terça-feira, 12 de abril de 2022

Moreira quer deixar ANMP e negociar diretamente com o Governo

 

O Presidente da Câmara do Porto disse que não se sente em “condições” de passar “um cheque em branco” à ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses) para negociar com o Governo “aquilo que podemos nós negociar”, isto é, o processo de transferência de competências.

Em declarações aos jornalistas, Rui Moreira disse acreditar que o município do Porto, com a saída da ANMP, ainda tem hipótese de, “até ao final do ano”, juntamente com o Governo, discutir a transferência de competências na área da educação, da coesão social e da saúde. Por isso, decidiu apresentar uma proposta ao executivo e, posteriormente, à Assembleia Municipal no sentido de o município abandonar a representação da ANMP – deixar de ser seu membro – e passar a tomar todas as decisões de forma “independente” e “autónoma” com o Governo.

Frisando que as bases do modelo de descentralização consensualmente definidas na Cimeira de Sintra, que juntou os 35 municípios das duas áreas Metropolitanas (Lisboa e Porto), foram “desvirtuadas” em “ato de absoluto boicote” da ANMP, Moreira afirmou que, desde então, o processo de transferência de competências “foi feito aos safanões”. Portanto, quer “negociação séria que acautele a posição dos municípios”, pois, como disse, “não podemos ficar na mão de negociadores nos quais temos razões para não confiar”. Com efeito, “o que aconteceu na educação, que agora é muito difícil de mudar, não pode acontecer na coesão social e na saúde”.

Dizendo querer uma “negociação séria que acautele a posição dos municípios”, Moreira sustenta que, se o município sair da ANMP e, porventura, avançar com uma nova providência cautelar no âmbito do processo de transferência de competências, “o Governo não pode dizer em sede de juízo que isto foi combinado com uma associação da qual o Porto faz parte”.

Na proposta, a que a Lusa teve acesso, o presidente da Câmara do Porto afirma ser “total” o “fracasso” da ANMP em representar os municípios portugueses no âmbito do processo de descentralização de competências do Estado. Com efeito, no dizer de Rui Moreira, “em vez de se afirmar como verdadeira porta-voz dos seus associados, a ANMP tem mostrado uma postura de cumplicidade e total conivência com as medidas adotadas pela administração central”.

A ANMP fez acordos com o Governo sem ouvir os municípios e sem estar para tal mandatada, ignorando os seus interesses e preocupações legítimas”, aponta o autarca, acrescentando que o modelo de descentralização implementado ficou “manifestamente aquém do que era esperado”.

O autarca sublinha que tal conivência é evidenciada nas oposições deduzidas pela Presidência do Conselho de Ministros e pelo Ministério da Educação no âmbito da providência cautelar apresentada pelo município, a 25 de março, para travar a descentralização nas áreas da educação e da saúde. Citando as posições da tutela, que afirma que o “diploma é o resultado de um extenso e profícuo trabalho realizado com a Associação Nacional de Municípios Portugueses e tem por base a experiência adquirida com os diferentes movimentos descentralizadores”, este autarca independente defende que a ANMP foi responsável, por exemplo, pela fixação da verba de 20 mil euros para cada estabelecimento de ensino no âmbito das competências de manutenção e conservação. E, “além de se abster de apontar as fragilidades e deficiências desta suposta descentralização, imposta aos municípios, a ANMP assumiu sucessivamente compromissos junto dos órgãos da administração central sem auscultar devidamente os associados, com total desrespeito pelos seus interesses e autonomia”, pelo que o município do Porto não se considera representado pela associação.

Assim, a proposta a votar pelo executivo municipal no próximo dia 19, prevê que o município abandone a ANMP, perdendo a qualidade de membro. Sendo aprovada, a saída deverá ser comunicada ao Conselho Geral da ANMP. Paralelamente, o documento propõe que, em consequência da desta saída, seja o município a assumir de forma “independente e autónoma” todas as negociações com o Estado no âmbito do processo de descentralização de competências, “sem qualquer representação”.

É de relembrar que a Câmara Municipal do Porto interpôs, a 25 de março, uma providência cautelar para travar a descentralização nas áreas da educação e da saúde. E, a 4 de abril, o vereador da Educação, Fernando Paulo, adiantou que a providência foi aceite, mas sem efeitos suspensivos, o que levou a autarquia a “acomodar” as competências. Assim, como afirmou, “desde o dia 1 de abril, o município do Porto teve de assumir a sua responsabilidade [...] na gestão do pessoal não docente e funcionamento das escolas”.

O vereador esclareceu que no despacho do juiz estava prevista a citação ao Ministério da Educação:

Soubemos que o ministério já foi citado e tem 10 dias para se pronunciar. Em função da matéria e da pronúncia do Ministério da Educação, pode haver aqui alguma reviravolta ou algum recuo.”.

O autarca sustentou que “há um momento para lutar e há um momento para acomodar e cumprir”.

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O Presidente da Câmara de Beja, também membro do conselho diretivo da ANMP, o socialista Paulo Arsénio, considerou que “não faz sentido” e é “extemporânea” a proposta do autarca independente do Porto de retirar esta autarquia da ANMP, uma vez que “é, de facto, dentro da associação, em conjunto com todos, que se resolvem as questões maiores dos 308 municípios”, disse hoje à agência Lusa Paulo Arsénio.

Segundo o autarca alentejano, “desde que o processo da descentralização de competências se materializou”, o Presidente da Câmara do Porto “sabia, como todos os outros 307 presidentes de municípios sabiam”, quais os prazos para transferências de competências. “E, portanto, esta posição agora é completamente extemporânea e não faz o menor sentido”, frisou, adiantando que o conselho diretivo da ANMP vai reunir-se no dia 19, em Mafra, distrito de Lisboa, e, “muito provavelmente, emitirá depois uma opinião conjunta do órgão” sobre o assunto.

Questionado sobre se a eventual saída da Câmara do Porto, uma das maiores do país, poderá enfraquecer a ANMP, Paulo Arsénio respondeu que não iria “avaliar impactos mais ou menos fortes” mas, claramente, prefere que o Porto esteja dentro da associação. Vincando que diria “exatamente o mesmo se a situação fosse com Barrancos”, um dos municípios mais pequenos do país e situado no distrito de Beja, referiu que o município que representa e a que preside “não pondera, de forma alguma”, sair da associação. Na verdade, como sublinhou, a ANMP “sempre deu alguma força aos municípios mais pequenos e mais frágeis, e, portanto, é uma associação em que um município pequeno tem exatamente a mesma voz de um município grande”.

Paulo Arsénio vincou que, “enquanto presidente de câmara”, quer “os 308 municípios dentro da ANMP” e disse esperar que o “impulso” de Rui Moreira “possa ainda ser invertido”.

A Câmara de Beja já aceitou da administração central “todas as competências previstas, menos as do domínio da ação social, que aceitará apenas a 1 de janeiro de 2023, conforme está legislado”. E o autarca observou:

Naturalmente, temos um ou outro ponto mais difícil, mas, por exemplo, numa das principais competências, que é a da educação, as coisas têm corrido extremamente bem no município, até melhor do que corriam quando as escolas estavam sob tutela da administração central”.

Por seu turno, Carlos Moedas (PSD), Presente da Câmara de Lisboa, também presidente da mesa do congresso da ANMP, em declarações à agência Lusa à entrada para a reunião da Assembleia Municipal, afirmou compreender as razões da posição assumida pelo autarca independente do Porto, que disse não se sentir em “condições” para passar “um cheque em branco” à ANMP para negociar com o Governo o processo de transferência de competências. Efetivamente, como explanou, nós não podemos estar aqui a ser os tarefeiros do Governo”, tendo, ao invés, que ter competências que nos são atribuídas com os recursos necessários”, pois, se o Estado, se o Governo nos transfere competências nas áreas da saúde e da educação, nós temos que ter capacidade e temos que ter os recursos para as poder exercer.

Em todo o caso, questionado sobre a possibilidade de a Câmara de Lisboa sair da ANMP, o autarca respondeu: Obviamente que não”. E, garantindo que esta “não é uma questão partidária”, frisou:

Se o senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto sente que foi excluído, vamos ter que trabalhar e eu quero trabalhar com a Associação Nacional de Municípios para que isso não aconteça e para também que a Associação Nacional de Municípios tenha aqui uma voz forte em relação ao Governo seja qual for a cor do Governo.

O autarca de Lisboa assumiu que vai tentar resolver o que classificou como um “impasse”, procurando mediar posições, tendo já falado com o Presidente da Câmara do Porto e com Luísa Salgueiro, presidente da ANMP, que é também presidente da Câmara de Matosinhos.

O que importa é o resultado: como é que nós vamos poder falar a uma voz com o Governo e exigir aquilo que é necessário para esta transferência de competências, frisou o autarca de Lisboa, considerando que a ANMP deve ser o órgão que discute estes assuntos, que devem ser debatidos “de maneira aberta, clara e inclusiva, com todos os municípios”.

Lembrando a carta conjunta com o Presidente da Câmara do Porto, enviada ao Primeiro-Ministro, a apelar a que seja prorrogado o prazo para a transferência de competências nas áreas da educação e saúde, o autarca de Lisboa referiu que ainda não há uma resposta oficial a esse apelo, frisando que a posição “é clara”: os municípios não podem ser tarefeiros do Governo.

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Na TSF, na manhã deste dia 12, a Presidente da ANMP Luísa Salgueiro, também presidente da Câmara de Matosinhos, pediu “solidariedade” a Rui Moreira, aduzindo que “este é um processo que está em curso”, sendo conveniente que Moreira “se mantenha solidário com os restantes autarcas e que possa permitir que este processo termine, o que acontecerá muito brevemente”.

Luísa Salgueiro garantiu que está a trabalhar com o Governo e a ouvir “permanentemente” os autarcas para “encontrar soluções que mitiguem ou que eliminem as dificuldades”. E explicitou:

Não é um processo que esteja concluído, como eu sempre disse, é um processo dinâmico. O Governo tomou posse há dias e estamos a trabalhar com as várias pastas para que introduzam alterações que vão ao encontro das reivindicações dos autarcas: do doutor Rui Moreira e de vários outros.”.

Questionado pelos jornalistas sobre o apelo feito pela presidente da ANMP, Rui Moreira afirmou que a mesma “não tem grande responsabilidade nesta matéria”. Ao invés, disse acreditar que “Luísa Salgueiro está a fazer o melhor que pode”.

Aos jornalistas, Rui Moreira salientou que não tem tido mais notícias sobre a reunião solicitada pela Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, com o Ministério da Educação.

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Pelo exposto, é de referir que não se compreende a postura de Moreira, que acusa a ANMP de ultrapassar as legítimas aspirações e consensos das autarquias, mas desresponsabiliza a sua presidente, antes referindo que ela “está a fazer o melhor que pode”.

Antes dá a entender que os municípios de maior peso devem ter um tratamento adequado ao seu peso, quando aos pequenos se devem sentir apoiados pela associação. Por outro lado, em negociação, ambas as partes devem ceder.

Embora a descentralização tenha sido imposta por via legislativa, ela, no atinente à transferência de competências para os municípios, tem sido concertada com a ANMP e com a ANAFRE e a sua concretização tem sido condicionada à aceitação por acordo. Tanto assim é que a maioria dos municípios não subscreveu o acordo no concernente à saúde e muitos não o subscreveram no respeitante à educação. Assim, não faz sentido recorrer aos tribunais por não haver acordo.

É o envelope financeiro que é insuficiente. Na verdade, o Governo central quer poupar nas áreas a transferir, ao passo que os autarcas pretendem competências, mas com o envelope financeiro recheado. Lá dizia Carvalho Ruas, quando presidia à ANMP, que se encarregariam de tudo se o envelope financeiro fosse avantajado.

Sejamos claros. Os municípios, sobretudo os de pequena dimensão, não têm vocação para arcar com determinadas responsabilidades (saúde, educação, segurança social, polícia, justiça, etc.), embora possam cooperar. É claro que veem nestas transferências uma forma de ganhar poder. E, se o envelope financeiro for avantajado, ou contratualizam privados ou constroem uma superestrutura local para dar conta do recado. E sempre supervisionam a gestão e o funcionamento dos estabelecimentos e gabinetes e melhor fazem funcionar o compadrio e a dependência.   

2022.04.12 – Louro de Carvalho

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