quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

“As relações entre Portugal e Angola são excelentes, mas…”

Na noite do dia 23 de janeiro, em Davos, na Suíça, aconteceu a segunda reunião entre António Costa e João Lourenço, em menos de dois meses, marcados pela divergência de Angola sobre a forma como a justiça portuguesa está a conduzir o processo contra Manuel Vicente e sobre a desconfiança do Ministério Público Português (MP) em relação à justiça angolana.
O Primeiro-Ministro até solicitou um parecer ao Conselho Consultivo da PGR sobre o caso que envolve o antigo vice-presidente de Angola no âmbito da operação “Fizz”, com acusações de corrupção ativa e branqueamento de capitais – parecer que entendeu não publicar pelo facto de, no âmbito dos poderes que lhe cabem, o haver classificado como reservado.
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O Presidente da República falou sobre a matéria no próprio dia 23, após a cerimónia de lançamento de Cascais como Capital Europeia da Juventude 2018, no Centro de Congressos do Estoril. E afirmou que a relação política e diplomática de Portugal com Angola “não podia ser melhor” e é feita de “múltiplos contactos”, alguns mais públicos e formais, outros menos, mas todos importantes.
Questionado pelos jornalistas se o Primeiro-Ministro, António Costa, partilhara consigo o parecer solicitado à Procuradoria-Geral da República sobre este caso, decorrente da operação Fizz, que não foi tornado público, o Presidente da República escusou-se a responder à questão, dizendo apenas: “Isso é uma matéria sobre a qual não me vou pronunciar publicamente”.
Porém, declarou sobre as relações luso-angolanas: “Aquilo que quero dizer, neste momento, é que as relações políticas e diplomáticas são excelentes”. E reforçou: “Não podia ser melhor o nosso relacionamento”. A declaração completa que se estriba em anteriores afirmações dos Chefe da Diplomacia angolana e portuguesa é do teor seguinte:
As relações políticas e diplomáticas entre Portugal e Angola são excelentes e, como se viu, ontem, pelas declarações dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores, há uma sintonia, há uma convergência clara no sentido de mostrar que, como acontece entre povos, não podia ser melhor o nosso relacionamento.
Interpelado sobre se considera decisivo o encontro entre o Primeiro-Ministro e o Presidente de Angola, marcado para ontem à noite, em Davos, na Suíça, onde decorre o Fórum Económico Mundial, o Chefe de Estado respondeu:
Como imaginam, esta temática (as relações com Angola) são matérias que eu acompanho dia e noite há dois anos”.
E considerou que “a vida é feita de múltiplos encontros, e de múltiplos contactos”, sendo que “alguns são públicos e notórios, e são formais ou relativamente formais, outros são informais”. E completou: “Todos são importantes”.

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Depois da conversa ocorrida entre António Costa e João Lourenço em Davos, o Chefe do Governo caraterizou como “fraternas” e de “excelência” as relações político-económicas luso-angolanas, mas referiu que o processo judicial que envolve o ex-vice-Presidente de Angola Manuel Vicente mantém congeladas as visitas de alto nível entre os dois países.
O Primeiro-Ministro falava aos jornalistas no final de uma reunião de 40 minutos com João Lourenço, que decorreu em Davos, na Suíça, no hotel em que o líder do executivo português está instalado e que começou com cerca de 50 minutos de atraso. E narrou:
Este foi um encontro no quadro das relações permanentes que temos mantido – dos bons encontros que tenho mantido com o Presidente João Lourenço. Fizemos o ponto das relações muito fraternas que existem entre Portugal e Angola, que, felizmente, decorrem muito bem dos pontos de vista económico, das relações entre as nossas empresas, das relações culturais e entre os nossos povos”.
Logo a seguir, Costa referiu-se ao processo da Procuradoria-Geral da República portuguesa que envolve o ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente no âmbito da operação “Fizz”, em que está acusado de branqueamento de capitais e de corrupção ativa.
O Primeiro-Ministro frisou que não se pode ignorar “que existe uma questão – e uma só questão – que não depende dos poderes políticos de Portugal e de Angola e que decorre exclusivamente da responsabilidade das autoridades judiciárias e que tem uma única consequência: Não haver visitas de alto nível de uns e outros aos respetivos países”.
Quanto ao mais, disse, já depois de ter referido que a última reunião entre ambos foi há menos de dois meses, em Abidjan, na Costa do Marfim:
Felizmente, tudo o resto decorre com toda a normalidade na excelência das nossas relações. Sempre que me encontro com o Presidente João Lourenço encontramo-nos como bons amigos”.
Tendo-lhe sido perguntado se este encontro teve alguma consequência positiva para desbloquear o problema do foro judicial existente entre os dois países, António Costa respondeu que “uma imagem vale mais do que mil palavras”. E explicitou:
A forma calorosa como o Presidente João Lourenço cumprimentou a delegação portuguesa é um bom sinal das boas relações que existem entre nós. Na vida das pessoas, entre amigos, muitas vezes há problemas que se metem pelo caminho – problemas que nem uns nem outros podem resolver. Neste caso, nem as autoridades políticas de Angola, nem as portuguesas, podem resolver, mas esse problema não perturba o que é essencial: Como disse o ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola [Manuel Domingos Augusto], recentemente, as relações luso-angolanas são insubstituíveis.”.
António Costa sustentou que, da parte dos empresários, dos professores universitários ou escritores continuam a estreitar-se as relações entre os dois países. E tranquilizou numa mensagem mais informal para desdramatizar o estado das relações luso-angolanas:
Vamos aguardar serenamente que as decisões que as autoridades judiciárias têm de tomar sejam tomadas. Um dia, seguramente, poderei encontrar o Presidente João Lourenço ou em Luanda ou em Lisboa. Enquanto não nos encontramos em Lisboa ou em Luanda, também não faltam lugares no mundo para nos encontramos – e as relações vão prosseguindo.
Em resposta a questões colocadas por jornalistas de Angola, o Primeiro-Ministro assegurou que as relações luso-angolanas “têm uma grande intensidade”, exemplificando com o número de voos entre os dois países “ou a força dos investimentos bilaterais”. E disse:
Sempre que estamos juntos em algum sítio, seja em Abidjan na Costa do Marfim, ou aqui na Suíça, nunca perdemos uma oportunidade para falar e manter as nossas boas relações”.
Sobre a evolução da política em Angola, exprimiu-se nestes termos:
É com muita satisfação que vemos a situação político-económica angolana a evoluir muito positivamente e a restabelecerem-se as condições de confiança de investimento das empresas portuguesas em Angola – isso é muito positivo que aconteça e vai prosseguir”.
Ainda em relação ao caso que envolve o ex-vice-Presidente angolano, Costa insistiu em dizer que Angola “mantém a sua posição, entendendo que o processo deve ser remetido para Angola para ali ser tramitado”.
Interpelado sobre eventuais consequências negativas de o caso que envolve Manuel Vicente se prolongar por muito tempo, o Chefe do Governo referiu-se “a uma única restrição”: “visitas ao mais alto nível de chefes de Estado e de Governo aos dois países”. E acrescentou:
Fora essa restrição, tudo decorre normalmente. Os angolanos continuam a ser bem-vindos Portugal e os portugueses muito bem-vindos a Angola. Mesmo nas relações políticas entre os dois países, sempre que se encontram, são de grande estima e de amizade.”.
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Também o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola se congratulou ontem com a decisão da Justiça portuguesa de separar o processo do ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente, dizendo que corresponde a um passo no sentido desejado pelas autoridades de Luanda.
Manuel Domingos Augusto falava aos jornalistas no final da reunião entre o Primeiro-Ministro português e o Presidente angolano, em Davos, na Suíça. Com efeito, o Chefe de Estado angolano delegou no seu Ministro dos Negócios Estrangeiros as declarações à comunicação social sobre os resultados da reunião com o Primeiro-Ministro português. E este começou por salientar que “Angola nunca interrompeu o diálogo com Portugal”.
Sobre o processo da Justiça portuguesa contra o ex-vice-Presidente Angolano Manuel Vicente, o responsável máximo da diplomacia angolana discorreu:
Todos desejamos que o problema venha a ser resolvido o mais breve possível para que a harmonia que tem caraterizado as nossas relações possa ser retomada. Nós, hoje, tivemos a oportunidade de trocar algumas ideias com o Primeiro-Ministro português e não fugimos à questão que a todos incomoda.”.
Manuel Domingos Augusto referiu-se, neste contexto, à decisão judicial do dia 22 de separar o processo de Manuel Vicente no âmbito da operação “Fizz” e especificou:
Tomámos nota da evolução que o processo está a conhecer e reafirmámos a esperança de que haja a muito breve trecho um desfecho que corresponda à vontade dos dois governos, mas também dos povos angolano e português”.
Segundo o Ministro, a delegação governamental angolana já se encontrava em Davos quando tomou conhecimento deste desenvolvimento no processo judicial. E, sobre este facto, referiu:
Tomámos conhecimento da decisão judicial sobre a separação dos processos. Sem entrar em detalhes técnicos, acreditamos que se trata de um passo no sentido do desejo das autoridades angolanas e acredito que também das autoridades portuguesas. Não há razões para que este processo continue a ser uma sombra naquilo que são as relações harmoniosas e altamente desejadas pelos povos dos dois países.”.
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Percebo que a diplomacia tenha necessidade duma linguagem cuidadosa, dúbia e até próxima da não verdade total. Não obstante, cansa-me esta hipocrisia dos chefes da diplomacia angolana e portuguesa, do Primeiro-Ministro e do Presidente da República.
O Presidente representa o Estado no seu todo e o Primeiro-Ministro (à frente do Governo) é responsável pela definição da política interna e externa do país. Ora, se há um espinho, um problema levantado pelo sistema judiciário português – com razão ou sem ela – a descontento das autoridades judiciárias angolanas, como é que as relações podem ser excelentes?
Já me sinto saturado com o argumento de que é a Justiça que tem um problema e que o poder político não o pode resolver. Primeiro, a administração da justiça é feita por um órgão de soberania, os tribunais, que integram, segundo a Constituição, o poder político; e os tribunais administram a justiça em nome do povo. É, pois, um ato político. Segundo, quem organiza o processo-crime, com base na investigação, não é o tribunal, que é independente, mas o MP, que, embora autónomo, é o braço do Estado para a investigação criminal e para a consequente acusação. E o topo do MP é de nomeação tipicamente política pelo Presidente da República sob proposta do Governo (do que está em funções aquando do ato), entidades a quem incumbe a eventual exoneração após o mandato (ou antes de ele ser totalmente cumprido). Corpo sofre se o membro sofre!
E será que João Lourenço já desistiu de travar as nossas exportações, hostilizar as nossas empresas, fechar consulados? E como são tão excelentes (nem podiam estar melhor) as relações se os líderes cimeiros não se podem encontrar dentro dos territórios dos dois países?
Talvez me agrade mais a tirada do Ministro angolano que diz serem as relações insubstituíveis, ser necessário retomar a harmonia que tem caraterizado as relações e esperar que o caso se resolva, pois não há razões para que o processo continue a ser uma sombra no que são as relações harmoniosas e altamente desejadas pelos dois povos. Sejam claros!

2018.01.24 – Louro de Carvalho 

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