. Sobre
o montante da atualização anual, diz que isso vai ter de ser negociado com os
sindicatos – como está sempre sujeito a negociação sindical – e acha que
dependerá de vários fatores: dependerá seguramente de se
confirmar ou infirmar o que são hoje as previsões sobre a evolução da inflação.
Esta
posição foi assumida numa entrevista promovida pelo Clube de Jornalistas, em
parceria com a agência Lusa e com a
Escola Superior de Comunicação Social, no âmbito dos 50 anos das comemorações
do 25 de Abril e dos 40 anos do clube.
Nesta
entrevista, com cinco jornalistas de cinco diferentes gerações (Henrique
Garcia, Luísa Meireles, Ana Sá Lopes, Rita Tavares e Filipe Santa-Bárbara), conduzida por Maria Elisa
Domingues, o Primeiro-Ministro referiu que, se o atual aumento da inflação for um pico que dure “estes meses e
não o conjunto do ano”, com a “previsão de uma queda muito acentuada e uma
retoma muito rápida da normalidade da inflação no próximo ano, é um quadro”. Porém,
se este pico inflacionista, em vez de ser um pico, for um longo
planalto ou, pior ainda, continuar a subir, é outro quadro bem distinto. O valor da atualização dependerá também das circunstâncias
económicas e da capacidade orçamental que o país terá.
O
chefe do Governo referiu que “o direito à negociação
coletiva na administração pública” é um “princípio fundamental” que o Governo
irá respeitar, assegurando que “não haverá fixação sem prévia negociação
sindical”.
O
primeiro-ministro considerou que o país está a atravessar um pico
extraordinário de inflação, que tenderá a estabilizar no próximo ano, e que o
orçamento para 2022 é o primeiro que foi referendado pelos portugueses.
“Este é o primeiro Orçamento do
Estado referendado pelos portugueses”, declarou o líder do
executivo, numa alusão à crise política aberta com o chumbo da anterior
proposta orçamental e às posteriores eleições legislativas antecipadas que o PS
venceu com maioria absoluta.
Costa afastou em absoluto a possibilidade de o país regressar ao
carvão como resposta à atual crise energética e defendeu as metas constantes na
proposta de Orçamento do Estado para 2022 do Governo, que será debatida na generalidade
no Parlamento nos próximos dias 28 e 29.
Na
questão do OE 2022, Costa recusou a perspetiva de ser uma proposta para 6
meses, contrapondo que várias das medidas terão efeitos retroativos a 1 de
janeiro, e considerou natural que as forças da oposição a critiquem, porque é a
que já chumbaram em outubro passado.
“Assumimos o compromisso que, uma vez
eleitos, apresentaríamos exatamente o mesmo orçamento, que é o original, mas já
incorporando todos os compromissos que tínhamos assumido nas negociações com o
PCP – e, apesar disso, o PCP manteve o seu voto negativo”, declarou Costa,
numa referência aos episódios da última crise política.
Sustentou
que a proposta de orçamento vai “reforçar significativamente os rendimentos,
desde logo de todos os pensionistas até 1108 euros, que terão um aumento
extraordinário” e que será pago com efeitos retroativos a 1 de janeiro. Neste
ponto falou em medidas de desagravamento do IRS, sobretudo para os mais jovens,
e de caráter social, caso da gratuitidade das creches.
Em
relação ao facto de as principais instituições internacionais estimarem para
Portugal um crescimento menor que o previsto na proposta de Orçamento, Costa contrapôs que “o ponto de partida” para a execução
orçamental deste ano “é bastante melhor do que aquela que estava
prevista”. “O défice previsto era de 4,3% e foi de 2,8%”, pelo
que “o ponto de partida é francamente melhor. Por isso, em junho, começará a preparar-se o Orçamento do próximo ano.
No respeitante
à inflação, o líder do executivo citou as previsões do FMI (Fundo Monetário Internacional) que “reafirmou
que se está neste momento a viver um pico extraordinário de inflação, que não
vai ter continuidade”. “Prevê-se uma inflação de 4% em Portugal
e para 2023 o FMI estima 1,5%, isto é, uma queda significativa já no próximo
ano. Há outras instituições menos otimistas, mas o BCE (Banco Central Europeu) aponta para a mesma trajetória,
entendendo que tenderemos a estabilizar na zona euro com uma inflação na ordem
dos 2%.
Costa
apontou que, nos últimos 12 meses, em Portugal, se registou 2,2% em termos de
inflação, embora no mês passado tenha sido superior a 5%. Apesar de tudo, somos o terceiro ou quarto país da UE com uma
inflação mais baixa graças à política energética e às medidas tomadas em
outubro para controlar a subida de preços. Nos próximos meses,
temos de ter uma ação muito forte sobre o processo de formação de preços. E considerou
fundamental que a proposta de Portugal e Espanha, para evitar a contaminação do
preço da eletricidade pelo do gás, seja aprovada pela Comissão Europeia em
breve. Mas Portugal tem é de acelerar a transição
energética.
***
É
um orçamento insuficiente para travar os efeitos da crise e obviar à descida do
poder de compra da classe média. E pouco dá aos mais pobres. Em termos de
crítica, é óbvio que sindicatos, partidos da oposição e empresários têm razão
nas suas reivindicações, nada excessivas. Resta saber se o Governo pode fazer
milagres, a não ser pela via do aumento de impostos e contribuições, que já
pesam desmedidamente na carteira dos portugueses. Será bom se o Governo levar
os gestores públicos e privados à administração rigorosa do património público
e privado.
É
pena que os governos não sejam capazes de travar o enriquecimento oportunista
de alguns em tempos de crise grave. Está o poder político, que reside no povo,
capturado por interesse poderosos difíceis de desalojar.
2022.04.26 – Louro de Carvalho
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