O Presidente da Câmara do Porto disse
que não se sente em “condições” de passar “um cheque em branco” à ANMP (Associação Nacional de Municípios
Portugueses) para
negociar com o Governo “aquilo que podemos nós negociar”, isto é, o processo de
transferência de competências.
Em
declarações aos jornalistas, Rui Moreira disse acreditar que o município do
Porto, com a saída da ANMP, ainda tem hipótese de, “até ao final do ano”, juntamente
com o Governo, discutir a transferência de competências na área da educação, da
coesão social e da saúde. Por isso, decidiu apresentar uma proposta ao
executivo e, posteriormente, à Assembleia Municipal no sentido de o município
abandonar a representação da ANMP – deixar de ser seu membro – e passar a tomar
todas as decisões de forma “independente” e “autónoma” com o Governo.
Frisando que as bases do modelo de
descentralização consensualmente definidas na Cimeira de Sintra, que juntou os 35
municípios das duas áreas Metropolitanas (Lisboa e Porto), foram “desvirtuadas” em “ato de absoluto boicote” da ANMP, Moreira
afirmou que, desde então, o processo de transferência de competências “foi
feito aos safanões”. Portanto, quer “negociação séria que acautele a posição
dos municípios”, pois, como disse, “não
podemos ficar na mão de negociadores nos quais temos razões para não confiar”.
Com efeito, “o que aconteceu na educação, que agora é muito difícil de mudar,
não pode acontecer na coesão social e na saúde”.
Dizendo querer uma “negociação séria que acautele a posição dos
municípios”, Moreira sustenta que, se o município sair da ANMP e,
porventura, avançar com uma nova providência cautelar no âmbito do processo de transferência
de competências, “o Governo não pode
dizer em sede de juízo que isto foi combinado com uma associação da qual o Porto
faz parte”.
Na
proposta, a que a Lusa teve acesso, o
presidente da Câmara do Porto afirma ser “total” o “fracasso” da ANMP em
representar os municípios portugueses no âmbito do processo de descentralização
de competências do Estado. Com efeito, no dizer de Rui Moreira, “em vez de se
afirmar como verdadeira porta-voz dos seus associados, a ANMP tem mostrado uma
postura de cumplicidade e total conivência com as medidas adotadas pela
administração central”.
“A ANMP
fez acordos com o Governo sem ouvir os municípios e sem estar para tal
mandatada, ignorando os seus interesses e preocupações legítimas”, aponta o
autarca, acrescentando que o modelo de descentralização implementado ficou “manifestamente
aquém do que era esperado”.
O autarca sublinha que tal conivência
é evidenciada nas oposições deduzidas pela Presidência do Conselho de Ministros
e pelo Ministério da Educação no âmbito da providência cautelar apresentada
pelo município, a 25 de março, para travar a descentralização nas áreas da
educação e da saúde. Citando as posições da tutela, que afirma que o “diploma é o resultado de um extenso e
profícuo trabalho realizado com a Associação Nacional de Municípios Portugueses
e tem por base a experiência adquirida com os diferentes movimentos
descentralizadores”, este autarca independente defende que a ANMP foi
responsável, por exemplo, pela fixação da verba de 20 mil euros para cada
estabelecimento de ensino no âmbito das competências de manutenção e
conservação. E, “além de se abster de
apontar as fragilidades e deficiências desta suposta descentralização, imposta
aos municípios, a ANMP assumiu sucessivamente compromissos junto dos órgãos da
administração central sem auscultar devidamente os associados, com total
desrespeito pelos seus interesses e autonomia”, pelo que o município do
Porto não se considera representado pela associação.
Assim, a proposta a votar pelo
executivo municipal no próximo dia 19, prevê que o município abandone a ANMP,
perdendo a qualidade de membro. Sendo aprovada, a saída deverá ser comunicada
ao Conselho Geral da ANMP. Paralelamente, o documento propõe que, em
consequência da desta saída, seja o município a assumir de forma “independente
e autónoma” todas as negociações com o Estado no âmbito do processo de descentralização
de competências, “sem qualquer representação”.
É de relembrar
que a Câmara Municipal do Porto interpôs, a 25 de março, uma providência
cautelar para travar a descentralização nas áreas da educação e da saúde. E, a 4 de abril, o
vereador da Educação, Fernando Paulo, adiantou que a providência foi aceite,
mas sem efeitos suspensivos, o que levou a autarquia a “acomodar” as
competências. Assim, como afirmou, “desde o dia 1 de abril, o município do Porto teve
de assumir a sua responsabilidade [...] na gestão do pessoal não docente e
funcionamento das escolas”.
O vereador esclareceu
que no despacho do juiz estava prevista a citação ao Ministério da Educação:
“Soubemos que o ministério já foi citado e
tem 10 dias para se pronunciar. Em função da matéria e da pronúncia do
Ministério da Educação, pode haver aqui alguma reviravolta ou algum recuo.”.
O autarca sustentou
que “há um momento para lutar e há um momento
para acomodar e cumprir”.
***
O Presidente
da Câmara de Beja, também membro do conselho diretivo da ANMP, o socialista
Paulo Arsénio, considerou que “não faz sentido” e é “extemporânea” a proposta
do autarca independente do Porto de retirar esta autarquia da ANMP, uma vez que
“é, de facto, dentro da associação, em conjunto com todos, que se resolvem as
questões maiores dos 308 municípios”, disse hoje à agência Lusa Paulo Arsénio.
Segundo o
autarca alentejano, “desde que o processo da descentralização de competências
se materializou”, o Presidente da Câmara do Porto “sabia, como todos os outros
307 presidentes de municípios sabiam”, quais os prazos para transferências de
competências. “E, portanto, esta posição agora é completamente extemporânea e
não faz o menor sentido”, frisou, adiantando que o conselho diretivo da ANMP
vai reunir-se no dia 19, em Mafra, distrito de Lisboa, e, “muito provavelmente,
emitirá depois uma opinião conjunta do órgão” sobre o assunto.
Questionado
sobre se a eventual saída da Câmara do Porto, uma das maiores do país, poderá
enfraquecer a ANMP, Paulo Arsénio respondeu que não iria “avaliar impactos mais
ou menos fortes” mas, claramente, prefere que o Porto esteja dentro da
associação. Vincando que diria “exatamente o mesmo se a situação fosse com
Barrancos”, um dos municípios mais pequenos do país e situado no distrito de
Beja, referiu que o município que representa e a que preside “não pondera, de
forma alguma”, sair da associação. Na verdade, como sublinhou, a ANMP “sempre
deu alguma força aos municípios mais pequenos e mais frágeis, e, portanto, é
uma associação em que um município pequeno tem exatamente a mesma voz de um
município grande”.
Paulo
Arsénio vincou que, “enquanto presidente de câmara”, quer “os 308 municípios
dentro da ANMP” e disse esperar que o “impulso” de Rui Moreira “possa ainda ser
invertido”.
A Câmara de
Beja já aceitou da administração central “todas as competências previstas,
menos as do domínio da ação social, que aceitará apenas a 1 de janeiro de 2023,
conforme está legislado”. E o autarca observou:
“Naturalmente, temos um ou outro
ponto mais difícil, mas, por exemplo, numa das principais competências, que é a
da educação, as coisas têm corrido extremamente bem no município, até melhor do
que corriam quando as escolas estavam sob tutela da administração central”.
Por seu turno,
Carlos Moedas (PSD), Presente da
Câmara de Lisboa, também presidente da mesa do congresso da ANMP, em declarações
à agência Lusa à entrada para a
reunião da Assembleia Municipal, afirmou compreender as razões da posição
assumida pelo autarca independente do Porto, que disse não se sentir em “condições”
para passar “um cheque em branco” à ANMP para negociar com o Governo o processo
de transferência de competências. Efetivamente, como explanou, “nós
não podemos estar aqui a ser os tarefeiros do Governo”, tendo, ao invés, que
“ter competências que nos são
atribuídas com os recursos necessários”, pois, “se o Estado, se o Governo
nos transfere competências nas áreas da saúde e da educação, nós temos que ter
capacidade e temos que ter os recursos para as poder exercer”.
Em todo o caso, questionado sobre a possibilidade de a Câmara de Lisboa sair
da ANMP, o autarca respondeu: “Obviamente que não”. E, garantindo
que esta “não é uma questão partidária”, frisou:
“Se o senhor Presidente
da Câmara Municipal do Porto sente que foi excluído, vamos ter que trabalhar e
eu quero trabalhar com a Associação Nacional de Municípios para que isso não
aconteça e para também que a Associação Nacional de Municípios tenha aqui uma
voz forte em relação ao Governo seja qual for a cor do Governo”.
O autarca de Lisboa assumiu que vai tentar resolver o que classificou como
um “impasse”, procurando mediar posições, tendo já falado com o Presidente da
Câmara do Porto e com Luísa Salgueiro, presidente da ANMP, que é também
presidente da Câmara de Matosinhos.
“O que
importa é o resultado: como é que nós vamos poder falar a uma voz com o Governo
e exigir aquilo que é necessário para esta transferência de competências”, frisou o autarca de Lisboa,
considerando que a ANMP deve ser o órgão que discute estes assuntos, que devem
ser debatidos “de maneira aberta, clara e
inclusiva, com todos os municípios”.
Lembrando a carta conjunta com o Presidente da Câmara do Porto, enviada ao
Primeiro-Ministro, a apelar a que seja prorrogado o prazo para a transferência
de competências nas áreas da educação e saúde, o autarca de Lisboa referiu que
ainda não há uma resposta oficial a esse apelo, frisando que a posição “é clara”:
os municípios não podem ser tarefeiros do Governo.
***
Na TSF, na manhã deste dia 12, a
Presidente da ANMP Luísa Salgueiro, também presidente da Câmara de Matosinhos,
pediu “solidariedade” a Rui Moreira, aduzindo que “este é um processo que está
em curso”, sendo conveniente que Moreira “se mantenha solidário com os
restantes autarcas e que possa permitir que este processo termine, o que
acontecerá muito brevemente”.
Luísa Salgueiro garantiu que está a
trabalhar com o Governo e a ouvir “permanentemente” os autarcas para “encontrar
soluções que mitiguem ou que eliminem as dificuldades”. E explicitou:
“Não
é um processo que esteja concluído, como eu sempre disse, é um processo
dinâmico. O Governo tomou posse há dias e estamos a trabalhar com as várias
pastas para que introduzam alterações que vão ao encontro das reivindicações
dos autarcas: do doutor Rui Moreira e de vários outros.”.
Questionado
pelos jornalistas sobre o apelo feito pela presidente da ANMP, Rui Moreira
afirmou que a mesma “não tem grande
responsabilidade nesta matéria”. Ao invés, disse acreditar que “Luísa Salgueiro está a fazer o melhor que
pode”.
Aos jornalistas, Rui Moreira salientou
que não tem tido mais notícias sobre a reunião solicitada pela Ministra da
Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, com o Ministério da Educação.
***
Pelo exposto,
é de referir que não se compreende a postura de Moreira, que acusa a ANMP de ultrapassar
as legítimas aspirações e consensos das autarquias, mas desresponsabiliza a sua
presidente, antes referindo que ela “está a fazer o melhor que pode”.
Antes dá a entender
que os municípios de maior peso devem ter um tratamento adequado ao seu peso, quando
aos pequenos se devem sentir apoiados pela associação. Por outro lado, em
negociação, ambas as partes devem ceder.
Embora a descentralização
tenha sido imposta por via legislativa, ela, no atinente à transferência de competências
para os municípios, tem sido concertada com a ANMP e com a ANAFRE e a sua concretização
tem sido condicionada à aceitação por acordo. Tanto assim é que a maioria dos municípios
não subscreveu o acordo no concernente à saúde e muitos não o subscreveram no respeitante
à educação.
É o envelope
financeiro que é insuficiente. Na verdade, o Governo central quer poupar nas
áreas a transferir, ao passo que os autarcas pretendem competências, mas com o
envelope financeiro recheado. Lá dizia Carvalho Ruas, quando presidia à ANMP,
que se encarregariam de tudo se o envelope financeiro fosse avantajado.
Sejamos
claros. Os municípios, sobretudo os de pequena dimensão, não têm vocação para
arcar com determinadas responsabilidades (saúde, educação, segurança social,
polícia, justiça, etc.), embora
possam cooperar. É claro que veem nestas transferências uma forma de ganhar
poder. E, se o envelope financeiro for avantajado, ou contratualizam privados
ou constroem uma superestrutura local para dar conta do recado. E sempre supervisionam
a gestão e o funcionamento dos estabelecimentos e gabinetes e melhor fazem
funcionar o compadrio e a dependência.
2022.04.12 – Louro de Carvalho
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