segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Verdade, justiça, solidariedade operante e liberdade

São as normas inspiradas por estes valores que devem reger as relações entre as nações, tal como as relações entre as pessoas. Francisco disse-o no discurso de hoje, dia 8, ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé por ocasião do encontro para a formulação de bons votos para o ano acabado de iniciar.
Depois de fazer referência ao embaixador recentemente falecido, aos novos embaixadores e às novas relações diplomáticas estabelecidas ou em vias de estabelecimento, agradeceu “as relações frutuosas e constantes” que os embaixadores mantêm “com a Secretaria de Estado e restantes Dicastérios da Cúria Romana, testemunhando assim o interesse da comunidade internacional pela missão da Santa Sé e pelo serviço da Igreja Católica nos respetivos países”. E explicou que a Santa Sé, na relação com as autoridades civis, apenas pretende “favorecer o bem-estar espiritual e material da pessoa humana e a promoção do bem comum”.
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Evocando o centenário do fim da I Guerra Mundial, que tem lugar este ano, frisou que, das cinzas da Grande Guerra, “que deu nova forma ao rosto da Europa e do mundo inteiro, com a aparição de novos Estados que tomaram o lugar dos antigos Impérios”, retirou duas advertências, que a humanidade não compreendeu, “encontrando-se vinte anos depois a combater um novo conflito, ainda mais devastador”. A primeira é que “vencer nunca significa humilhar o adversário derrotado”, pois “não é a lei do medo que dissuade de futuras agressões, mas a força serena duma razoabilidade que incita ao diálogo e à mútua compreensão para sanar as diferenças”. A segunda é que a paz se consolida “quando as nações se podem confrontar num clima de igualdade”, como intuiu Thomas Woodrow Wilson, “quando propôs a instituição duma associação geral das nações visando promover – para todos os Estados, grandes e pequenos, indistintamente – mútuas garantias de independência e integridade territorial”, o que deu lugar à diplomacia multilateral.
São os valores da verdade, justiça, solidariedade operante e liberdade que devem regular as relações entre os Estados, supondo que “se tenha como princípio inviolável a igualdade de todos os povos, pela sua dignidade de natureza”, com “o reconhecimento dos direitos mútuos” e “o cumprimento dos respetivos deveres”, com base na “afirmação da dignidade de toda a pessoa humana, cujo desprezo e desrespeito levam a atos de barbárie que ofendem a consciência da humanidade”. Aliás, “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”, segundo a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
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Falar de direitos humanos, para a Santa Sé, significa, sobretudo, “repropor a centralidade da dignidade da pessoa, enquanto querida e criada por Deus à sua imagem e semelhança”. Jesus, “ao curar o leproso, restituir a vista ao cego, sentar-se à mesa com o publicano, poupar a vida da adúltera e convidar a tratar do viandante ferido, fez-nos compreender como cada ser humano, independentemente da sua condição física, espiritual ou social”, é “merecedor de respeito e consideração”. Na ótica cristã, há uma grande relação entre o Evangelho e os direitos humanos.
O pressuposto dos direitos deriva da natureza que “acomuna” o género humano. E eles foram enunciados “para remover os muros de separação que dividem a família humana e favorecer o que a doutrina social da Igreja designa como desenvolvimento humano integral”.
Todavia, ao longo dos anos, foi-se progressivamente modificando a interpretação de alguns direitos, a ponto de se incluir uma multiplicidade de “novos direitos”, contrapondo-se frequentemente entre si, o que não favoreceu “a promoção de relações amigas entre as nações”. Com efeito, quando não se respeita a cultura de outros povos, pode incorrer-se em modalidades de colonização ideológica dos mais fortes e dos mais ricos sobre os mais pobres e os mais fracos. Porém, as tradições dos povos não podem ser invocadas como pretexto para descurar o respeito dos direitos fundamentais da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
E o Papa aponta o facto de que, 70 anos depois, “muitos direitos fundamentais são violados”. Entre eles, contam-se: o direito à vida; à liberdade; e à inviolabilidade de cada pessoa humana. E, a lesá-los, não estão só a guerra ou a violência. Hoje, há formas mais subtis: crianças inocentes, descartadas ainda antes de nascer; idosos, também eles muitas vezes descartados, por estarem doentes ou por serem considerados um peso; mulheres, que sofrem violências e prepotências, mesmo no seio das famílias; e todos aqueles que são vítimas do tráfico de pessoas, que viola a proibição de toda e qualquer forma de escravatura. Quantas pessoas, em fuga da pobreza e da guerra, acabam objeto de tal traficância perpetrada por sujeitos sem escrúpulos! –pondera o Pontífice.
Ora, para defender o direito à vida e à integridade física e tutelar o direito à saúde da pessoa e dos familiares, “é importante unir esforços para que se possam adotar políticas capazes de garantir, a preços acessíveis, o fornecimento de medicamentos essenciais para a sobrevivência das pessoas indigentes, sem transcurar a pesquisa e o desenvolvimento de tratamentos”, que “são cruciais para salvar vidas humanas”. E, para defender o direito à vida, é preciso “trabalhar ativamente pela paz”, promovendo o desarmamento integral e o desenvolvimento integral, que “estão intimamente relacionados entre si”, mas também “combater a injustiça e erradicar, de forma não violenta, as causas da discórdia que levam às guerras”.
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Depois, o Papa examinou as situações concretas que perpassam o mundo do sofrimento, do temor e do conflito: a península coreana; a Síria; os numerosos refugiados que encontraram acolhimento e refúgio nas nações vizinhas, especialmente na Jordânia, Líbano e Turquia; o Iémen e o Afeganistão; a tensão israelo-palestina, sobretudo depois que perigou o estatuto especial de Jerusalém; a crise política e humanitária da Venezuela; o sofrimento que grassa em muitas partes de África, especialmente no Sudão do Sul, República Democrática do Congo, Somália, Nigéria e República Centro-Africana, onde o direito à vida está ameaçado pela exploração indiscriminada dos recursos, terrorismo, proliferação de grupos armados e conflitos prolongados; a necessidade de alimentar o esforço comum por reconstruir pontes na Ucrânia; e a urgência de clarificação do devir nos EUA. E Francisco adverte:
Não basta indignar-se perante tanta violência! É preciso que cada um, no seu próprio âmbito, trabalhe ativamente por remover as causas da miséria e construir pontes de fraternidade, premissa fundamental para um desenvolvimento humano autêntico.”.
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Depois, dedica uma especial reflexão à família, apresentando-a como “elemento natural e fundamental da sociedade, que tem direito à proteção desta e do Estado”. De facto, o direito a constituir família é reconhecido pela própria Declaração de 1948. É, pois, importante que se reconheça a urgência de se proteger a família, sobretudo quando passa a ser considerada uma instituição superada em muitos países. A este respeito Francisco considerou:
Em vez da estabilidade dum projeto definitivo, preferem-se hoje ligações fugazes. (…) Por isso, considero urgente que se adotem políticas efetivas em apoio da família, da qual aliás depende o futuro e o desenvolvimento dos Estados. Sem ela, de facto, não se podem construir sociedades capazes de enfrentar os desafios do futuro.”.
A seguir, citou o inverno demográfico, a situação de famílias dilaceradas por causa da pobreza, das guerras e das migrações e “o drama de crianças cruzando sozinhas os confins que separam o sul do norte do mundo, frequentemente vítimas do tráfico de seres humanos”.
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O Pontífice dedicou amplos parágrafos do discurso aos fluxos migratórios, recordando que a liberdade de movimento pertence aos direitos humanos fundamentais. E frisou, a este respeito:
Por isso, é necessário sair duma generalizada retórica sobre o assunto e partir da consideração essencial de que se encontram diante de nós, antes de mais nada, pessoas”.
Mencionando a Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano dedicada justamente aos migrantes e refugiados – com as 4 pedras miliárias: acolher, proteger, promover e integrar –, apontou o drama deles, embora não esquecendo a obrigação de obedecerem às leis dos países de acolhimento:
Embora reconhecendo que nem todos estão sempre animados pelas melhores intenções, não se pode esquecer que a maior parte dos migrantes preferiria permanecer na sua própria terra, mas é forçada a deixá-la por causa de discriminações, perseguições, pobreza e degradação ambiental”.
De modo especial, o Santo Padre mencionou a sua última viagem internacional de 2017:
“Conservo ainda vivo no coração o encontro que tive em Daca com alguns membros do povo rohingya e quero renovar os sentimentos de gratidão às Autoridades do Bangladesh pela assistência que lhes prestam no seu território”.
Francisco manifestou a sua confiança em vista da adoção de dois Pactos Mundiais (Global Compacts) que serão debatidos este ano, respectivamente sobre os refugiados e para uma migração segura, ordenada e regular. E expôs a posição da Santa Sé:
A Santa Sé não pretende interferir nas decisões que competem aos Estados: a eles cabe – à luz das respetivas situações políticas, sociais e económicas, bem como das próprias capacidades e possibilidades de receção e integração – a responsabilidade primeira do acolhimento. Mas ela considera que deve desempenhar um papel de ‘recordação’ dos princípios de humanidade e fraternidade, que fundamentam toda a sociedade coesa e harmoniosa.”.
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No âmbito da liberdade religiosa e do direito ao trabalho, o Papa disse que “não há paz nem desenvolvimento, se o homem está privado da possibilidade de contribuir pessoalmente para a edificação do bem comum”. A liberdade religiosa inscreve-se no quadro da liberdade de consciência, de expressão e de culto, tendo o homem até o direito de mudar de religião. O direito ao trabalho está ao serviço do crescimento, da subsistência e da dignidade. Mas não se pode ultrapassar a capacidade de cada um. Por isso, sobre o aumento do número de crianças empregadas em atividades laborais e das vítimas das novas formas de escravidão, declarou:
Não se pode pensar em projetar um futuro melhor se se continuam a manter modelos económicos orientados meramente para o lucro e a exploração dos mais fracos, como as crianças. Eliminar as causas estruturais de tal flagelo deveria ser uma prioridade de Governos e organizações internacionais.”.
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Após falar dos direitos, Francisco concluiu o discurso com as obrigações de cada um para edificação do bem comum. Entre elas, destacou o dever de cuidar da natureza, como a Casa Comum. Recordou as vítimas de terramotos e furacões no México, Caribe, EUA, Irão e Filipinas. E explicitou:
As alterações climáticas, com o aumento  global das temperaturas e os efeitos devastadores que isso comporta, são também consequência da ação do homem. Por isso, é preciso enfrentar, com um esforço conjunto, a responsabilidade de deixar às gerações seguintes uma terra mais bela e habitável, esforçando-se, à luz dos compromissos concordados em Paris no ano de 2015, por reduzir as emissões de gás nocivas à atmosfera e prejudiciais para a saúde humana.”.

2018.01.08 – Louro de Carvalho

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