Quando se discutem
os detalhes dos montantes e das condições de ajuda da UE aos países mais
afetados pela crise resultante da pandemia, com a ressuscitação das divisões
entre Norte e Sul, que em muito contribuíram para a crise do euro, é de
perceber o crescimento a leste.
O PIB per capita é indicador insuficiente para
detetar todas as dimensões das desigualdades existentes num dado espaço
geográfico, já que mede a riqueza produzida num país, região ou território num
dado período, mas exclui todas as atividades que não possuam valor mercantil e só
considera o crescimento económico, não permitindo saber se se trata de desenvolvimento
humano sustentável (por exemplo, ignora os impactos ambientais que produz). E, se tivermos em conta apenas o valor agregado,
ficarão no esquecimento as atividades económicas responsáveis por ele. São típico
exemplo as economias dos países monoprodutores e monoexportadores de petróleo,
que apresentam elevados valores do PIB, o que não corresponde a um efetivo
desenvolvimento.
E,
sobretudo, não se consegue medir a forma como a riqueza criada é distribuída
pela população. Dois países podem ter iguais valores do PIB por habitante, mas
um pode apresentar uma sociedade igualitária e outro a uma desigual. Assim, dividir
o valor do PIB pelo número de habitantes dum certo espaço para calcular o PIB per capita, dá um valor médio, que omite
a questão das desigualdades, nem mede o impacto do custo de vida no usufruto da
riqueza, pois, mesmo que esta seja igual em dois espaços, não é indiferente que
sejam mais baixos os preços num e mais altos noutro. Por isso, faz-se o
ajustamento de acordo com as paridades do poder de compra: assim, o valor de
referência deve ser PIB/PPS.
A Europa do
Leste, no contexto da UE, corresponde aos seus países que, até ao fim da guerra
fria, tiveram regimes comunistas e economias de planificação central.
Constitui a
área geográfica recente da UE, integrando 11 países, 8 dos quais aderiram em
2004 (Estónia,
Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria e Eslovénia), 2 em 2007 (Roménia e Bulgária) e 1 em 2013 (Croácia). Destes, apenas integram o euro a Eslovénia (desde 2007), a Eslováquia (2009), a Estónia (2011), a Letónia (2014) e a Lituânia (2015).
É uma área
que estava, em rendimento e infraestruturas, bastante atrás dos parceiros à
data da adesão. A transição para o capitalismo teve grandes custos sociais,
pelo encerramento de grandes indústrias obsoletas, causando aumento exponencial
do desemprego, e pela perda de benefícios do Estado Social, mercê da adoção do
modelo neoliberal. Porém, o acesso aos fundos estruturais e o afluxo de
investimento estrangeiro a essa área permitiram um rápido crescimento económico
nos anos subsequentes à adesão, como sucedera na Europa do Sul. Posse mão-de-obra
mais barata e elevados níveis de qualificação atraíram as multinacionais e
fizeram encetar rápidos processos de inovação tecnológica. E, à exceção da
Roménia e da Bulgária, mais periféricas, houve o benefício duma situação
geográfica muito favorável, em especial a proximidade com a Alemanha. Ora, como
estavam quase todos fora do euro aquando da crise que o afetou e tendo necessidade
de modernizar as infraestruturas, para o que mobilizaram muito investimento
público e privado, tiveram bom desempenho económico, que lhes permitiu reduzir
a distância face ao resto da UE.
Veja-se o
que se passou de 2008 a 2018, estando Portugal nos 78% do PIB/PPS em 2018.
A República
Checa é o mais rico destes países, mas era o único deles que já era industrializado
antes da II guerra mundial, tendo, com os alemães de leste, o nível de vida
mais elevado do antigo bloco soviético. E, apesar de o modelo assente na
coletivização agrícola quase total e na indústria pesada se ter consolidado, a
transição para o capitalismo foi menos dolorosa que para os vizinhos, tendo
alguma indústria sobrevivido. Em 2008, já se encontrava nos 85%. Apesar de
estar fora do euro, os 5 anos seguintes não foram famosos e, depois de pequena
descida, aquele valor mantinha-se em 2013, embora tivesse subido duas posições:
ultrapassada por Malta, mas beneficiando das quedas abruptas da Grécia e do
Chipre e, menos, da Eslovénia. A partir daí, a sua economia voltou a crescer em
bom ritmo e, em 2018, atingia já 91%, colando-se à Espanha.
A Eslovénia,
a mais desenvolvida república da ex-Jugoslávia, foi o país que mais cresceu após
a adesão. Sendo mais próspera que as restantes repúblicas da federação
jugoslava, onde a economia era menos centralizada que nos países do bloco
soviético e havendo alguns mecanismos de mercado, teve uma transição para o
capitalismo mais suave. Em 2008, registava um valor de 91%, ultrapassando Malta
e Portugal e aproximando-se da Grécia. Todavia, tendo aderido ao euro um ano
antes, viu-se a braços com grave crise bancária. Evitou a intervenção da
“troika”, mas as medidas austeritárias provocaram uma recessão e a economia teve
crescimento muito fraco em mais de 5 anos. Em 2013, a cifra situava-se nos 83%,
sendo ultrapassada pela República Checa e pelo Chipre, embora tenha beneficiado
da queda abrupta da Grécia. A partir de 2016, a economia recuperou e, em 2018,
já subira para 88%, perto de Chipre, República Checa e Espanha.
A Estónia
foi um destes países que teve maior crescimento. Pequeno país, anexado pela
ex-URSS em 1940 e independente desde 1991, foi, na ocupação soviética, a sua república
tecnologicamente mais desenvolvida. Com população bastante qualificada, relações
próximas com a Finlândia, cuja língua é semelhante, e relações históricas com a
Alemanha e porta de entrada de produtos europeus na Rússia e outros estados da
ex-URSS, aproveitou bem a adesão. Em 2008, estava a 70%. Em 2011, aderiu ao
euro e, em 2013, esse valor já se cifrava em 77%, ganhando uma posição à custa
da Grécia e colando-se à Eslováquia e a Portugal, que ultrapassou em 2018 com
aquele indicador em 82%, pois o seu crescimento continuou em bom ritmo.
A Lituânia é
outro dos três estados bálticos, cuja história recente é semelhante à estoniana.
Porém, ao invés daquela, era uma república muito rural. Por isso, em 2008,
estava apenas a 64%. Mas a forte ligação com a Alemanha e com a Polónia, um
importante mercado, bem como a proximidade com a Rússia (em
especial, o enclave de Kaliningrado) e outras
repúblicas ex-soviéticas foram bem aproveitadas pelos lituanos, tal como os
fundos estruturais. Por isso, encetou um processo de modernização económica e
tecnológica, que vem garantindo elevados crescimentos económicos. Assim, em
2013, aquele valor já era de 74%, deixando a Grécia para trás. Em 2015 aderiu
ao euro, mas a economia continuou a crescer, atingindo os 81%, à frente de
Portugal e da Eslováquia e muito perto da Estónia.
A Letónia é
o mais pobre estado báltico, embora tenha sido, em tempos, o mais
industrializado. A sua história recente é semelhante à dos vizinhos estónios e
lituanos. Com o desmantelamento de algumas indústrias, a transição foi mais
complicada que a deles. Em 2008, o PIB “per capita” PPS estava em 60% da média
da UE. Contudo, em 2009, Valdis Dombrovskis, atual comissário europeu da
Economia, então primeiro-ministro, encetou uma política de austeridade, com
cortes de 25% nos salários, o que provocou forte recessão. Todavia, como os
países vizinhos, tirou partido das relações privilegiadas com os países
nórdicos, bem como da proximidade com a Rússia e a Bielorrússia. Por isso, a
recuperação, iniciada em 2011, foi rápida e, em 2013, aquele valor subiu para
63%. Um ano depois, o país entrou no euro e o seu crescimento económico
reduziu-se nos anos seguintes, mas, em 2017, o desempenho voltou a melhorar e,
em 2018, atingia os 69%, permitindo ao país “apanhar” a Grécia.
A Eslováquia
é o único destes países que teve no período em análise, uma evolução em V
invertido. Constituindo a parte rural e mais pobre da ex-Checoslováquia,
possuía alguns pequenos produtores agrícolas privados e foi alvo de uma
industrialização com base nas indústrias pesadas e de armamento. A transição
para o capitalismo deixou a maioria dessas indústrias pelo caminho, originando enorme
aumento do desemprego. Hoje, a taxa de desemprego ainda é muito superior à
média europeia. Tendo aderido à UE em 2004 e beneficiado, como os vizinhos, do
afluxo de capitais provenientes dos fundos estruturais e do investimento
estrangeiro, em especial da Alemanha, com quem tem historicamente boas
relações, estava, em 2008, nos 73%. Tendo aderido ao euro em 2009, não sofreu
com a crise deste e continuou a crescer em bom ritmo, tendo atingido os 78% em
2013, à frente da Grécia e a par de Portugal. A partir daí, experimentou muitas
dificuldades e, em 2016, sofreu forte recessão, devida à menor competitividade
das suas exportações por via da crescente concorrência asiática e do menor
dinamismo das economias alemã e austríaca, seus principais investidores. Tendo batido
no fundo, começou a recuperar e, em 2018, aquele indicador cifrava-se em 74%.
A Polónia
foi outro país que aproveitou bem a adesão à UE para crescer economicamente. Ao
invés dos restantes, a sua agricultura pouco coletivizada assentava em grande
número de pequenos agricultores; a indústria seguia o padrão habitual do bloco
soviético, assentando, em grande parte, nos setores pesados e nas minas. Por
isso, a transição para o capitalismo teve elevados custos, em especial no aumento
do desemprego. Em 2008 (4 anos após a adesão), era o 3.º país mais pobre da UE, só à frente da Roménia e da Bulgária,
que aderiram no ano anterior, com apenas 56%. Todavia, possui duas enormes
vantagens, que soube aproveitar: um grande mercado potencial (o 5º país
mais povoado da UE, com quase 40 milhões de habitantes), o que levou ao afluxo massivo de capitais, sob a forma
de investimento estrangeiro; e a situação geográfica – vizinha da Alemanha, que
se tornou o principal investidor e parceiro comercial, e da Ucrânia,
Bielorrússia e Rússia (enclave de Kaliningrado), para onde serve de porta de entrada de produtos
oriundos da UE. Além disso, utilizou os fundos estruturais para a modernização
de infraestruturas básicas. E, não tendo integrado o euro, ficou fora da crise.
Por isso, experimentou um crescimento muito rápido até 2012. Assim, em 2013,
aquele valor subiu para 68%, pelo que ultrapassou a Croácia e a Letónia e agarrou
a Hungria. Porém, os últimos tempos, passados alguns desses efeitos e aumentada
a concorrência asiática e as políticas austeritárias do governo
liberal-conservador de Donald Tusk, mostraram um país a crescer de forma
modesta, embora com ligeira aceleração a partir de 2016. Com efeito, apesar do
seu reacionarismo, o PiS desenvolve políticas menos liberais e menos
austeritárias no plano económico. Em 2018, aquela cifra encontrava-se nos 71%,
à frente da Grécia.
A Hungria
foi outro país com bom desempenho económico após a adesão. Contudo, o seu
crescimento foi menos exuberante que o polaco. As reformas encetadas pelo
último líder comunista, Janos Kadar, criando mecanismos de mercado e indústria
menos anquilosada do ponto de vista tecnológico que as dos parceiros do antigo bloco
soviético facilitaram a transição para o capitalismo, embora com os custos
sociais a ela associados. Em 2008, encontrava-se nos 64%, tal como a Lituânia e
a Croácia. Apesar da sua posição no centro do continente, o seu efetivo
populacional, semelhante ao português, é um mercado menos atrativo, pelo que
não beneficiou tanto do investimento estrangeiro como outros países vizinhos ou
próximos, pese embora o papel da vizinha Áustria nesse particular. Apesar de
não integrar o euro, sofreu um princípio de crise bancária em 2012, com
reflexos na banca austríaca. Em 2013, aquele valor subiu para 68%, deixando a
Croácia para trás, mas vendo fugir a Lituânia e deixando-se apanhar pela
Polónia. Apesar duma recessão em 2016, recuperou e voltou a crescer em bom
ritmo, com aquela cifra nos 71% da média, igual à Polónia, mas à frente da
Grécia. É o razoável desempenho económico e a adoção de políticas menos
liberais e menos austeritárias que a dos seus antecessores do centro-esquerda
que explica a permanência do apoio duma franja significativa da população ao
autoritarismo de Orbán e ao seu partido.
A Roménia é
outro país que experimentou elevado crescimento económico, em especial nos
últimos anos. O último líder comunista, Nicolae Ceaucescu, apresentava,
externamente, o regime como independente da URSS, mas, a nível interno, era o
mais estalinista do bloco soviético. Quando foi derrubado, a economia
encontrava-se em grandes dificuldades e o nível de vida da população era baixo.
A transição para o capitalismo não ajudou e, quando aderiu à UE, em 2007, o
país continuava muito pobre, bem abaixo dos 50%, pouco acima da Bulgária. A
adesão, com o acesso aos fundos estruturais e o aumento do investimento
estrangeiro, contribuiu para a forte subida e, um ano depois, em 2008, aquele
valor atingiu os 52%. Apesar de não estar no euro, a Grande Recessão refreou o
investimento das multinacionais, a que se somou a falta de confiança destas no
país, sobretudo pela corrupção que se tornou endémica. Por isso, só em 2012 a
economia voltou a crescer e, em 2013, aquela cifra era de 55%. Todavia, sendo importante
mercado (quase 20
milhões de pessoas), acabou por
ver o investimento internacional afluir ao país, onde as infraestruturas
necessitavam de urgente modernização. Os últimos anos foram, assim, de forte
crescimento económico, em especial a partir de 2015. Em 2018, aquele indicador
cifrava-se já em 66%, com o país a ultrapassar a Croácia e a aproximar-se da Grécia.
A Croácia
era a 2.ª república mais rica da ex-Jugoslávia, atrás da Eslovénia, mas, ao
contrário dos vizinhos, envolveu-se nas guerras balcânicas, entre 1991 e 1995,
com o seu cotejo de morte e destruição. Porém, o apoio da Alemanha, da Áustria
e dos EUA, levou-a à recuperação; e, em 2008, estava nos 64%. Em 2010, sofreu
uma crise bancária e entrou em recessão até 2013, ano da adesão à UE, em que
aquele valor desceu para os 60%, vendo Lituânia e Hungria descolar e a Letónia
passar-lhe à frente. A recessão prolongou-se mais um ano, mas, a partir de
2015, os fundos estruturais e o turismo ajudaram a melhorar a situação da
economia do país, que voltou a crescer, embora de forma não exuberante. Em
2018, aquele indicador subiu para 63%, mas isso não evitou a ultrapassagem pela
Roménia, pelo que o país é, atualmente, o 2.º mais pobre da UE, tendo atrás de
si apenas a Bulgária.
Por fim, a
Bulgária, apesar de continuar a ser o país mais pobre da UE, vem experimentando
alguma convergência com o resto da UE, embora a debilidade da economia e das infraestruturas
e a corrupção endémica criem dificuldades. País rural, alinhado com a ex-URSS,
com agricultura coletivizada e pequena e obsoleta indústria pesada, foi sempre
pobre e a transição para o capitalismo acentuou as dificuldades da população. A
posição periférica e a pequena dimensão do mercado não ajudam à captação do
investimento estrangeiro. Quando aderiu, em 2007, estava pouco acima dos 40%,
valor que subiu para 43% em 2008. Com altos e baixos, chegou aos 46% em 2013. A
partir daqui o crescimento foi mais rápido, atingindo aquela cifra os 51% em
2018.
***
É óbvio que
estes países crescem devido aos resquícios da economia planificada, da penetração
do investimento externo e do fomento da agricultura e da indústria e, ultimamente,
pela governação a mão de ferro nalguns. Mas é de questionar como se distribui a
riqueza e se a população é livre e acede em boas condições à saúde, educação,
cultura e segurança social; se há mecanismos de acolhimento de migrantes; e, se
as condições de trabalho são aceitáveis ou se há exploração em termos de salários
baixos, sobrecarga laboral, sonegação de pagamento de horas extraordinárias e mobilização
forçada de trabalhadores. Às vezes, é preferível crescer menos.
2022.04.09 – Louro de Carvalho
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