Na noite do dia 23 de janeiro, em Davos, na Suíça, aconteceu a
segunda reunião entre
António Costa e João Lourenço, em menos de dois meses, marcados pela
divergência de Angola sobre a forma como a justiça portuguesa está a conduzir o
processo contra Manuel Vicente e sobre a desconfiança do Ministério Público Português
(MP) em relação à
justiça angolana.
O Primeiro-Ministro
até solicitou um parecer ao Conselho
Consultivo da PGR sobre o caso que
envolve o antigo vice-presidente de Angola no âmbito da operação “Fizz”, com
acusações de corrupção ativa e branqueamento de capitais – parecer que entendeu
não publicar pelo facto de, no âmbito dos poderes que lhe cabem, o haver
classificado como reservado.
***
O Presidente da República falou sobre a matéria no
próprio dia 23, após a cerimónia de lançamento de Cascais como Capital Europeia da Juventude 2018, no Centro
de Congressos do Estoril. E afirmou que a relação política e diplomática de
Portugal com Angola “não podia ser melhor” e é feita de “múltiplos contactos”,
alguns mais públicos e formais, outros menos, mas todos importantes.
Questionado pelos jornalistas se o Primeiro-Ministro, António
Costa, partilhara consigo o parecer solicitado à Procuradoria-Geral da
República sobre este caso, decorrente da operação Fizz, que não foi tornado
público, o Presidente da República escusou-se a responder à questão, dizendo
apenas: “Isso é uma matéria sobre a qual
não me vou pronunciar publicamente”.
Porém, declarou sobre as relações luso-angolanas: “Aquilo que quero dizer, neste momento, é que
as relações políticas e diplomáticas são excelentes”. E reforçou: “Não podia ser melhor o nosso relacionamento”.
A declaração completa que se estriba em anteriores afirmações dos Chefe da
Diplomacia angolana e portuguesa é do teor seguinte:
“As relações políticas e diplomáticas entre
Portugal e Angola são excelentes e, como se viu, ontem, pelas declarações dos Ministros
dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores, há uma sintonia, há
uma convergência clara no sentido de mostrar que, como acontece entre povos,
não podia ser melhor o nosso relacionamento”.
Interpelado sobre se considera decisivo o encontro entre o
Primeiro-Ministro e o Presidente de Angola, marcado para ontem à noite, em
Davos, na Suíça, onde decorre o Fórum Económico Mundial, o Chefe de Estado
respondeu:
“Como imaginam, esta temática (as relações com
Angola) são matérias que eu acompanho dia e noite há dois anos”.
E considerou que “a vida é feita de múltiplos encontros, e de
múltiplos contactos”, sendo que “alguns são públicos e notórios, e são formais
ou relativamente formais, outros são informais”. E completou: “Todos são
importantes”.
***
Depois da conversa ocorrida entre António Costa e
João Lourenço em Davos, o Chefe do Governo caraterizou
como “fraternas” e de “excelência” as relações político-económicas
luso-angolanas, mas referiu que o processo judicial que envolve o
ex-vice-Presidente de Angola Manuel Vicente mantém congeladas as visitas de
alto nível entre os dois países.
O
Primeiro-Ministro falava aos jornalistas no final de uma reunião de 40 minutos
com João Lourenço, que decorreu em Davos, na Suíça, no hotel em que o líder do
executivo português está instalado e que começou com cerca de 50 minutos de
atraso. E narrou:
“Este foi um encontro no quadro das relações
permanentes que temos mantido – dos bons encontros que tenho mantido com o
Presidente João Lourenço. Fizemos o ponto das relações muito fraternas que
existem entre Portugal e Angola, que, felizmente, decorrem muito bem dos pontos
de vista económico, das relações entre as nossas empresas, das relações culturais
e entre os nossos povos”.
Logo a seguir,
Costa referiu-se ao processo da Procuradoria-Geral da República portuguesa que
envolve o ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente no âmbito da operação “Fizz”,
em que está acusado de branqueamento de capitais e de corrupção ativa.
O Primeiro-Ministro
frisou que não se pode ignorar “que existe uma questão – e uma só questão – que
não depende dos poderes políticos de Portugal e de Angola e que decorre
exclusivamente da responsabilidade das autoridades judiciárias e que tem uma
única consequência: Não haver visitas de alto nível de uns e outros aos
respetivos países”.
Quanto ao mais, disse, já depois
de ter referido que a última reunião entre ambos foi há menos de dois meses, em
Abidjan, na Costa do Marfim:
“Felizmente, tudo o resto decorre com toda a
normalidade na excelência das nossas relações. Sempre que me encontro com o
Presidente João Lourenço encontramo-nos como bons amigos”.
Tendo-lhe
sido perguntado se este encontro teve alguma consequência positiva para
desbloquear o problema do foro judicial existente entre os dois países, António
Costa respondeu que “uma imagem vale mais do que mil palavras”. E explicitou:
“A forma calorosa como o Presidente João
Lourenço cumprimentou a delegação portuguesa é um bom sinal das boas relações
que existem entre nós. Na vida das pessoas, entre amigos, muitas vezes há
problemas que se metem pelo caminho – problemas que nem uns nem outros podem
resolver. Neste caso, nem as autoridades políticas de Angola, nem as
portuguesas, podem resolver, mas esse problema não perturba o que é essencial:
Como disse o ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola [Manuel Domingos
Augusto], recentemente, as relações luso-angolanas são insubstituíveis.”.
António
Costa sustentou que, da parte dos empresários, dos professores universitários ou
escritores continuam a estreitar-se as relações entre os dois países. E tranquilizou
numa mensagem mais informal para desdramatizar o estado das relações
luso-angolanas:
“Vamos aguardar serenamente que as decisões
que as autoridades judiciárias têm de tomar sejam tomadas. Um dia, seguramente,
poderei encontrar o Presidente João Lourenço ou em Luanda ou em Lisboa.
Enquanto não nos encontramos em Lisboa ou em Luanda, também não faltam lugares
no mundo para nos encontramos – e as relações vão prosseguindo.”
Em resposta
a questões colocadas por jornalistas de Angola, o Primeiro-Ministro assegurou que
as relações luso-angolanas “têm uma grande intensidade”, exemplificando com o
número de voos entre os dois países “ou a força dos investimentos bilaterais”. E
disse:
“Sempre que estamos juntos em algum sítio,
seja em Abidjan na Costa do Marfim, ou aqui na Suíça, nunca perdemos uma
oportunidade para falar e manter as nossas boas relações”.
Sobre a evolução da política em Angola, exprimiu-se nestes termos:
“É com muita satisfação que vemos a
situação político-económica angolana a evoluir muito positivamente e a
restabelecerem-se as condições de confiança de investimento das empresas
portuguesas em Angola – isso é muito positivo que aconteça e vai prosseguir”.
Ainda em
relação ao caso que envolve o ex-vice-Presidente angolano, Costa insistiu em
dizer que Angola “mantém a sua posição,
entendendo que o processo deve ser remetido para Angola para ali ser tramitado”.
Interpelado
sobre eventuais consequências negativas de o caso que envolve Manuel Vicente se
prolongar por muito tempo, o Chefe do Governo referiu-se “a uma única restrição”:
“visitas ao mais alto nível de chefes de
Estado e de Governo aos dois países”. E acrescentou:
“Fora essa restrição, tudo decorre
normalmente. Os angolanos continuam a ser bem-vindos Portugal e os portugueses
muito bem-vindos a Angola. Mesmo nas relações políticas entre os dois países,
sempre que se encontram, são de grande estima e de amizade.”.
***
Também o Ministro
dos Negócios Estrangeiros de Angola se congratulou ontem com a decisão da
Justiça portuguesa de separar o processo do ex-vice-Presidente angolano Manuel
Vicente, dizendo que corresponde a um passo no sentido desejado pelas
autoridades de Luanda.
Manuel
Domingos Augusto falava aos jornalistas no final da reunião entre o Primeiro-Ministro
português e o Presidente angolano, em Davos, na Suíça. Com efeito, o Chefe de
Estado angolano delegou no seu Ministro dos Negócios Estrangeiros as
declarações à comunicação social sobre os resultados da reunião com o
Primeiro-Ministro português. E este começou por salientar que “Angola nunca interrompeu o diálogo com
Portugal”.
Sobre o processo
da Justiça portuguesa contra o ex-vice-Presidente Angolano Manuel Vicente, o
responsável máximo da diplomacia angolana discorreu:
“Todos desejamos que o problema venha a ser
resolvido o mais breve possível para que a harmonia que tem caraterizado as
nossas relações possa ser retomada. Nós, hoje, tivemos a oportunidade de trocar
algumas ideias com o Primeiro-Ministro português e não fugimos à questão que a
todos incomoda.”.
Manuel
Domingos Augusto referiu-se, neste contexto, à decisão judicial do dia 22 de
separar o processo de Manuel Vicente no âmbito da operação “Fizz” e
especificou:
“Tomámos nota da evolução que o
processo está a conhecer e reafirmámos a esperança de que haja a muito breve
trecho um desfecho que corresponda à vontade dos dois governos, mas também dos
povos angolano e português”.
Segundo o Ministro,
a delegação governamental angolana já se encontrava em Davos quando tomou
conhecimento deste desenvolvimento no processo judicial. E, sobre este facto,
referiu:
“Tomámos conhecimento da decisão judicial
sobre a separação dos processos. Sem entrar em detalhes técnicos, acreditamos
que se trata de um passo no sentido do desejo das autoridades angolanas e acredito
que também das autoridades portuguesas. Não há razões para que este processo
continue a ser uma sombra naquilo que são as relações harmoniosas e altamente
desejadas pelos povos dos dois países.”.
***
Percebo que
a diplomacia tenha necessidade duma linguagem cuidadosa, dúbia e até próxima da
não verdade total. Não obstante, cansa-me esta hipocrisia dos chefes da
diplomacia angolana e portuguesa, do Primeiro-Ministro e do Presidente da
República.
O Presidente
representa o Estado no seu todo e o Primeiro-Ministro (à
frente do Governo) é
responsável pela definição da política interna e externa do país. Ora, se há um
espinho, um problema levantado pelo sistema judiciário português – com razão ou
sem ela – a descontento das autoridades judiciárias angolanas, como é que as relações
podem ser excelentes?
Já me sinto
saturado com o argumento de que é a Justiça que tem um problema e que o poder político
não o pode resolver. Primeiro, a administração da justiça é feita por um órgão de
soberania, os tribunais, que integram, segundo a Constituição, o poder político;
e os tribunais administram a justiça em nome do povo. É, pois, um ato político.
Segundo, quem organiza o processo-crime, com base na investigação, não é o
tribunal, que é independente, mas o MP, que, embora autónomo, é o braço do
Estado para a investigação criminal e para a consequente acusação. E o topo do
MP é de nomeação tipicamente política pelo Presidente da República sob proposta
do Governo (do que está em funções aquando do ato), entidades a quem incumbe a
eventual exoneração após o mandato (ou antes de ele ser
totalmente cumprido).
Corpo sofre se o membro sofre!
E será que
João Lourenço já desistiu de travar as nossas exportações, hostilizar as nossas
empresas, fechar consulados? E como são tão excelentes (nem
podiam estar melhor)
as relações se os líderes cimeiros não se podem encontrar dentro dos
territórios dos dois países?
Talvez me
agrade mais a tirada do Ministro angolano que diz
serem as relações insubstituíveis, ser necessário retomar a harmonia que tem caraterizado
as relações e esperar que o caso se resolva, pois não há razões para que o
processo continue a ser uma sombra no que são as relações harmoniosas e
altamente desejadas pelos dois povos. Sejam claros!
2018.01.24 – Louro de Carvalho
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