A Plataforma
para o Crescimento Sustentável (PCS) emitiu, no
passado dia 20, com o beneplácito e o incentivo do Presidente da República, um
manifesto com cinco ideias-chave para um
novo Estado. E chama-lhe “um grito de alerta” em defesa de consensos
nacionais,
No documento de 56 páginas, o think
tank presidido pelo ex-ministro socialdemocrata Jorge Moreira da Silva
apresenta o diagnóstico dos principais garrotes ao crescimento do país e deixa
várias ideias para a reforma do Estado e do sistema político, sendo que o
Governo que integrou, apesar das intenções publicamente anunciadas e do escrito
paulino, não foi capaz de reformar o Estado, simplesmente porque isso divide a
sociedade e colide com os interesses instalados.
Sintetizam-se em cinco as ideias-chave fundamentais do manifesto,
coordenado por Abílio Morgado e com participação ativa de Hėlder Rosalino.
O objetivo da PCS, associação dita “independente, sem filiação partidária e
sem fins lucrativos” (aliás, o PSD de burka), é, segundo o documento, “a consensualização de uma verdadeira estratégia nacional (que não unanimismo) para a dignificação da política e para a
modernização do Estado”. E este é “necessariamente um processo que
requer um forte compromisso entre os agentes políticos, sociais e
económicos” e uma “tão intensa quanto urgente, ampla e bem
sucedida concertação social”.
O apelo ou grito eclode depois de a campanha interna do PSD ter ficado
marcada pelo posicionamento dos dois candidatos a líder, Rui Rio e Pedro
Santana Lopes, no tocante à disponibilidade para um entendimento com um
eventual futuro Governo socialista. Com efeito, Rui Rio, o vencedor das
eleições e que vai ser alçado a líder do partido, disse, durante a campanha,
estar disponível para entendimentos.
***
Passa-se agora à descrição sintética das cinco
ideias-chave fundamentais:
Um estado mais pequeno e austero. Segundo a PCS, o Estado não deve ser mínimo, mas tem
de ser mais pequeno e austero, “muito mais criterioso, transparente e eficaz” –
o que torna evidente a importância do “rigor” e da eliminação de desperdícios,
ineficiências e “subsídios e protecionismos injustificados”.
Funções de fomento económico, de
soberania e sociais. Há três funções essenciais
que o Estado deve cumprir: fomento da economia, preservação da soberania
e implementação das funções sociais. E o manifesto aduz que é no âmbito destas
funções que “a concertação dos
chamados acordos de regime mais adquire pertinência e mais deve
congregar as vontades responsáveis e construtivas dos líderes políticos e dos
parceiros sociais”. Assim, é nestes pontos basilares do Estado que, segundo
a Plataforma deve incidir consenso.
No atinente ao fomento da economia, trata-se de
promover o investimento público através do aproveitamento dos fundos europeus
para disponibilizar os equipamentos públicos estruturantes. E quando acabarem os fundos europeus?
As funções de soberania ou nucleares, que “têm de ser
garantidas e executadas pelo Estado, sem prejuízo das entidades reguladoras
independentes” e são elas: a função normativa; a gestão tributária; a justiça;
a diplomacia; a defesa, segurança e proteção e socorro. Já as funções sociais, no entender da PCS, “têm
de ser garantidas pelo Estado”, mas o Estado não tem de o fazer em
exclusividade. As funções em causa são: a saúde; a educação; e a proteção
social.
O que fazer no âmbito da função de
soberania? Defender a soberania implica muito mais do que as preocupações
territoriais. Por isso, nesta função enquadram-se as questões jurídicas,
regulatórias, fiscais, de justiça e de segurança nacional – que devem ser
objeto de alargado debate.
No reforço das capacidades jurídicas, o Estado deve “reabilitar urgentemente as suas
capacidades jurídicas próprias”, diminuindo a dependência de entidades
externas. Esta capacidade interfere diretamente com “o âmago da decisão
pública”, pelo que deve ser assegurada internamente.
No quadro do reforço da regulação independente, deve promover-se um “mercado plenamente concorrencial
e regulado, independente”. Dessa forma, o Estado pode contribuir para uma
“economia mais justa, mas também mais dinâmica e inovadora”.
O sistema fiscal deve orientar-se para o
crescimento sustentável. A este
respeito, a PCS sugere: a “fiscalidade verde”, em que se valorize a tributação
ambiental, aliviando-se a estrutura suportada na tributação do rendimento; o
não alargamento da tributação do património para lá do modelo atual; e o incentivo
forte ao reinvestimento dos lucros empresariais não distribuídos, caminhando-se
no sentido da redução do IRC. O objetivo final seria que as empresas fossem
“apenas tributadas autonomamente por algumas das suas despesas e por lucros
acumulados não reinvestidos e em que os lucros seriam tributados, assim que
distribuídos, exclusivamente na esfera dos sócios.
A PCS sugere a criação de novo órgão colegial para
diminuir litigância tributária, passando a ideia por
criar, “no seio da Autoridade Tributária, um órgão colegial de consulta,
constituído por pessoas de reconhecida competência e gozando do estatuto de
independência técnica”. O novo organismo teria como função pronunciar-se “sem
caráter vinculativo” sobre as reclamações ou situações litigiosas. O objetivo
seria constituir uma base “sólida” de “fundamentação para o decisor”, dando-lhe
“legitimidade acrescida e inquestionável opinião jurídica”.
Para a reforma do sistema de justiça a PCS assume como princípio básico a atuação da justiça independente de meios económicos e com
qualidade em todo o território. Para isso, aduz que é necessário
o redesenho amplo das competências dos tribunais em termos de território,
matéria, valor e hierarquia.
Urge a criação de um conceito estratégico de segurança
nacional para ir mais
longe do que ter apenas um conceito de defesa nacional, na medida em que
estariam incluídas questões como o abastecimento alimentar, hídrico,
medicamentar, energético e de matérias-primas. E estariam incluídas questões de
funcionamento de instalações críticas, de preservação ambiental, disseminação
nuclear, liberdade de circulação, o equilíbrio demográfico e migratório, o desempenho
económico-financeiro, entre outras.
Por outro lado, as Formas Armadas devem passar a ter
capacidade de intervenção interna, a par das
forças e serviços de segurança, face a ameaças como terrorismo, criminalidade
organizada, imigração ilegal, entre outras.
O que fazer no âmbito das funções
sociais? A PCS destaca três: a educação, a saúde e o sistema de
pensões. E deixa ideias bem contestadas e contestáveis para estas três áreas,
em que os partidos políticos dificilmente se entenderão.
A ideia fundamental, na educação, defendida no manifesto é a da liberdade
de escolha da escola por parte dos cidadãos, sendo esta considerada como uma
“poderosa alavanca de melhoria e concorrência dos projetos educativos”.
Convenhamos que é pouco o que a PCS sugere.
Depois, segundo a PCS, deve ser repetido na área da saúde o princípio da
liberdade de escolha. Será este o modo de assegurar mais concorrência no
sistema, que deve ter uma política de preços que estimule a competitividade.
Convenhamos, trata-se do favorecimento do negócio numa área vital para os
cidadãos, pela via do aumento dos seguros de saúde e pelo enriquecimento dos
serviços de saúde privados!
E é preciso, segundo a PCS, “redesenhar o modelo de
financiamento do SNS”, devendo
passar-se do modelo “contabilístico” de financiamento do Serviço Nacional de
Saúde, centrado no pagamento dos atos, a um “modelo centrado nos resultados e
nos ganhos para a saúde”.
A Plataforma sustenta que o problema da falta de justiça intergeracional –
na medida em que as gerações trabalhadoras atuais sustentam as pensões dos
reformados atuais sem a garantia de que venham elas mesmas a beneficiar de
direitos equivalentes – deve ser abordado. E defende que o regime de pensões deve
ser revisto de forma sistémica, sem separar a segurança social da Caixa Geral
de Aposentações, estrutural e de forma equilibrada e proporcional. A PCS
defende que as pensões a pagamento não devem ser alteradas, mas argumenta que
deve ser aceite a “opção por contas individuais de capitalização”.
Nada de novo. Apenas se acentua o abandono do conceito capitalizador e
mutualista dos fundos de pensões
Como revalorizar a Administração
Pública? O manifesto esgrime argumentos em prol de algumas
alterações da administração pública, que devem ser colocadas na agenda para lá
dos ciclos eleitorais”, incluindo a aprendizagem com os exemplos de outros
países, evitar objetivos contraditórios e identificar de forma clara o
público-alvo.
Quer reduzir o número de funcionários públicos, defendendo que se deve determinar quantos funcionários
integrarão as administrações públicas, optando pela via da racionalização. E diz
que o controlo de admissões deve continuar, nomeadamente através das
aposentações, pois só com a redução do número de funcionários será possível
“acomodar a redução sustentada dos custos com pessoal” sem ter de optar pelo
corte ou contenção de salários. Com vista a este objetivo, devem utilizar-se
ainda como ferramentas as rescisões amigáveis, a adaptabilidade, o banco de
horas e a mobilidade.
E, como não podia deixar de ser, vindo de quem vem,
sugere a revisão de salários, devendo ser consensualizada
e concretizada a revisão da política remuneratória da Administração Pública,
assente no alinhamento gradual com as práticas remuneratórias do setor privado”.
Isto significa salários mais baixos para os trabalhadores com funções menos
complexas e mais elevados para os níveis de maior responsabilidade. Porém, a
PCS defende que seja possível atribuir prémios e reconhecer o mérito dos
trabalhadores.
Mais: pretende-se cortar o laço entre recrutamento e
ciclo eleitoral com o objetivo de
consolidar as regras de recrutamento de dirigentes da Administração Pública por
forma a garantir a dissociação temporal entre a duração dos seus mandatos e os
ciclos políticos.
Quer a PCS a aproximação entre o contrato de trabalho
público e o privado, sendo este o guia. Assim,
o manifesto defende que o contrato de trabalho em funções públicas se aproxime ainda
mais do contrato abrangido pelo Código do Trabalho, nomeadamente no que diz
respeito à flexibilidade na organização dos tempos de trabalho.
Por fim, a PCS refere a necessidade de promover a
inovação e digitalização e
desmaterialização dos processos, urgindo “concretizar
soluções inovadoras na relação entre o Estado e os cidadãos e na utilização
eficiente dos recursos”.
***
É óbvio
que o Presidente da República aplaude e o Governo diz que vai pensar. Porém, o
PCP já veio alertar para o perigo.
O secretário-geral do PCP alertou
para a possibilidade dum regresso ao entendimento entre PS e PSD – aviso
chegado após os apelos ao consenso da parte do Presidente e a
disponibilidade frisada por Carlos César, presidente do PS, para a consensualização
com todos os partidos nos temas da transparência e da descentralização.
“O
comité central do PCP alerta para (…) a retoma formal ou informal do chamado
bloco central”, disse este domingo Jerónimo de Sousa.
O
líder comunista fez questão de frisar que “os avanços” conseguidos com o atual
Governo tiveram um impulso “decisivo” do PCP, até porque “noutras circunstâncias” o Governo de Costa não os teria adotado,
“como aliás nunca adotou”. E disse que o PCP “não desperdiçará
nenhuma oportunidade para contribuir” para a melhoria de vida das populações e
para “impedir uma política de direita, seja pelo PSD e CDS, seja pelo PS
sozinho, ou não”.
Por seu
turno, Catarina Martins, do BE, no Encontro das Florestas, do distrito de
Braga, realizado em Fafe, frisou:
“A direita está incomodada, porque sabe que, cada vez que nós
conseguimos que as pessoas que aqui vivem, que aqui trabalham, vivam um
bocadinho melhor, isso significa que temos a coragem de afrontar os grandes
interesses económicos que têm mandado sempre no país”.
Falando do novo líder do PSD, a coordenadora bloquista afirmou:
“Rui Rio é, precisamente, a voz dessa direita conservadora, dessa
direita dos negócios que quer voltar ao bloco central, ao monopólio do negócio,
que faz com que o poder político se vergue sempre face ao poder económico”.
Parecem
ter sido estes os pontos de resposta ao desafio de Sampaio para a clarificação
por parte do PCP e do BE, lançado também no dia 20 de janeiro.
***
Sem me
rever totalmente no alerta de Jerónimo de Sousa, tenho de confessar que o
manifesto se torna perigoso por minimizar as questões sociais deixando que
vingue a vertente do negócio, a concorrência e a cartelização dos preços sobre
produtos vitais, por propor um depauperamento crescente da administração
pública e por cavar a responsabilização do Estado pela proteção social. Ninguém
o obrigou a permitir abusos do passado, a esbanjar os recursos da Segurança
Social e a estatizar todo o regime de segurança social, a capturar muitos das
fundos de pensões ou a barrar as inscrições na CGA, não tendo contribuído para
ela na parte que lhe cabia como entidade patronal.
No
entanto, concordo com muitas das opções enunciadas no âmbito das funções de
soberania, que poderão constituir uma mais-valia na reforma do estado.
2018.01.21 –
Louro de Carvalho
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