Mês e meio depois do início da invasão da Ucrânia por parte da Rússia, milhões de refugiados estão a deixar a
Ucrânia por via da guerra. Os dados disponíveis apontam para mais de 4 milhões.
E, se no geral, procuram estacionar nos países mais vizinhos em razão da
esperança de em breve poderem voltar, muitos há que se deslocam mais para
ocidente ou porque já têm familiares e amigos referenciados em determinados
países como Portugal ou porque muitos lançaram mão dos seus próprios meios e
foram buscá-los à Ucrânia e a países limítrofes.
O ainda SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) indicou, em nota à imprensa emitida
no dia 5 de abril, que admitiu 28.243 pedidos de proteção temporária de
cidadãos ucranianos e estrangeiros que
residem na Ucrânia, dos quais
10.051 são de menores.
O apoio que tem sido dado e as múltiplas viagens para ir buscar quem deixa
tudo para trás são importantes,
mas é imperativo acertar em como os receber, respeitando-os e ajudando-os a
fazer frente às suas múltiplas vulnerabilidades. Por isso, a fim de
prestar ajuda a quem se propõe prestar o abnegado e adequado auxílio a estes
cidadãos – idosos, mulheres e crianças – marcados pela fome, intempérie, doença
e sensação de perda de familiares, amigos e haveres, a OPP (Ordem dos Psicólogos Portugueses) acaba de lançar um guia com dados e comportamentos essenciais
a ter em conta e a cumprir para melhor acolher os refugiados que chegam deste
conflito, destinado sobretudo aos acolhedores não enquadrados por instituições vocacionadas
para o efeito.
A entidade estima que “é expectável que uma em cada 5 pessoas refugiadas
possa desenvolver problemas de Saúde Psicológica”, pelo que o papel “é
facilitar que acedam ao apoio psicológico de que necessitam para recuperar”.
Fonte oficial da OPP, em comunicado, lembra que, além da tomada de
consciência do passo que se vai dar a acolher quem chega nestas periclitantes
condições, importa “preparar os filhos”, caso eles componham o agregado,
“conversando e envolvendo-os no processo de preparação do acolhimento”. Nestes termos,
recomenda que, por exemplo, no dia da chegada, é de mostrar que os refugiados
são bem-vindos e que se deve respeitar o seu espaço. Importa – lê-se no documento – definir regras como, por exemplo, “o
funcionamento geral da casa, a organização da cozinha e refeições, a utilização
da casa de banho, a utilização de televisão/computador e a privacidade”.
E, durante a estada, deve-se “ir acompanhando e encontrando um equilíbrio”.
A OPP “propõe que se dê espaço, respeite a privacidade, mostre
flexibilidade, valide emoções, proporcione oportunidades para que se expressem
e se sintam úteis, aprenda sobre a cultura das pessoas refugiadas e se partilhe
a nossa cultura e língua”. E pede atenção a sinais de risco intensos ou
mal-estar psicológico e, se for o caso, ligar para a linha de apoio do SNS 24.
Para lá destas indicações, o predito guia elenca 17 atitudes e comportamentos
para ajuda capaz:
- “Dar
tempo e espaço” é pertinente, pois quem está refugiado terá dificuldade de adaptação
a realidade diferente, a novas rotinas e à própria habitação, pode preferir
passar o tempo sozinho ou com os do seu grupo étnico e não partilhar as
refeições. Será tentativa de manter independência, como poderá significar que,
apesar dos esforços
para os deixar à vontade, podem sentir-se um fardo ou envergonhados/as e pode
ser difícil sentirem-se tranquilos e relaxados, face ao stresse que as
situações por que passaram e a que estão a experienciar provocam.
- “Respeitar
a privacidade” quer dizer que devemos ser simpáticos e acolhedores, mas sem
intrusão. Por exemplo, é contraindicado forçá-los a falar sobre as suas experiências. Uns quererão
falar, outros não. O importante é mostrar disponibilidade para ouvir ou deixar ficar
em silêncio, respeitando o espaço da pessoa refugiada e dando-lhe tempo para
recuperar, como importa que as pessoas refugiadas possam relaxar ou passar
tempo em privacidade familiar – pelo que pode ser conveniente identificar áreas
da casa onde possam fazê-lo. Dar espaços às pessoas refugiadas para poderem
recolher-se ou socializar conforme se sentirem melhor é sinal de generosidade.
- “Mostrar
flexibilidade enquanto todos se ajustam e aprendem novas rotinas e expectativas”
é outra atitude benfazeja. Podemos perguntar aos outros membros da família de
acolhimento e aos acolhidos o que fazer para que todos se sintam mais confortáveis. Nunca se podem explorar,
de forma profunda, as experiências e memórias traumáticas dos refugiados,
porque isso pode gerar grandes níveis de ansiedade e sofrimento que só um
profissional competente (por exemplo, psicólogo ou psicóloga) está preparado para gerir e ajudar a
ultrapassar.
- “Validar
emoções”. Mesmo agradecidos, é natural que os refugiados sintam saudades da família e da casa,
que estejam preocupados e receosos, que façam o luto pelas suas perdas, que se
sintam revoltados, zangados e desesperançados ou que continuem a sentir-se inseguros,
perguntando-se porque é que isto está a acontecer ou o que vai acontecer agora
e o que vai fazer cada um.
- “Proporcionar
oportunidades para que se expressem”. Mesmo face à barreira da língua que não partilhamos, há outras estratégias
para nos expressarmos e nos ligarmos com os outros, partilhando as experiências
que não conseguimos traduzir em palavras, vg., desenhando, fazendo trabalhos
manuais ou fazer desporto em conjunto.
- “Proporcionar
oportunidades para que se sintam úteis”. Realizar algumas tarefas domésticas ou cozinhar pode
ser um bom exemplo, pois ter algo para fazer e manter-se ocupado pode ser uma forma
de ajudar as pessoas refugiadas a gerirem a sua ansiedade e preocupação.
- “Convidar”.
Em vez de os
pressionar ou deixar-lhes entender que se trata de obrigação, é útil convidar
as pessoas refugiadas a fazer coisas que gostem de fazer e para as quais sintam
preparação. Por exemplo, “querem jantar connosco?”, em vez de “hoje jantamos
todos juntos” ou “vamos jogar futebol, gostariam de vir connosco?” (em vez de “vamos jogar futebol”). E é importante proporcionar-lhes por convite outras experiências de
ocupação pessoal e/ou grupal.
- “Aprender
sobre a cultura das pessoas refugiadas”. Elas não têm, na sua maioria, uma data de regresso a
casa, o que pode ser muito difícil de gerir, mas podemos consolidar e aumentar-lhes
o sentido de pertença aprendendo da sua cultura e tradições, mostrando
disponibilidade e interesse em ouvir as suas histórias e experiências de modo
que as apoiemos com maior eficácia nas dificuldades identitárias que se colocam
perante a migração forçada.
- “Partilhar
a nossa cultura”. Alguns refugiados adaptam-se mais rapidamente e desejam passar tempo com
quem os acolhe. Até podem gostar de que lhes mostremos os principais locais,
atividades e eventos sociais que existem na área. E podemos explicar as nossas
tradições e hábitos, música e gastronomia, facilitando assim a sua integração.
- “Apoiar
na resolução de processos legais, logísticos e burocráticos”. Com efeito,
podem os refugiados precisar de ajuda com processos legais, logísticos ou burocráticos, como a
procura de emprego, habitação ou oportunidades educativas, a abertura de conta
no banco e ida ao médico. E nós podemos facilitar a articulação com os serviços
e apoios disponíveis, dando informação e ajudando a ultrapassar barreiras linguísticas
e administrativas.
- “Ajudar
na aprendizagem da língua”. “Apoiar a aprendizagem da língua portuguesa pode ser outra tarefa
importante do dia a dia, bem como ajudar a interpretar formulários ou e-mails.
Para ultrapassar as barreiras linguísticas podemos utilizar uma segunda língua,
se ela existir (por exemplo, inglês) ou recorrer a sistemas de tradução simultânea (áudio e escrita), utilizando a internet.
- “Proporcionar
estabilidade, rotinas e um sentido de “normalidade”. Isto passa pela
criação dum ambiente de segurança e equilíbrio, com rotinas. O acesso das crianças e
jovens à educação e ao emprego, no caso dos adultos, é fundamental. Além disso,
é de respeitar a sua capacidade para tomar decisões e gerir a situação e permitir
o desempenho dos papéis habituais dos refugiados (por exemplo, cozinhar
o jantar para os filhos/as) como forma de gerar uma sensação de controlo. E é de incentivar a celebração
de dias e rituais especiais de acordo com a sua cultura.
- “Incentivar
a interação entre crianças e jovens”. As crianças e jovens que acolhem outras crianças e jovens podem ficar
contentes por ajudar, mas também podem sentir receio de perder a atenção dos
pais. No entanto, na maior parte dos casos, revelam grande facilidade de
comunicar e demonstrar afeto, constituindo fator determinante da integração na
comunidade. Podem chegar com medos, inseguranças e timidez, sentindo muitas
saudades dos seus familiares e amigos, mas a convivência com outras crianças e
jovens ajudará a aliviar a tensão e a ansiedade, bem como a expressar emoções,
contribuindo para a sensação de normalidade e segurança. A experiência de
acolher pessoas refugiadas tem um potencial muito positivo quer para as crianças
e jovens que são acolhidas, quer para as crianças e jovens que acolhem (ganham novos amigos/as, sensibilidade à diversidade cultural e à
tolerância).
- “Facilitar
a manutenção do contacto com familiares e amigos”. Por exemplo, podemos ajudar as pessoas
refugiadas a reestabelecer as suas redes de apoio, facilitando os contactos com
familiares e amigos através das redes sociais ou de contactos telefónicos.
- “Monitorizar
a Saúde Psicológica e o Bem-Estar”. É provável que as pessoas refugiadas tenham passado por situações
traumáticas e precisem de ajuda psicológica para recuperar. Por isso, é
importante estar alerta para alguns sinais de alerta que implicam a procura de
ajuda profissional. Por exemplo, pode surgir incapacidade para cuidar das necessidades
básicas, acentuada dificuldade de dormir, consumo problemático de álcool,
comportamentos agressivos, alterações de humor, ansiedade constante). Nestes
casos, é de contactar o Serviço de Aconselhamento Psicológico da Linha SNS24
acrescentando a valência específica dos refugiados, se já houver.
- “Dar o
nosso melhor”. A experiência de acolhimento pode ser emocionalmente intensa para todos/as.
É imperioso nunca faltar à verdade nem fazer promessas que pode não se possam cumprir.
Importa os acolhedores serem pacientes com as pessoas acolhidas, mas também
consigo próprios. Todos estão a tentar adaptar-se a nova realidade e
estabilizar leva tempo.
- “Praticar
o autocuidado”. Ninguém se deve sentir culpado ou envergonhado por tirar tempo para si –
para respirar, para se focar noutras relações, para fazer atividades de lazer.
É importante também que cuidemos de nós, para podermos ser capazes de cuidar da
nossa família e das pessoas que acolhemos. O autocuidado implica respeitar as
rotinas de sono e descanso, manter uma alimentação saudável, fazer regularmente
atividade física, envolvermo-nos em atividades de lazer, prestar atenção aos próprios
sentimentos e necessidades, falando sobre o que nos preocupa ou angustia,
encontrar significados e propósitos para a vida, alimentar relações positivas
com familiares e amigos e procurar ajuda, sempre que necessário ou conveniente.
Enfim, tudo isto são formas de traduzir os quatro verbos que o Papa Francisco
– acolher, proteger, promover e integrar – indicou como programáticos para a Pastoral dos
Migrantes na audiência
dos participantes do VI Fórum Internacional sobre Migração e Paz, a 21 de fevereiro de 2017, em Roma, e que foi reiterando em
muitas mais ocasiões. Mas é preciso anotar que o Pontífice também afirmou que
conjugar estes quatro verbos, no singular ou no plural, implica, para com os
que são forçados a deixar a sua terra natal, um dever de justiça e um dever de
solidariedade.
E é de lembrar que, em concreto, cada um destes verbos deve
desdobrar-se em projetos e atividades especialmente nos países de trânsito e de
chegada. Porém, os deveres de justiça e de solidariedade voltam-se sobretudo
para uma política de desenvolvimento integral nos países de origem, no sentido
de impedir a migração compulsiva, pelo que é urgente parar a guerra e proceder
à reconstrução do país invadido. Com efeito, uma grande maioria dos migrantes,
refugiados e prófugos nada mais faz do que escapar da pobreza, da violência e
da guerra, em fuga desesperada e com mínimas possibilidades de retorno. Ora, se
migrar é um direito, também é um direito permanecer no país de nascimento, com
uma cidadania digna assegurada.
2022.04.06 – Louro de Carvalho
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