sábado, 9 de abril de 2022

Crescemos acima da média da UE e menos que os seus países do Leste

 

Quando se discutem os detalhes dos montantes e das condições de ajuda da UE aos países mais afetados pela crise resultante da pandemia, com a ressuscitação das divisões entre Norte e Sul, que em muito contribuíram para a crise do euro, é de perceber o crescimento a leste.

O PIB per capita é indicador insuficiente para detetar todas as dimensões das desigualdades existentes num dado espaço geográfico, já que mede a riqueza produzida num país, região ou território num dado período, mas exclui todas as atividades que não possuam valor mercantil e só considera o crescimento económico, não permitindo saber se se trata de desenvolvimento humano sustentável (por exemplo, ignora os impactos ambientais que produz). E, se tivermos em conta apenas o valor agregado, ficarão no esquecimento as atividades económicas responsáveis por ele. São típico exemplo as economias dos países monoprodutores e monoexportadores de petróleo, que apresentam elevados valores do PIB, o que não corresponde a um efetivo desenvolvimento.

E, sobretudo, não se consegue medir a forma como a riqueza criada é distribuída pela população. Dois países podem ter iguais valores do PIB por habitante, mas um pode apresentar uma sociedade igualitária e outro a uma desigual. Assim, dividir o valor do PIB pelo número de habitantes dum certo espaço para calcular o PIB per capita, dá um valor médio, que omite a questão das desigualdades, nem mede o impacto do custo de vida no usufruto da riqueza, pois, mesmo que esta seja igual em dois espaços, não é indiferente que sejam mais baixos os preços num e mais altos noutro. Por isso, faz-se o ajustamento de acordo com as paridades do poder de compra: assim, o valor de referência deve ser PIB/PPS.

A Europa do Leste, no contexto da UE, corresponde aos seus países que, até ao fim da guerra fria, tiveram regimes comunistas e economias de planificação central.

Constitui a área geográfica recente da UE, integrando 11 países, 8 dos quais aderiram em 2004 (Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria e Eslovénia), 2 em 2007 (Roménia e Bulgária) e 1 em 2013 (Croácia). Destes, apenas integram o euro a Eslovénia (desde 2007), a Eslováquia (2009), a Estónia (2011), a Letónia (2014) e a Lituânia (2015).

É uma área que estava, em rendimento e infraestruturas, bastante atrás dos parceiros à data da adesão. A transição para o capitalismo teve grandes custos sociais, pelo encerramento de grandes indústrias obsoletas, causando aumento exponencial do desemprego, e pela perda de benefícios do Estado Social, mercê da adoção do modelo neoliberal. Porém, o acesso aos fundos estruturais e o afluxo de investimento estrangeiro a essa área permitiram um rápido crescimento económico nos anos subsequentes à adesão, como sucedera na Europa do Sul. Posse mão-de-obra mais barata e elevados níveis de qualificação atraíram as multinacionais e fizeram encetar rápidos processos de inovação tecnológica. E, à exceção da Roménia e da Bulgária, mais periféricas, houve o benefício duma situação geográfica muito favorável, em especial a proximidade com a Alemanha. Ora, como estavam quase todos fora do euro aquando da crise que o afetou e tendo necessidade de modernizar as infraestruturas, para o que mobilizaram muito investimento público e privado, tiveram bom desempenho económico, que lhes permitiu reduzir a distância face ao resto da UE.

Veja-se o que se passou de 2008 a 2018, estando Portugal nos 78% do PIB/PPS em 2018.

A República Checa é o mais rico destes países, mas era o único deles que já era industrializado antes da II guerra mundial, tendo, com os alemães de leste, o nível de vida mais elevado do antigo bloco soviético. E, apesar de o modelo assente na coletivização agrícola quase total e na indústria pesada se ter consolidado, a transição para o capitalismo foi menos dolorosa que para os vizinhos, tendo alguma indústria sobrevivido. Em 2008, já se encontrava nos 85%. Apesar de estar fora do euro, os 5 anos seguintes não foram famosos e, depois de pequena descida, aquele valor mantinha-se em 2013, embora tivesse subido duas posições: ultrapassada por Malta, mas beneficiando das quedas abruptas da Grécia e do Chipre e, menos, da Eslovénia. A partir daí, a sua economia voltou a crescer em bom ritmo e, em 2018, atingia já 91%, colando-se à Espanha.

A Eslovénia, a mais desenvolvida república da ex-Jugoslávia, foi o país que mais cresceu após a adesão. Sendo mais próspera que as restantes repúblicas da federação jugoslava, onde a economia era menos centralizada que nos países do bloco soviético e havendo alguns mecanismos de mercado, teve uma transição para o capitalismo mais suave. Em 2008, registava um valor de 91%, ultrapassando Malta e Portugal e aproximando-se da Grécia. Todavia, tendo aderido ao euro um ano antes, viu-se a braços com grave crise bancária. Evitou a intervenção da “troika”, mas as medidas austeritárias provocaram uma recessão e a economia teve crescimento muito fraco em mais de 5 anos. Em 2013, a cifra situava-se nos 83%, sendo ultrapassada pela República Checa e pelo Chipre, embora tenha beneficiado da queda abrupta da Grécia. A partir de 2016, a economia recuperou e, em 2018, já subira para 88%, perto de Chipre, República Checa e Espanha.

A Estónia foi um destes países que teve maior crescimento. Pequeno país, anexado pela ex-URSS em 1940 e independente desde 1991, foi, na ocupação soviética, a sua república tecnologicamente mais desenvolvida. Com população bastante qualificada, relações próximas com a Finlândia, cuja língua é semelhante, e relações históricas com a Alemanha e porta de entrada de produtos europeus na Rússia e outros estados da ex-URSS, aproveitou bem a adesão. Em 2008, estava a 70%. Em 2011, aderiu ao euro e, em 2013, esse valor já se cifrava em 77%, ganhando uma posição à custa da Grécia e colando-se à Eslováquia e a Portugal, que ultrapassou em 2018 com aquele indicador em 82%, pois o seu crescimento continuou em bom ritmo.

A Lituânia é outro dos três estados bálticos, cuja história recente é semelhante à estoniana. Porém, ao invés daquela, era uma república muito rural. Por isso, em 2008, estava apenas a 64%. Mas a forte ligação com a Alemanha e com a Polónia, um importante mercado, bem como a proximidade com a Rússia (em especial, o enclave de Kaliningrado) e outras repúblicas ex-soviéticas foram bem aproveitadas pelos lituanos, tal como os fundos estruturais. Por isso, encetou um processo de modernização económica e tecnológica, que vem garantindo elevados crescimentos económicos. Assim, em 2013, aquele valor já era de 74%, deixando a Grécia para trás. Em 2015 aderiu ao euro, mas a economia continuou a crescer, atingindo os 81%, à frente de Portugal e da Eslováquia e muito perto da Estónia.

A Letónia é o mais pobre estado báltico, embora tenha sido, em tempos, o mais industrializado. A sua história recente é semelhante à dos vizinhos estónios e lituanos. Com o desmantelamento de algumas indústrias, a transição foi mais complicada que a deles. Em 2008, o PIB “per capita” PPS estava em 60% da média da UE. Contudo, em 2009, Valdis Dombrovskis, atual comissário europeu da Economia, então primeiro-ministro, encetou uma política de austeridade, com cortes de 25% nos salários, o que provocou forte recessão. Todavia, como os países vizinhos, tirou partido das relações privilegiadas com os países nórdicos, bem como da proximidade com a Rússia e a Bielorrússia. Por isso, a recuperação, iniciada em 2011, foi rápida e, em 2013, aquele valor subiu para 63%. Um ano depois, o país entrou no euro e o seu crescimento económico reduziu-se nos anos seguintes, mas, em 2017, o desempenho voltou a melhorar e, em 2018, atingia os 69%, permitindo ao país “apanhar” a Grécia.

A Eslováquia é o único destes países que teve no período em análise, uma evolução em V invertido. Constituindo a parte rural e mais pobre da ex-Checoslováquia, possuía alguns pequenos produtores agrícolas privados e foi alvo de uma industrialização com base nas indústrias pesadas e de armamento. A transição para o capitalismo deixou a maioria dessas indústrias pelo caminho, originando enorme aumento do desemprego. Hoje, a taxa de desemprego ainda é muito superior à média europeia. Tendo aderido à UE em 2004 e beneficiado, como os vizinhos, do afluxo de capitais provenientes dos fundos estruturais e do investimento estrangeiro, em especial da Alemanha, com quem tem historicamente boas relações, estava, em 2008, nos 73%. Tendo aderido ao euro em 2009, não sofreu com a crise deste e continuou a crescer em bom ritmo, tendo atingido os 78% em 2013, à frente da Grécia e a par de Portugal. A partir daí, experimentou muitas dificuldades e, em 2016, sofreu forte recessão, devida à menor competitividade das suas exportações por via da crescente concorrência asiática e do menor dinamismo das economias alemã e austríaca, seus principais investidores. Tendo batido no fundo, começou a recuperar e, em 2018, aquele indicador cifrava-se em 74%.

A Polónia foi outro país que aproveitou bem a adesão à UE para crescer economicamente. Ao invés dos restantes, a sua agricultura pouco coletivizada assentava em grande número de pequenos agricultores; a indústria seguia o padrão habitual do bloco soviético, assentando, em grande parte, nos setores pesados e nas minas. Por isso, a transição para o capitalismo teve elevados custos, em especial no aumento do desemprego. Em 2008 (4 anos após a adesão), era o 3.º país mais pobre da UE, só à frente da Roménia e da Bulgária, que aderiram no ano anterior, com apenas 56%. Todavia, possui duas enormes vantagens, que soube aproveitar: um grande mercado potencial (o 5º país mais povoado da UE, com quase 40 milhões de habitantes), o que levou ao afluxo massivo de capitais, sob a forma de investimento estrangeiro; e a situação geográfica – vizinha da Alemanha, que se tornou o principal investidor e parceiro comercial, e da Ucrânia, Bielorrússia e Rússia (enclave de Kaliningrado), para onde serve de porta de entrada de produtos oriundos da UE. Além disso, utilizou os fundos estruturais para a modernização de infraestruturas básicas. E, não tendo integrado o euro, ficou fora da crise. Por isso, experimentou um crescimento muito rápido até 2012. Assim, em 2013, aquele valor subiu para 68%, pelo que ultrapassou a Croácia e a Letónia e agarrou a Hungria. Porém, os últimos tempos, passados alguns desses efeitos e aumentada a concorrência asiática e as políticas austeritárias do governo liberal-conservador de Donald Tusk, mostraram um país a crescer de forma modesta, embora com ligeira aceleração a partir de 2016. Com efeito, apesar do seu reacionarismo, o PiS desenvolve políticas menos liberais e menos austeritárias no plano económico. Em 2018, aquela cifra encontrava-se nos 71%, à frente da Grécia.

A Hungria foi outro país com bom desempenho económico após a adesão. Contudo, o seu crescimento foi menos exuberante que o polaco. As reformas encetadas pelo último líder comunista, Janos Kadar, criando mecanismos de mercado e indústria menos anquilosada do ponto de vista tecnológico que as dos parceiros do antigo bloco soviético facilitaram a transição para o capitalismo, embora com os custos sociais a ela associados. Em 2008, encontrava-se nos 64%, tal como a Lituânia e a Croácia. Apesar da sua posição no centro do continente, o seu efetivo populacional, semelhante ao português, é um mercado menos atrativo, pelo que não beneficiou tanto do investimento estrangeiro como outros países vizinhos ou próximos, pese embora o papel da vizinha Áustria nesse particular. Apesar de não integrar o euro, sofreu um princípio de crise bancária em 2012, com reflexos na banca austríaca. Em 2013, aquele valor subiu para 68%, deixando a Croácia para trás, mas vendo fugir a Lituânia e deixando-se apanhar pela Polónia. Apesar duma recessão em 2016, recuperou e voltou a crescer em bom ritmo, com aquela cifra nos 71% da média, igual à Polónia, mas à frente da Grécia. É o razoável desempenho económico e a adoção de políticas menos liberais e menos austeritárias que a dos seus antecessores do centro-esquerda que explica a permanência do apoio duma franja significativa da população ao autoritarismo de Orbán e ao seu partido.

A Roménia é outro país que experimentou elevado crescimento económico, em especial nos últimos anos. O último líder comunista, Nicolae Ceaucescu, apresentava, externamente, o regime como independente da URSS, mas, a nível interno, era o mais estalinista do bloco soviético. Quando foi derrubado, a economia encontrava-se em grandes dificuldades e o nível de vida da população era baixo. A transição para o capitalismo não ajudou e, quando aderiu à UE, em 2007, o país continuava muito pobre, bem abaixo dos 50%, pouco acima da Bulgária. A adesão, com o acesso aos fundos estruturais e o aumento do investimento estrangeiro, contribuiu para a forte subida e, um ano depois, em 2008, aquele valor atingiu os 52%. Apesar de não estar no euro, a Grande Recessão refreou o investimento das multinacionais, a que se somou a falta de confiança destas no país, sobretudo pela corrupção que se tornou endémica. Por isso, só em 2012 a economia voltou a crescer e, em 2013, aquela cifra era de 55%. Todavia, sendo importante mercado (quase 20 milhões de pessoas), acabou por ver o investimento internacional afluir ao país, onde as infraestruturas necessitavam de urgente modernização. Os últimos anos foram, assim, de forte crescimento económico, em especial a partir de 2015. Em 2018, aquele indicador cifrava-se já em 66%, com o país a ultrapassar a Croácia e a aproximar-se da Grécia.

A Croácia era a 2.ª república mais rica da ex-Jugoslávia, atrás da Eslovénia, mas, ao contrário dos vizinhos, envolveu-se nas guerras balcânicas, entre 1991 e 1995, com o seu cotejo de morte e destruição. Porém, o apoio da Alemanha, da Áustria e dos EUA, levou-a à recuperação; e, em 2008, estava nos 64%. Em 2010, sofreu uma crise bancária e entrou em recessão até 2013, ano da adesão à UE, em que aquele valor desceu para os 60%, vendo Lituânia e Hungria descolar e a Letónia passar-lhe à frente. A recessão prolongou-se mais um ano, mas, a partir de 2015, os fundos estruturais e o turismo ajudaram a melhorar a situação da economia do país, que voltou a crescer, embora de forma não exuberante. Em 2018, aquele indicador subiu para 63%, mas isso não evitou a ultrapassagem pela Roménia, pelo que o país é, atualmente, o 2.º mais pobre da UE, tendo atrás de si apenas a Bulgária.

Por fim, a Bulgária, apesar de continuar a ser o país mais pobre da UE, vem experimentando alguma convergência com o resto da UE, embora a debilidade da economia e das infraestruturas e a corrupção endémica criem dificuldades. País rural, alinhado com a ex-URSS, com agricultura coletivizada e pequena e obsoleta indústria pesada, foi sempre pobre e a transição para o capitalismo acentuou as dificuldades da população. A posição periférica e a pequena dimensão do mercado não ajudam à captação do investimento estrangeiro. Quando aderiu, em 2007, estava pouco acima dos 40%, valor que subiu para 43% em 2008. Com altos e baixos, chegou aos 46% em 2013. A partir daqui o crescimento foi mais rápido, atingindo aquela cifra os 51% em 2018.

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É óbvio que estes países crescem devido aos resquícios da economia planificada, da penetração do investimento externo e do fomento da agricultura e da indústria e, ultimamente, pela governação a mão de ferro nalguns. Mas é de questionar como se distribui a riqueza e se a população é livre e acede em boas condições à saúde, educação, cultura e segurança social; se há mecanismos de acolhimento de migrantes; e, se as condições de trabalho são aceitáveis ou se há exploração em termos de salários baixos, sobrecarga laboral, sonegação de pagamento de horas extraordinárias e mobilização forçada de trabalhadores. Às vezes, é preferível crescer menos.   

2022.04.09 – Louro de Carvalho

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