o
Recordo
que a ortopedia e o ortopedista, que hoje tratam sobretudo problemas de ossos,
tendões e articulações, originariamente tratavam dessas coisas nas crianças (em
grego, “ortós” quer dizer “direito”, “reto”; e “pais, paidós” significa “criança,
menino, menina”). É
que, segundo a filosofia popular, “de pequenino se torce o pepino”; e estas
correções, dantes, se fossem feitas na idade adulta, dificilmente teriam
sucesso. Por outro lado, a idade do “pais, paidós” ia até aos 12 anos de idade.
Em Roma, os equivalentes “puer” e “puella” iam até aos 17/18 anos.
Também é
detestável o significado atribuído a alguns vocábulos, longe do significado
originário. Recordo o caso da “pedofilia” (“filía”, em grego,
significa amizade, amor, atração).
Não deveria ter o significado que lhe dá o uso, que, depois de consolidado, é a
máxima lei de fixação da língua. Já estão bem formadas palavras como “necrofilia”,
atração sexual por cadáveres (do grego “νεκρός”, “cadáver” ou “morto”; e “φιλία”,
“amor” ou “atração”);
e “coprofilia”, em biologia, a condição do
microrganismo que vive nas fezes, ou, em psicologia a excitação erótica
motivada pelo cheiro, visão ou contacto com excrementos humanos, que pode
chegar à “coprofagia” (do grego “cópros”,
“excremento, sujidade” e “phagéo” e “phágomai”, “como”).
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Ainda
agora, a propósito das vítimas mortais do acidente de Vila Nova da Rainha,
Tondela, falou-se de “autópsia”. Ora, esta palavra formou-se a partir dos
elementos gregos “autós” (o mesmo, ele próprio) e o verbo “oráô” (ver,
observar, examinar).
Porém, nenhum morto consegue ver-se ou examinar-se a si próprio por fora,
através dum espelho ou objeto similar, muito menos por dentro. Então o que
deveria chamar-se a esse exame que os médicos legistas ou os médicos
patologistas são chamados a fazer era a “necropsia”.
Por isso, modernamente, criou-se a sinonímia por “necropsia”, composta de “νεκρός” (nekrós, “morto”) e “ὄψις” (ópsis, “visão”) e por necrocirugia (de “queir, quirós”, mão), que significa cirurgia
praticada num cadáver – para evitar que o nome “autópsia” gere confusão, por poder
ser entendido, equivocadamente, como “exame de si mesmo”. Porém, diz-se normalmente “autopsia” (em espanhol e italiano), autopsie (em
francês) e autopsy (em inglês), pois o termo
permanece válido, segundo alguns, enquanto envolve o examinador para ver pelos
seus próprios olhos as causas da morte.
Há dois tipos de necropsias: a forense, realizada por razões médico-legais, que normalmente é
falada na comunicação social, feita por médicos especializados (médicos-legistas), solicitada pelas autoridades judiciárias e não
impugnável pelos familiares, por morte de acidente, morte desconhecida, morte
súbita ou morte por suspeita de crime; e a clínica de anatomia patológica,
normalmente realizada por médicos patologistas (patologista é o médico que estuda as diversas patologias), com fins de
estudo e pesquisa, para determinar, não só a causa da morte, que, em muitos
casos, é conhecida, mas todos os processos patológicos que afetam o indivíduo.
Dois grandes pesquisadores na medicina do século XIX,
Rudolf Virchow e Carl von Rokitansky, que realizou 30.000 autópsias,
trabalharam na base o legado do Renascimento para forjar as duas técnicas
distintas de autópsia que ainda levam os seus nomes. A sua demonstração da
relação entre condições patológicas em corpos mortos e sintomas e doenças em
seres vivos abriu o caminho para uma forma diferente de pensar sobre as doenças
e seus tratamentos.
Podia chamar-se “endoscopia”, exame por dentro (do grego, “endon”, dentro de, e “scopéô”, observo, examino). Mas o
vocábulo está cativo por outra atividade. Com efeito endoscopia, que significa o olhar para dentro do paciente, é uma
especialidade médica que se ocupa de obter imagens médicas
diagnósticas utilizando um endoscópio.
O endoscópio é um aparelho que consta basicamente de uma fonte de luz e alguma
forma de visualização da imagem para dentro, que pode ser dada por via anal,
ventricular ou gastrointestinal. É conhecida a prática colonoscópica.
E, quando se certifica o óbito apenas pelo mero exame
exterior, fala-se do simples exame “anatomotanatológico” (comboio de palavras gregas: anatomia – de “ἀνατέμνω, anatemnō” – cortar em partes, “thánatos”,
morte; e “logos” com o sufixo -ia – palavra, tratado, estudo). Foi este o
único exame que as autoridades vaticanas autorizaram por ocasião do óbito do
Papa João Paulo I.
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Há
dias, ia a passar na rua e vi um painel a anunciar “Osteopata…”. E eu pensei: “um doente não faz propaganda de si
próprio. Há de haver aqui algum equívoco.”, pois, “osteopata” vem dos termos
gregos “osteon” (ὀστέον), “osso”
e “pathos” (πάθὀσ), “doença”. Portanto, deve ser uma pessoa que sofre dos
ossos. Também psicopata é o doente de comportamento antissocial, diminuição da
capacidade de empatia/remorso e baixo controlo comportamental ou com a presença
de atitudes de dominância desmedida, a que vem associado comportamento agonista
conexo com a ocorrência de delinquência, crime, falta de remorso e dominância,
mas também é associado com competência social e liderança. E o sociopata é o indivíduo com transtorno de
personalidade caraterizado por um egocentrismo exacerbado, que leva a uma
desconsideração em relação aos sentimentos e opiniões dos outros.
Porém, depois de ler tudo, verifiquei que estava mal
enganado. Afinal, a osteopatia – criada,
em 1874, pelo médico estadunidense Andrew Taylor Still – é tida como uma prática de medicina
alternativa que consiste na utilização de técnicas de mobilização e
manipulação articular, bem como de tecidos moles. Os
osteopatas creem que esses procedimentos ajudam o corpo a curar-se
sozinho.
Há muito
pouca evidência de que a “osteopatia” sirva de alguma ajuda no
tratamento de qualquer condição médica, já que não há estudos que comprovem a
eficácia desse tipo de tratamento. Os seus praticantes são considerados osteopatias,
quando o deviam ser os doentes. Em sentido literal, osteopatia significa
doença dos ossos. Por isso, esta prática deveria, pelo menos, à primeira vista,
chamar-se osteoterapia ou osteopatoterapia e os seus praticantes de
osteoterapeutas ou osteopatoterapeutas, como temos a psicopatologia e o psicopatologista.
Mas nem isso, como se verá adiante.
A prática
osteopática baseia-se na convicção de que todos os sistemas do corpo estão
relacionados, o que é verdade. Assim, qualquer disfunção em um sistema afeta
todos os outros. Além disso, crê que o corpo tem total capacidade de se curar
sozinho, desde que todas as suas estruturas estejam equilibradas, o que é
difícil.
Em Portugal, a prática da osteopatia é uma profissão de
saúde, autónoma (em diagnóstico e
terapêutica), sendo classificada no âmbito das terapêuticas não
convencionais (acupuntura, fitoterapia,
homeopatia, medicina tradicional chinesa, naturopatia, osteopatia, e
quiropraxia) e regulamentada como tal pelas Leis n.os
45/2003, de 22 de outubro, e 71/2013, de 2 setembro, sendo o título de
osteopata protegido por lei. Atualmente, em Portugal, existem cinco faculdades
que ensinam o curso de quatro anos com atribuição do grau de licenciado em
osteopatia. As consultas e tratamentos de osteopatia, tal como as restantes
terapêuticas não convencionais já mencionadas, passaram a estar isentas do IVA
(imposto de valor acrescentado), desde janeiro de 2017 pela Lei
n.º 1/2007, de 16 de janeiro, à semelhanças dos restantes profissionais
paramédicos.
No seu
livro Filosofia da Osteopatia, o predito cientista Still enuncia os
quatro grandes princípios em que repousa a filosofia osteopática:
- A determinação da função pela estrutura.
Com efeito, apesar de o ser humano ser um todo
indivisível, as suas estruturas são as diferentes partes do seu corpo
(ossos,
músculos, pele, glândulas, etc.) e a função
é a atividade de cada uma das partes (respiratória, cardíaca, digestiva,
etc.). Todas as partes do corpo têm uma
estreita relação entre estrutura e função. Para Still, se a estrutura está em harmonia e equilíbrio, não
pode haver doença. Toda a doença se origina num distúrbio na harmonia da
estrutura. E, se como dizia Darwin, a função cria o órgão, também o preserva e
mantém na sua vitalidade.
- A unidade do corpo. O corpo humano tem a capacidade de se autorregular,
reencontrando a harmonia e o equilíbrio nas suas estruturas. Para se referir a
essa capacidade, Still usa o termo homeostasia (a partir dos termos gregos “hómeo”, “similar” ou “igual”; e “stasis”,
“estático”), situando-a no que ele chama de sistema
miofascioesquelético. Tal sistema teria a capacidade de guardar “na
memória” qualquer trauma físico sofrido.
- A Autocura. Still afirma que o corpo tem em si mesmo tudo o que é
necessário para curar e evitar as doenças. Porém, é necessário que não
haja obstruções nos canais nervosos, linfáticos e vasculares, além da necessidade
de nutrição celular e de eliminação de dejetos.
- O caráter absoluto da regra da
artéria. Segundo
Still, sendo o mecanismo de envio de nutrientes para as células,
a função arterial é primordial. Se as artérias não funcionarem
corretamente, o sistema venoso será mais lento, o que fará acumular
toxinas, gerando doenças.
Como se vê,
a osteopatia tem muito pouco a ver com ossos, a não ser como um dos suportes
estruturais das terapias. Poderia muito bem designar-se esta atividade por
outros termos como hemopatia (de “haima, háimatos”, sangue), terapia holística, (de “hólos”, todo), dermatoterapia (de “derma, dérmatos”, pele), mioteapia (de “müs, müós”, músculo), adenoterapia (de “adên, adénos”, glândula).
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Estas
imprecisões de nomenclatura não aconteceriam se houvesse sempre o espírito de
cooperação na comunidade científica, devendo, a solicitação dos cientistas, os
linguistas e filólogos contribuir para a fixação da terminologia científica –
para bem da ciência e para bem das línguas.
2018.01.16 –
Louro de Carvalho
Estava em busca de outra informação e deparo_me com esse seu verdadeiro tratado etimológico, acredito ser este o termo, em relação à medicina que é considerada como ápice do conhecimento, por guardar e usar os segredos da continuidade da existência... tão falha no uso dos próprios termos. Fiquei até aliviada com o meu desconhecimento das coisas. Seu estudo é fantástico e rigorosamente apaziguador das "nossas ignorâncias" como pessoas leigas na língua e no resto. Obrigada. Ser "doutor" é muito mais.
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