O deputado Marcos
Perestrello fez críticas à governação de Passos Coelho acusando o PSD de ter
tomado medidas com “resultados desastrosos para o país” e que “nada trouxeram
de positivo”, dando como exemplo o corte de salários.
Em resposta,
a deputada socialdemocrata Mónica Quintela sugeriu que o PSD agiu mal à data e
devia ter aproveitado o momento para dar uma “lição” ao povo e ao PS, deixando
os funcionários públicos sem salário um ou dois meses:
“É preciso ter lata, como se atreve
a vir falar nas reformas que o PSD fez ou ter sido obrigado a baixar
salários. Sabe qual foi o erro do
PSD? Quando o Ministro Teixeira dos Santos veio à televisão dizer
que era necessário chamar a ‘troika’ e o Fundo Monetário Internacional,
devíamos ter deixado que os funcionários públicos e toda a gente ficasse sem
receber os salários, um mês, dois meses, aprendiam, era uma pressinha, aprendia o povo e
aprendia o PS. Mas não, o PSD veio cobrir.”.
Conquanto o
PS possa ter razão sobre o desastre passista, o exemplo do corte de salários
não é adequado. E a deputada devia sabê-lo (Perestrello sabe-o de certeza). Com efeito, quem mais cortou em salários na administração
pública e nos vencimentos dos detentores de cargos políticos foi o 2.º Governo
de Sócrates, minoritário, medida que passou com o contributo, por omissão, do
PSD.
A Lei do
Orçamento para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de
31 de dezembro) estabelece
no seu art.º 19.º:
“1 - A
1 de Janeiro de 2011 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das
pessoas a que se refere o n.º 9, de valor superior a (euro) 1500, quer estejam
em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer
título, depois dela, nos seguintes termos: a) 3,5 % sobre o valor total
das remunerações superiores a (euro) 1500 e inferiores a (euro) 2000; “b)
3,5 % sobre o valor de (euro) 2000 acrescido de 16 % sobre o valor da
remuneração total que exceda os (euro) 2000, perfazendo uma taxa global que
varia entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a
(euro) 2000 até (euro) 4165; c) 10 % sobre o valor total das
remunerações superiores a (euro) 4165.
“2 - Exceto se a remuneração total ilíquida agregada mensal percebida
pelo trabalhador for inferior ou igual a (euro) 4165, caso em que se aplica o
disposto no número anterior, são reduzidas em 10 % as diversas remunerações,
gratificações ou outras prestações pecuniárias nos seguintes casos: a) pessoas
sem relação jurídica de emprego com qualquer das entidades referidas no n.º 9,
nestas a exercer funções a qualquer outro título, excluindo-se as aquisições de
serviços previstas no Artigo 22.º; b) pessoas referidas no n.º 9 a exercer
funções em mais de uma das entidades mencionadas naquele número.”.
É
de anotar que o referido n.º 9 elenca, em 21 alíneas, um extenso rol de pessoas
que vai desde o Presidente da República até ao “pessoal
nas situações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, fora de efetividade
de serviço, que beneficie de prestações pecuniárias indexadas aos vencimentos
do pessoal no ativo”.
Além
disso, o mesmo Governo minoritário, à semelhança do que fizera o anterior,
maioritário, de 29 de acosto de 2005 a 31 de dezembro de 2007, congelou a
progressão nas carreiras da função pública a partir de 1 de janeiro de 2011,
medida que só foi revertida, nos termos conhecidos, a 1 de janeiro de 2018.
É
certo que já o Governo de Durão Barroso congelara durante dois anos vencimentos
que fossem iguais ou superiores a 1000 euros, mas não congelou a progressão de
carreiras. Porém, estabeleceu que as pensões de reforma ou aposentação fixadas
antes dos 60 anos de idade, embora com o tempo de serviço completo, seriam
reduzidas em 4,5% por cada ano que faltasse para os 60.
E
deve dizer-se que nem no tempo de Barroso nem no tempo do primeiro congelamento
de progressão das carreiras se estava perante a crise que assolou a Europa e o mundo,
mas erros de gestão do tempo de Guterres, Barroso, Santa e Sócrates – decorrentes
da instauração do euro sem as economias mais débeis estarem preparadas e porque
a União Europeia resolveu fixar tetos para o défice e para a dívida e alterar as
formas de contabilização do défice.
O
que, depois de os Governos de Sócrates terem feito sob a batuta – primeiro,
gastadora e, a seguir, constritiva – da UE como combate à crise, o Governo de Passos
fez de desastroso foi manter os cortes salariais e o congelamento das carreiras,
eliminar ou reduzir drasticamente os subsídios de Natal e de Férias de todos os
trabalhadores – públicos e privados –, proceder a um brutal aumento de impostos,
estabelecer a sobretaxa de IRS e a Contribuição Extraordinária de Solidariedade
(CES) para os pensionistas. Só não
mexeu nas pensões em pagamento porque o TC não deixou, mas agravou o tempo da
idade legal para a reforma/aposentação e o fator de sustentabilidade. Apesar de
preconizar que os reformados e aposentados ainda tinham possibilidade de
contribuir para o país, proibiu-os de exercer qualquer atividade em serviços do
Estado, mas soube caçar-lhes a CES.
Efetivamente
a redação dada pelo art.º 4.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, ao n.º 1 do
art.º 78.º do Decreto-Lei n.º 498/72,
de 9 de dezembro, estabelece:
“Os
aposentados, reformados, reservistas fora de efetividade e equiparados não
podem exercer funções públicas para quaisquer serviços da administração
central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas
empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e
demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o
permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam
autorizados pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da
Administração Pública.”
O
n.º 1 e o n.º 2 do art.º 78.º da Lei do Orçamento para 2013 (Lei
n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)
estabelecem:
“1 - As pensões pagas a um único titular são sujeitas a uma contribuição
extraordinária de solidariedade (CES), nos seguintes termos: a) 3,5 % sobre a
totalidade das pensões de valor mensal entre (euro) 1350 e (euro) 1800; b) 3,5
% sobre o valor de (euro) 1800 e 16 % sobre o remanescente das pensões de valor
mensal entre (euro) 1800,01 e (euro) 3750, perfazendo uma taxa global que varia
entre 3,5 % e 10 %; c) 10 % sobre a totalidade das pensões de valor mensal
superior a (euro) 3750.
“2 - Quando as pensões tiverem valor superior a (euro) 3750 são
aplicadas, em acumulação com a referida na alínea c) do número anterior, as
seguintes percentagens: a) 15 % sobre o montante que exceda 12 vezes o valor do
IAS mas que não ultrapasse 18 vezes aquele valor; b) 40 % sobre o montante que
ultrapasse 18 vezes o valor do IAS.”.
Também
o Governo de Passos não levou por diante o despedimento de funcionários públicos
por veto do TC, mas levou muitos à cessação de funções por mútuo acordo, como aumentou
o horário semanal de trabalho de 35 para 40 horas na administração pública e
cuja reversão nos últimos tempos tem sido bem problemática, como se dela
resultassem todos os males.
Todavia,
fazer guerra política no Parlamento com governos de Durão Barroso, Santa Lopes,
Sócrates e Passos Coelho é coisa que devia estar ultrapassada e relegada para a
História e para o mundo das curiosidades. É memória política excessiva, quando
se precisa de analisar o presente e de preparar e discutir o futuro a partir da
conjuntura atual.
Seja
como for, se o deputado socialista errou em parte, a deputada socialdemocrata
poderia ter resposto a verdade e não ter disparado contra os funcionários
públicos e contra toda a gente, fazendo o “mea
culpa, mea culpa, mea maxima culpa” por o seu partido não ter dado uma lição
depressinha ao PS e ao povo.
Quem
deve fazer “mea culpa” deve ser o eleitorado
que votou socialdemocrata, apesar de o ter feito de boa-fé, pois não acredito
que eleitores sérios e dignos tenham escolhido para nossos representantes
pessoas que brincam connosco e nos tratam mal. Aliás, o Parlamento é local de
discussão aberta dos temas nacionais, de produção de legislação e de fiscalização
do Governo, de análise da situação política e de eventual inquérito a quem zela
os interesses do Estado. Não é, porém, uma instituição de ensino nem um
pelourinho, nem local de ajuste de contas.
De
resto, estamos dispostos a aprender com toda a gente, incluindo os/as senhores/as
deputados/as, mas repudiamos que nos pretendam dar lições de democracia e de
verdade e sobretudo que nos castiguem. Merecemos melhor.
2022.04.08 – Louro de Carvalho
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