sexta-feira, 8 de abril de 2022

Elegemos quem nos represente, não quem nos humilhe

 

 

O deputado Marcos Perestrello fez críticas à governação de Passos Coelho acusando o PSD de ter tomado medidas com “resultados desastrosos para o país” e que “nada trouxeram de positivo”, dando como exemplo o corte de salários.

Em resposta, a deputada socialdemocrata Mónica Quintela sugeriu que o PSD agiu mal à data e devia ter aproveitado o momento para dar uma “lição” ao povo e ao PS, deixando os funcionários públicos sem salário um ou dois meses:

É preciso ter lata, como se atreve a vir falar nas reformas que o PSD fez ou ter sido obrigado a baixar salários. Sabe qual foi o erro do PSD? Quando o Ministro Teixeira dos Santos veio à televisão dizer que era necessário chamar a ‘troika’ e o Fundo Monetário Internacional, devíamos ter deixado que os funcionários públicos e toda a gente ficasse sem receber os salários, um mês, dois meses, aprendiam, era uma pressinha, aprendia o povo e aprendia o PS. Mas não, o PSD veio cobrir.”.

Conquanto o PS possa ter razão sobre o desastre passista, o exemplo do corte de salários não é adequado. E a deputada devia sabê-lo (Perestrello sabe-o de certeza). Com efeito, quem mais cortou em salários na administração pública e nos vencimentos dos detentores de cargos políticos foi o 2.º Governo de Sócrates, minoritário, medida que passou com o contributo, por omissão, do PSD.

A Lei do Orçamento para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro) estabelece no seu art.º 19.º:

1 - A 1 de Janeiro de 2011 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o n.º 9, de valor superior a (euro) 1500, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos: a) 3,5 % sobre o valor total das remunerações superiores a (euro) 1500 e inferiores a (euro) 2000; “b) 3,5 % sobre o valor de (euro) 2000 acrescido de 16 % sobre o valor da remuneração total que exceda os (euro) 2000, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a (euro) 2000 até (euro) 4165; c) 10 % sobre o valor total das remunerações superiores a (euro) 4165.

2 - Exceto se a remuneração total ilíquida agregada mensal percebida pelo trabalhador for inferior ou igual a (euro) 4165, caso em que se aplica o disposto no número anterior, são reduzidas em 10 % as diversas remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias nos seguintes casos: a) pessoas sem relação jurídica de emprego com qualquer das entidades referidas no n.º 9, nestas a exercer funções a qualquer outro título, excluindo-se as aquisições de serviços previstas no Artigo 22.º; b) pessoas referidas no n.º 9 a exercer funções em mais de uma das entidades mencionadas naquele número.”.

É de anotar que o referido n.º 9 elenca, em 21 alíneas, um extenso rol de pessoas que vai desde o Presidente da República até ao “pessoal nas situações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, fora de efetividade de serviço, que beneficie de prestações pecuniárias indexadas aos vencimentos do pessoal no ativo”.

Além disso, o mesmo Governo minoritário, à semelhança do que fizera o anterior, maioritário, de 29 de acosto de 2005 a 31 de dezembro de 2007, congelou a progressão nas carreiras da função pública a partir de 1 de janeiro de 2011, medida que só foi revertida, nos termos conhecidos, a 1 de janeiro de 2018.

É certo que já o Governo de Durão Barroso congelara durante dois anos vencimentos que fossem iguais ou superiores a 1000 euros, mas não congelou a progressão de carreiras. Porém, estabeleceu que as pensões de reforma ou aposentação fixadas antes dos 60 anos de idade, embora com o tempo de serviço completo, seriam reduzidas em 4,5% por cada ano que faltasse para os 60.  

E deve dizer-se que nem no tempo de Barroso nem no tempo do primeiro congelamento de progressão das carreiras se estava perante a crise que assolou a Europa e o mundo, mas erros de gestão do tempo de Guterres, Barroso, Santa e Sócrates – decorrentes da instauração do euro sem as economias mais débeis estarem preparadas e porque a União Europeia resolveu fixar tetos para o défice e para a dívida e alterar as formas de contabilização do défice.    

O que, depois de os Governos de Sócrates terem feito sob a batuta – primeiro, gastadora e, a seguir, constritiva – da UE como combate à crise, o Governo de Passos fez de desastroso foi manter os cortes salariais e o congelamento das carreiras, eliminar ou reduzir drasticamente os subsídios de Natal e de Férias de todos os trabalhadores – públicos e privados –, proceder a um brutal aumento de impostos, estabelecer a sobretaxa de IRS e a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) para os pensionistas. Só não mexeu nas pensões em pagamento porque o TC não deixou, mas agravou o tempo da idade legal para a reforma/aposentação e o fator de sustentabilidade. Apesar de preconizar que os reformados e aposentados ainda tinham possibilidade de contribuir para o país, proibiu-os de exercer qualquer atividade em serviços do Estado, mas soube caçar-lhes a CES.

Efetivamente a redação dada pelo art.º 4.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, ao n.º 1 do art.º 78.º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, estabelece:

Os aposentados, reformados, reservistas fora de efetividade e equiparados não podem exercer funções públicas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.

O n.º 1 e o n.º 2 do art.º 78.º da Lei do Orçamento para 2013 (Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro) estabelecem:

1 - As pensões pagas a um único titular são sujeitas a uma contribuição extraordinária de solidariedade (CES), nos seguintes termos: a) 3,5 % sobre a totalidade das pensões de valor mensal entre (euro) 1350 e (euro) 1800; b) 3,5 % sobre o valor de (euro) 1800 e 16 % sobre o remanescente das pensões de valor mensal entre (euro) 1800,01 e (euro) 3750, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %; c) 10 % sobre a totalidade das pensões de valor mensal superior a (euro) 3750.

2 - Quando as pensões tiverem valor superior a (euro) 3750 são aplicadas, em acumulação com a referida na alínea c) do número anterior, as seguintes percentagens: a) 15 % sobre o montante que exceda 12 vezes o valor do IAS mas que não ultrapasse 18 vezes aquele valor; b) 40 % sobre o montante que ultrapasse 18 vezes o valor do IAS.”.

Também o Governo de Passos não levou por diante o despedimento de funcionários públicos por veto do TC, mas levou muitos à cessação de funções por mútuo acordo, como aumentou o horário semanal de trabalho de 35 para 40 horas na administração pública e cuja reversão nos últimos tempos tem sido bem problemática, como se dela resultassem todos os males.

Todavia, fazer guerra política no Parlamento com governos de Durão Barroso, Santa Lopes, Sócrates e Passos Coelho é coisa que devia estar ultrapassada e relegada para a História e para o mundo das curiosidades. É memória política excessiva, quando se precisa de analisar o presente e de preparar e discutir o futuro a partir da conjuntura atual.

Seja como for, se o deputado socialista errou em parte, a deputada socialdemocrata poderia ter resposto a verdade e não ter disparado contra os funcionários públicos e contra toda a gente, fazendo o “mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa” por o seu partido não ter dado uma lição depressinha ao PS e ao povo.

Quem deve fazer “mea culpa” deve ser o eleitorado que votou socialdemocrata, apesar de o ter feito de boa-fé, pois não acredito que eleitores sérios e dignos tenham escolhido para nossos representantes pessoas que brincam connosco e nos tratam mal. Aliás, o Parlamento é local de discussão aberta dos temas nacionais, de produção de legislação e de fiscalização do Governo, de análise da situação política e de eventual inquérito a quem zela os interesses do Estado. Não é, porém, uma instituição de ensino nem um pelourinho, nem local de ajuste de contas.   

De resto, estamos dispostos a aprender com toda a gente, incluindo os/as senhores/as deputados/as, mas repudiamos que nos pretendam dar lições de democracia e de verdade e sobretudo que nos castiguem. Merecemos melhor.

2022.04.08 – Louro de Carvalho

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