quinta-feira, 7 de abril de 2022

Dia Mundial da Saúde 2022 – “o nosso planeta, a nossa saúde”

 

O Dia Mundial da Saúde assinala-se a 7 de abril, data selecionada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a sua celebração, que vem sendo observada desde 1950, com o objetivo de sensibilizar e educar para a importância dos cuidados de saúde e de estilos de vida saudáveis.

Este ano, a OMS dedicou o Dia Mundial da Saúde ao tema: “O nosso planeta, a nossa saúde”, com enfoque nas ações necessárias para manter as pessoas e o planeta saudáveis e na promoção das sociedades focadas no bem-estar. Para assinalar o Dia Mundial da Saúde, que ocorre hoje, dia 7 de abril, o Ministério da Saúde organizou uma sessão comemorativa, a partir das 17,30 horas, no Auditório Tomé Pires, Infarmed, no Parque da Saúde em Lisboa.

No meio duma pandemia e com o planeta poluído, aumentaram as doenças como o cancro, a asma e  as cardíacas. Entretanto, neste dia, o “Expresso” lançou, pela mão da jornalista Joana Ascensão, o repto a seis profissionais de saúde e a vários leitores sobre o que mudariam no SNS se fossem mágicos e se tendemos, após a pandemia, a voltar à Saúde que conhecíamos.     

Opinam que “algo estará́ muito errado se tudo voltar a ser como dantes”. A pandemia revelou o fenómeno da sindemia (interação entre duas ou mais doenças epidémicas com efeitos ampliados na saúde das populações) e a “escassez gritante” de psicólogos no SNS capazes de responderem às necessidades de terapia dos portugueses. É preciso investir em recursos humanos para o SNS. É urgente retirar do sistema o “hospitalocentrismo”. O futuro está na prevenção. Na verdade, a pandemia, que nos suspendeu a normalidade dos dias, pôs à prova, súbita e insolitamente, o SNS.

Sobre o que pretendem que mudasse, as respostas sintetizam-se como segue:

Teresa Leão, médica de Saúde Pública e investigadora no ISPUP (Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto), foca o investimento na prevenção, já que Portugal era, em 2018, o 6.º país da UE com menor investimento em cuidados preventivos. Portugal, segundo os dados do Eurostat, investiu só 1,7% do orçamento da saúde em atividades preventivas, abaixo da média – 2,8%, quando somos o país da Europa ocidental com maior proporção de mortes associadas ao álcool (6%) e onde cerca de 40% da população adulta é sedentáriacerca de 20% fuma. E, segundo a OCDE, em 2017, éramos dos países com maior consumo de antidepressivos.

Tal investimento deve ser financeiro para garantir os recursos humanos necessários e conseguir “um novo olhar, atento e responsável”. Tem-se reduzido a mortalidade precoce por doenças cardiovasculares através de medicação, quando se devia explorar o potencial da aquisição de hábitos saudáveis. Ora, podemos ganhar mais anos de vida saudável: incentivando e ajudando as pessoas a adotar comportamentos mais saudáveis; e incentivando e ajudando os decisores a criar ambientes mais seguros e saudáveis, que facilitem a adoção desses comportamentos.

Pedro Graça, nutricionista, diretor da Faculdade de Nutrição da Universidade do Porto, defende a priorização do combate ao excesso de peso e à obesidade nos cuidados de saúde primários. Com efeito, mais de metade da nossa população sofre de excesso de peso e mais de 20% dos anos de vida saudável perdidos por doenças crónicas devem-se ao excesso de peso, que “é a verdadeira epidemia do século XXI”. Para o nutricionista, de imediato, importa reforçar a capacidade dos cuidados de saúde primários para a promoção da alimentação saudável implementando, por exemplo, o “Modelo de aconselhamento breve para a alimentação saudável” da DGS, composto por diversas ferramentas que possibilitam uma abordagem inicial por parte do profissional de saúde, que em média não deve exceder os 10 minutos.

António de Sousa Uva, médico do Trabalho e Professor de Saúde Ocupacional e Medicina do Trabalho na Escola Nacional de Saúde Pública, preconiza a melhoria imediata da acessibilidade, da equidade e da qualidade. Para o SNS cumprir a sua função, o seu acesso tem de ser “universal e, tendencialmente, igual para todos os cidadãos”; e as suas atividades têm de ter qualidade, na perspetiva mais ampla, que não se esgota em recursos materiais de instalações e equipamentos, mas nos recursos humanos a reforçar em quantidade e qualidade.

Sara Ferreira, médica de Família na USF Sete Colinas ACES Lisboa Central, julga prioritário investir nos recursos humanos, o tecido mais importante do SNS, valorizando as carreiras, muitas das quais estão congeladas há vários anos e sem perspetiva de progressão. Na verdade, os profissionais de saúde que trabalham no SNS necessitam de sentir-se valorizados pelo esforço diário, caso contrário, continuaremos a assistir à saída de ótimos profissionais, saída que tem dois graves problemas: perda de elementos, que constitui, no imediato, um agravar das condições já insuficientes de recursos humanos; e, a longo prazo, dificuldade de formação de novos elementos.

Eduardo Carqueja, psicólogo e diretor do serviço de Psicologia do Hospital de São João, não está com meias medidas: faria, se fosse mágico, o milagre da multiplicação dos pães com os psicólogos para o SNS”, pois é gritante a sua escassez e não se conseguem colmatar as necessidades psicológicas dos portugueses. Porém, considera que “a magia já existe”, pois, “com recursos tão reduzidos, têm-se feito verdadeiros milagres na capacidade de resposta à custa de um elevado sentido de missão em prol das pessoas”.

E Paulo Mota, enfermeiro chefe do Serviço de Urgência do Hospital de São João, tornaria o SNS não hospitalocêntrico. Antes de mais, promoveria o investimento franco nos Cuidados Saúde Primários, de modo que os cuidados efetivos na “saúde de proximidade” fossem promotores da melhor organização do SNS. Neste sistema, a referenciação seria o eixo do acesso a cuidados diferenciados, eletivos ou urgentes e reguladores do sistema, pondo o doente no lugar certo, eliminando a hiperutilização ou utilização desnecessária e minorando, ou mesmo eliminando, a perda de doentes em listas. E, assim, o binómio médico/enfermeiro de família seria constituído como o Provedor do Doente no SNS. Por outro lado, rentabilizaria a capacidade instalada nos Serviços Hospitalares, quer ao nível dos Recursos Humanos, quer ao da capacidade técnica e tecnológica, dando verdadeira expressão aos níveis de atuação (primária, secundária, terciária e quaternária). Por fim, criaria a especialidade de Urgência para médicos e enfermeiros.

Também dos leitores emergem sugestões a partir das redes sociais do “Expresso”, que se registam: há uma gravíssima falha do SNS: a inexistente a saúde oral, quando uma grande parte da população portuguesa não tem meios económicos para ter acesso a dentistas, lacuna que é preciso cobrir; impõem-se centros de saúde com horários alargados e médicos para atender a população, para os hospitais poderem receber os casos urgentes, que necessitam de mais cuidados, quando, ao invés, os centros de saúde estão cada vez piores, pois falta ali tudo, a começar por pessoas qualificadas no guichet de atendimento; urge o apoio à saúde mental, mais consultas de psicologia e terapia para todos, com um sistema de saúde baseado na prevenção; requer-se a melhoria da prestação de cuidados de saúde primários e inspeção frequente aos lares de idosos; impõe-se a reavaliação regente das carreiras profissionais de médicos, enfermeiros e auxiliares, inserindo métodos de avaliação eficazes; e importa promover a mudança do sistema informático, que bloqueia diariamente e faz com que todo o serviço fique atrasado, lento e disfuncional.

No atinente à questão se voltamos à situação anterior, as respostas são as seguintes:

Segundo Teresa Leão, a pandemia trouxe consequências: pessoas cujo acompanhamento da parte dos cuidados de saúde foi menos próximo do que o adequado, já que, por exemplo, não se realizaram rastreios oncológicos no momento recomendado; um número significativo de pessoas com sintomas de covid longa; e saúde mental de muitos fragilizada a partir destes 2 anos. 

Tornou-se óbvio, para os profissionais de saúde e para os decisores, a necessidade de cuidarmos da nossa saúde, mental e física, sendo esta essencial para o funcionamento da economia.

A nível individual, ‘sentimos na pele’ o que a evidência científica diz: “o contacto social é fundamental para o nosso bem-estar, assim como o é fazer atividade física ou estar em espaços verdes”. E, a nível societal, há pessoas e famílias, que vivem em contextos de grande vulnerabilidade e que ficaram em risco de maior privação. Porém, é possível desencadearem-se medidas de apoio social de aplicação rápida. É possível responder articuladamente a estes desafios a nível local, nacional e internacional. O desafio é contrabalançar as consequências negativas que a pandemia trouxe com a capacidade de refazer e reforçar os laços sociais e a saúde, apoiando-nos mutuamente e, com maior atenção, os que mais precisam. Importa recuperar os serviços perdidos, como é o caso dos cuidados de saúde e das escolas, reforçar as políticas saudáveis e, porque percebemos a importância de se viver em lugares desenhados para as pessoas, reclamar por espaços públicos seguros, confortáveis e verdes, e usá-los.

Pedro Graça diz que “as pandemias vieram para ficar”. Com cada vez mais seres humanos por metro quadrado no planeta, a possibilidade de infeção cresce diariamente. A pandemia só acelerou o crescimento da sindemia, nomeadamente no concernente à interdependência entre a obesidade, desnutrição e as alterações climáticas. Os sistemas alimentares, com a promoção da agricultura intensiva, a produção de proteína animal e o transporte maciço de alimentos através dos sistemas rodoviários, favorecem a existência de alimentos processados hipercalóricos a baixo custo que impulsionam as pandemias de obesidade e desnutrição, em particular nos mais pobres, e geram de 25 a 30% das emissões de gases com efeito de estufa (GEEs). Nada será como antes.

António de Sousa Uva, tendo como desejável “que nada ficasse como dantes”, diz que a pandemia mobilizou o mundo para os problemas de saúde, que não se esgotam na saúde (ou na doença) de cada cidadão, que tem sido, no essencial, praticamente a única prioridade do SNS. Assim, é necessário complementar esse foco com ações dirigidas às comunidades, para lá da prestação de cuidados clínicos. Ou seja, “o investimento em criação de conhecimento em Saúde e em Saúde Pública deveriam ser muito mais do que a sua, aparentemente, simples e reiterada evocação”.

Para Sara Ferreira, tudo depende da implicação do Governo e da oposição na melhoria e valorização do SNS. Se a tendência for de subinvestimento e contínua falta de diálogo com os profissionais, não se melhorará muito após uma pandemia que tanto enfraqueceu os recursos do SNS. E, como os privados têm crescido exponencialmente, com todas as restrições que a pandemia pôs no acesso a várias patologias, temos espaço para uma desorganização do perfil de utilizador: a maioria das pessoas com possibilidades económicas recorre aos privados, o que não se refletirá em melhoria de cuidados nem em melhor acesso, mas num maior esforço económico em saúde por parte de cada família.

Para Eduardo Carqueja, o mundo evolui e nada acontece duas vezes. “A pandemia colocou-nos na proximidade de um desconhecido conhecido” e mostrou muitas das nossas vulnerabilidades e fragilidades. Se fizermos delas fortalezas e aprendermos com o não aprendido, nada ficará como dantes. E isso será bom.

E Paulo Mota pensa que “algo estará́ muito errado se tudo voltar a ser como dantes”. A pandemia pôs o controlo de infeção no topo da lista. Não que não fosse menos valorizada, mas ganhou uma dimensão nunca antes atingida. Este vírus expôs a fragilidade humana e as vulnerabilidades dos sistemas. A covid-19 levou à implementação de processos que serão regras institucionais muito além da doença em si e que não deixarão de ser valorizadas. Assim, as organizações tiveram de se reinventar e algumas sentiram, executaram e foram exemplo do que é capaz de atingir uma organização estruturada, com rentabilização de recursos (os recursos humanos sabem adaptar-se), focada na resposta ao cidadão. O SNS é a sua componente humana, sejam os trabalhadores, sejam os utentes. A capacidade de superação de cada indivíduo só́ é limitada pelo próprio.

***

Trata-se de sugestões de muito interesse e que não estão expressas com esta audácia em nenhum programa de governo, nomeadamente a saúde comunitária, o investimento na prevenção, a mobilização dos psicólogos e dentistas para o SNS, a fuga de profissionais e doentes para o privado, a especialidade em urgência, a eficácia dos centros de saúde, etc. Há que agir!  

2022.04.07 – Louro de Carvalho

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