São
as normas inspiradas por estes valores que devem reger as relações entre as
nações, tal como as relações entre as pessoas. Francisco disse-o no discurso de
hoje, dia 8, ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé por ocasião do encontro
para a formulação de bons votos para o ano acabado de iniciar.
Depois
de fazer referência ao embaixador recentemente falecido, aos novos embaixadores
e às novas relações diplomáticas estabelecidas ou em vias de estabelecimento, agradeceu
“as relações frutuosas e constantes” que os embaixadores mantêm “com a
Secretaria de Estado e restantes Dicastérios da Cúria Romana, testemunhando
assim o interesse da comunidade internacional pela missão da Santa Sé e pelo
serviço da Igreja Católica nos respetivos países”. E explicou que a Santa Sé, na
relação com as autoridades civis, apenas pretende “favorecer o bem-estar
espiritual e material da pessoa humana e a promoção do bem comum”.
***
Evocando o centenário do fim da I Guerra Mundial,
que tem lugar este ano, frisou que, das cinzas da Grande Guerra, “que deu nova
forma ao rosto da Europa e do mundo inteiro, com a aparição de novos Estados
que tomaram o lugar dos antigos Impérios”, retirou duas advertências, que a
humanidade não compreendeu, “encontrando-se vinte anos depois a combater um
novo conflito, ainda mais devastador”. A primeira é que “vencer nunca significa
humilhar o adversário derrotado”, pois “não é a lei do medo que dissuade de
futuras agressões, mas a força serena duma razoabilidade que incita ao diálogo
e à mútua compreensão para sanar as diferenças”. A segunda é que a paz se
consolida “quando as nações se podem confrontar num clima de igualdade”, como
intuiu Thomas Woodrow Wilson, “quando propôs a instituição duma associação
geral das nações visando promover – para todos os Estados, grandes e pequenos,
indistintamente – mútuas garantias de independência e integridade territorial”,
o que deu lugar à diplomacia multilateral.
São
os valores da verdade, justiça, solidariedade operante e liberdade que devem regular
as relações entre os Estados, supondo que “se tenha como princípio inviolável a
igualdade de todos os povos, pela sua dignidade de natureza”, com “o
reconhecimento dos direitos mútuos” e “o cumprimento dos
respetivos deveres”, com base na “afirmação da dignidade de toda a pessoa
humana, cujo desprezo e desrespeito levam a atos de barbárie que ofendem a
consciência da humanidade”. Aliás, “o reconhecimento da dignidade inerente a
todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis
constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”, segundo
a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
***
Falar de direitos humanos, para a Santa Sé, significa,
sobretudo, “repropor a centralidade da dignidade da pessoa, enquanto querida e
criada por Deus à sua imagem e semelhança”. Jesus, “ao curar o leproso,
restituir a vista ao cego, sentar-se à mesa com o publicano, poupar a vida da
adúltera e convidar a tratar do viandante ferido, fez-nos compreender como cada
ser humano, independentemente da sua condição física, espiritual ou social”, é “merecedor
de respeito e consideração”. Na ótica cristã, há uma grande relação entre o
Evangelho e os direitos humanos.
O pressuposto dos direitos deriva da natureza que
“acomuna” o género humano. E eles foram enunciados “para remover os muros de
separação que dividem a família humana e favorecer o que a doutrina social da
Igreja designa como desenvolvimento humano integral”.
Todavia,
ao longo dos anos, foi-se progressivamente modificando a interpretação de
alguns direitos, a ponto de se incluir uma multiplicidade de “novos direitos”,
contrapondo-se frequentemente entre si, o que não favoreceu “a promoção de
relações amigas entre as nações”. Com efeito, quando não se respeita
a cultura de outros povos, pode incorrer-se em modalidades de colonização
ideológica dos mais fortes e dos mais ricos sobre os mais pobres e os
mais fracos. Porém, as tradições dos povos não podem ser invocadas como pretexto
para descurar o respeito dos direitos fundamentais da Declaração
Universal dos Direitos do Homem.
E
o Papa aponta o facto de que, 70 anos depois, “muitos direitos fundamentais são
violados”. Entre eles, contam-se: o direito à vida; à liberdade; e à
inviolabilidade de cada pessoa humana. E, a lesá-los, não estão só a guerra ou
a violência. Hoje, há formas mais subtis: crianças inocentes, descartadas ainda
antes de nascer; idosos, também eles muitas vezes descartados, por estarem doentes
ou por serem considerados um peso; mulheres, que sofrem violências e
prepotências, mesmo no seio das famílias; e todos aqueles que são vítimas do
tráfico de pessoas, que viola a proibição de toda e qualquer forma de
escravatura. Quantas pessoas, em fuga da pobreza e da guerra, acabam objeto de
tal traficância perpetrada por sujeitos sem escrúpulos! –pondera o Pontífice.
Ora, para defender o direito à vida e à
integridade física e tutelar o direito à saúde da pessoa e dos familiares, “é
importante unir esforços para que se possam adotar políticas capazes de
garantir, a preços acessíveis, o fornecimento de medicamentos essenciais para a
sobrevivência das pessoas indigentes, sem transcurar a pesquisa e o desenvolvimento
de tratamentos”, que “são cruciais para salvar vidas humanas”. E, para defender
o direito à vida, é preciso “trabalhar ativamente pela paz”, promovendo o desarmamento
integral e o desenvolvimento integral, que “estão intimamente relacionados
entre si”, mas também “combater a injustiça e erradicar, de forma não violenta,
as causas da discórdia que levam às guerras”.
***
Depois, o Papa examinou as situações concretas
que perpassam o mundo do sofrimento, do temor e do conflito: a península
coreana; a Síria; os numerosos refugiados que encontraram acolhimento e refúgio
nas nações vizinhas, especialmente na Jordânia, Líbano e Turquia; o Iémen e o
Afeganistão; a tensão israelo-palestina, sobretudo depois que perigou o
estatuto especial de Jerusalém; a crise política e humanitária da Venezuela; o
sofrimento que grassa em muitas partes de África, especialmente no Sudão do
Sul, República Democrática do Congo, Somália, Nigéria e República
Centro-Africana, onde o direito à vida está ameaçado pela exploração indiscriminada
dos recursos, terrorismo, proliferação de grupos armados e conflitos prolongados;
a necessidade de alimentar o esforço comum por reconstruir pontes na Ucrânia; e
a urgência de clarificação do devir nos EUA. E Francisco adverte:
“Não basta indignar-se perante tanta violência! É preciso que cada um,
no seu próprio âmbito, trabalhe ativamente por remover as causas da miséria e
construir pontes de fraternidade, premissa fundamental para um desenvolvimento
humano autêntico.”.
***
Depois, dedica
uma especial reflexão à família, apresentando-a como “elemento
natural e fundamental da sociedade, que tem direito à proteção desta e do
Estado”. De facto, o direito a constituir família é reconhecido pela própria Declaração de 1948. É,
pois, importante que se reconheça a urgência de se proteger a família, sobretudo
quando passa a ser considerada uma instituição superada em muitos países. A este
respeito Francisco considerou:
“Em
vez da estabilidade dum projeto definitivo, preferem-se hoje ligações fugazes.
(…) Por isso, considero urgente que se adotem políticas efetivas em apoio da
família, da qual aliás depende o futuro e o desenvolvimento dos Estados. Sem
ela, de facto, não se podem construir sociedades capazes de enfrentar os
desafios do futuro.”.
A seguir, citou o inverno demográfico, a situação de famílias
dilaceradas por causa da pobreza, das guerras e das migrações e “o drama de crianças cruzando
sozinhas os confins que separam o sul do norte do mundo, frequentemente vítimas
do tráfico de seres humanos”.
***
O Pontífice dedicou
amplos parágrafos do discurso aos fluxos migratórios, recordando que a
liberdade de movimento pertence aos direitos humanos fundamentais. E frisou, a
este respeito:
“Por isso, é necessário sair duma
generalizada retórica sobre o assunto e partir da consideração essencial de que
se encontram diante de nós, antes de mais nada, pessoas”.
Mencionando a Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano
dedicada justamente aos migrantes e refugiados – com as 4 pedras miliárias: acolher, proteger, promover e integrar –, apontou o
drama deles, embora não esquecendo a obrigação de obedecerem às leis dos países
de acolhimento:
“Embora reconhecendo que nem todos estão sempre animados pelas melhores
intenções, não se pode esquecer que a maior parte dos migrantes preferiria
permanecer na sua própria terra, mas é forçada a deixá-la por causa de
discriminações, perseguições, pobreza e degradação ambiental”.
De modo
especial, o Santo Padre mencionou a sua última viagem internacional de 2017:
“Conservo ainda vivo no coração o encontro que tive em Daca com alguns
membros do povo rohingya e quero renovar os sentimentos de gratidão às
Autoridades do Bangladesh pela assistência que lhes prestam no seu território”.
Francisco manifestou a sua confiança em vista da adoção de
dois Pactos Mundiais (Global
Compacts) que serão
debatidos este ano, respectivamente sobre os refugiados e para uma migração
segura, ordenada e regular. E expôs a posição da Santa Sé:
“A Santa Sé não pretende interferir nas decisões que competem aos
Estados: a eles cabe – à luz das respetivas situações políticas, sociais e
económicas, bem como das próprias capacidades e possibilidades de receção e
integração – a responsabilidade primeira do acolhimento. Mas ela considera que
deve desempenhar um papel de ‘recordação’ dos princípios de humanidade e
fraternidade, que fundamentam toda a sociedade coesa e harmoniosa.”.
***
No âmbito da liberdade religiosa e do direito ao trabalho, o Papa
disse que “não há paz nem desenvolvimento, se o homem está privado da
possibilidade de contribuir pessoalmente para a edificação do bem comum”. A liberdade
religiosa inscreve-se no quadro da liberdade de consciência, de expressão e de
culto, tendo o homem até o direito de mudar de religião. O direito ao trabalho está
ao serviço do crescimento, da subsistência e da dignidade. Mas não se pode ultrapassar
a capacidade de cada um. Por isso, sobre o aumento do número de crianças
empregadas em atividades laborais e das vítimas das novas formas de escravidão,
declarou:
“Não
se pode pensar em projetar um futuro melhor se se continuam a manter modelos
económicos orientados meramente para o lucro e a exploração dos mais fracos,
como as crianças. Eliminar as causas estruturais de tal flagelo deveria ser uma
prioridade de Governos e organizações internacionais.”.
***
Após falar
dos direitos, Francisco concluiu o discurso com as obrigações de cada um para
edificação do bem comum. Entre elas, destacou o dever de cuidar da natureza,
como a Casa Comum. Recordou as vítimas de terramotos e furacões no México,
Caribe, EUA, Irão e Filipinas. E explicitou:
“As
alterações climáticas, com o aumento global das temperaturas e os efeitos
devastadores que isso comporta, são também consequência da ação do homem. Por
isso, é preciso enfrentar, com um esforço conjunto, a responsabilidade de
deixar às gerações seguintes uma terra mais bela e habitável, esforçando-se, à
luz dos compromissos concordados em Paris no ano de 2015, por reduzir as
emissões de gás nocivas à atmosfera e prejudiciais para a saúde humana.”.
2018.01.08 – Louro de Carvalho
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