Diz o
Cerimonial dos Bispos sobre a Missa da Epifania:
“[...] se tal for o costume local, após o canto do Evangelho, um dos
diáconos ou algum cónego ou beneficiado ou outra pessoa revestida de pluvial,
subirá ao ambão e daí anunciará ao povo as festas móveis do ano corrente” (CB, 240).
Este
anúncio pode fazer-se, em alternativa, a seguir à Oração
depois da Comunhão.
É a calenda, ou seja, o calendário das festas móveis de todo o ano, com
relevância para a data da Páscoa. Na verdade, Cristo, o novo Sol, a Luz que
triunfa sobre a obscuridade, dá sentido a todo o transcorrer do tempo e do ano.
Foi esta a primeira festividade do cristianismo – a que enuncia o kérigma da fé
cristã: Cristo morreu, foi sepultado e
ressuscitou – e, à luz desta e para seu melhor enquadramento e
aprofundamento, foi-se descobrindo a importância teológica e pastoral de
celebrar outras.
Usa-se o
seguinte formulário, que pode ser recitado ou cantado, com as datas do
respetivo ano (este
é o de 2018):
“Irmãos caríssimos, a glória do Senhor manifestou-se, e sempre há de manifestar-se
no meio de nós, até à sua vinda no fim dos tempos. Nos ritmos e nas
vicissitudes do tempo, recordamos e vivemos os mistérios da salvação.
O
centro de todo o Ano Litúrgico é o Tríduo do Senhor crucificado, sepultado e
ressuscitado, que culminará no Domingo de Páscoa, este ano em 1 de abril.
Em
cada domingo, Páscoa semanal, a Santa Igreja torna presente este grande
acontecimento, no qual Jesus Cristo venceu o pecado e a morte.
Da
celebração da Páscoa do Senhor derivam todas as celebrações do Ano Litúrgico:
- As cinzas, início da Quaresma, em 14 de fevereiro;
-
A Ascensão do Senhor, em 13 de maio;
-
O Pentecostes, em 20 de maio;
-
O 1.º Domingo do Advento, em 2 de dezembro.
Também
nas festas da Santa Mãe de Deus, dos Apóstolos, dos Santos, e na comemoração
dos Fiéis Defuntos, a Igreja peregrina sobre a terra proclama a Páscoa do
Senhor.
A
Cristo que era, que é e que há de vir, Senhor do tempo e da história, louvor e
glória pelos séculos dos séculos. Amém.”
A calenda começa
com a verificação de que Deus Se manifestou na sua graça, como fonte de
salvação para todos os homens (cf Tt 2,11), sendo
que esta epifania se prolongará no tempo e pelo tempo até à vinda de Cristo
Senhor no fim dos tempos.
Releva como
centro do Ano Litúrgico o Tríduo do Senhor crucificado, sepultado e
ressuscitado, que culminará no Domingo de Páscoa, que se renova semanalmente em
cada domingo. E é da celebração da Páscoa, como solenidade mor que derivam todas as celebrações do Ano
Litúrgico. Assim, Natal, Epifania e Quaresma – que se encaminham para a Páscoa
– tiram desta o sentido e a celebram no seu conteúdo fundamental da libertação
do pecado e da morte por ação de Cristo, tal como a Ascensão, o Pentecostes e,
depois, o Advento do próximo Ano Litúrgico.
É esta a
condição da Igreja peregrina que celebra e proclama a Páscoa do Senhor mesmo
nas festas da Santa Mãe de Deus, dos
Apóstolos, dos Santos, e na comemoração dos Fiéis Defuntos.
E o pregão
termina com uma doxologia em honra do Cristo Alfa e Ómega, Princípio e Fim, o
“Ontem e Hoje e Sempre”.
***
Esta tradição
remonta aos primórdios da Igreja. O Patriarca de Alexandria, cidade na qual os
astrónomos eram os mais qualificados do cristianismo, tinha a missão de enviar
a data da solenidade pascal para os outros patriarcas orientais e ao Pontífice
Romano, que informaria os Metropolitas do Ocidente. Embora não haja nenhuma
menção à fixação da data da Páscoa nos cânones do Concílio de Niceia que foram
preservados, sabe-se que o tema foi discutido e decidido pelo Concílio, com
três textos: uma carta do imperador Constantino; uma carta sinodal à Igreja de
Alexandria; e uma carta escrita por Santo Atanásio em 369 aos bispos da África.
Assim, os bispos tomaram a prática de publicar, anualmente, a 6 de janeiro, a Epistola festalis – a carta pastoral na
qual eram anunciadas a data da Páscoa e as das festas móveis do ano em curso.
Muitos Padres da Igreja primitiva falam do anúncio da data da Páscoa, na festa
da Epifania. E alguns concílios também o referem. Assim:
O IV Concílio de Orleães (541) traz o seguinte cânone sobre o anúncio das Festas Pascais:
“Foi
decidido, com a ajuda de Deus, que a santa Páscoa seja celebrada por todos os
bispos na mesma data, segundo a tabela de Vítor de Aquitânia. Esta festa deve
ser anunciada ao povo, na igreja, no dia da Epifania. Sempre que se levante
alguma dúvida a propósito desta solenidade, aceite-se a decisão pedida ou
conhecida da Sé Apostólica pelos metropolitas.”.
Um cânone
semelhante é promulgado pelo Concílio de Auxerre (561-605):
“Todos
os presbíteros, antes da Epifania, enviem os seus emissários que os informarão
sobre o início da Quaresma; e o povo seja avisado disso no dia da Epifania”.
O Pontificale Romanum traz uma fórmula
melódica para se cantar o Anúncio das Solenidades Móveis. É uma fórmula que faz
uso do mesmo recitativo gregoriano usado para o Exultet gregoriano da Vigília Pascal (o canto do precónio ou do anúncio da Páscoa), o que dá um gosto da alegria da Páscoa para esta
antecipada publicação da data da Páscoa.
Tal melodia
encontra-se publicada no Hinário Litúrgico da Arquidiocese de Campinas –
Fascículo 1 (Advento e
Natal) n.º 95.
A propósito,
convém relembrar as palavras do Papa Bento XVI na Homilia da Epifania do Senhor, a 6 de janeiro de 2006:
“No
mistério da Epifania, ao lado de um movimento de irradiação para o exterior,
manifesta-se um movimento de atração para o centro, que leva a cumprimento o
movimento já inscrito na Antiga Aliança. A fonte deste dinamismo é Deus, Uno na
substância e Trino nas Pessoas, que atrai a si tudo e todos. A Pessoa encarnada
do verbo apresenta-se assim como princípio de reconciliação e de recapitulação
universal (cf Ef 1, 9-10). Ele é a meta final da história, o ponto de chegada
de um ‘êxodo’, de um caminho providencial de redenção, que culmina na sua morte
e ressurreição. Por isso, na solenidade da Epifania, a liturgia prevê o chamado
‘Anúncio da Páscoa’: o ano litúrgico, de facto, resume toda a parábola da
história da salvação, em cujo centro está ‘o Tríduo do Senhor crucificado,
sepultado e ressuscitado.”.
***
Segundo o
Cerimonial dos Bispos, “a antiga solenidade da Epifania do Senhor deve-se
contar entre as maiores festas do ano litúrgico, pois celebra, no Menino
nascido de Maria, a manifestação daquele que é o Filho de Deus, o Messias dos
Judeus e a Luz das Nações”. É uma das festas
mais importantes do ano cristão, honrada com a categoria de solenidade, que
celebra a manifestação ou as manifestações de Cristo Jesus. E contém em si
as sementes da Páscoa: Cristo adorado e presenteado pelos pastores, os simples,
e pelos sábios, provindos de longe, não tanto pelos que moram perto dele;
Cristo como sinal de contradição, para levantamento de muitos e queda de
outros, Luz para todos, mas pretexto para se afirmarem os intentos dos
corações, a ponto de uma espada de dor trespassar o coração da Mãe, que pensava
em tudo o que ouvia, conservando em seu coração (cf Lc 2,29-35).
Recorde-se o sentido etimológico e originário de Epifania – tão próximo
das teofanias do Crucificado (Este é
verdadeiramente o Filho de Deus – Mc 15,39) e do Ressuscitado (“Vai ter com os meus
irmãos e diz-lhes: ‘Subo para o meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus, que
é vosso Deus” – Jo 20,17) – e a génese histórica da festividade.
“Epifania” é uma palavra grega que deriva de “epi” e “faino”
(brilhar, manifestar-se). São Paulo diz a Tito que “se manifestou-se (epifáne) a graça de Deus… aguardando a ditosa esperança e
manifestação (epifáneia) da glória do
nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo” (Tt
2,11.13).
A celebração da Epifania tem a sua origem nas
Igrejas do Oriente. No século III, aparece no Egito – para dali passar a
Jerusalém e à Síria, no século IV –, como festa celebrativa da manifestação do
Senhor, entendida como o seu nascimento – a grande epifania ou teofania –, relacionada
provavelmente com a festa do Sol Invicto (Cristo
é o Sol da Justiça, que nos vem do Nascente), época do ano em que o Sol está
perto dos homens e a duração do dia começa já a triunfar sobre a da noite. Por
isso, tinha também o nome da “festa das luzes”.
Na verdade, “o povo que
andava nas trevas viu uma grande luz” (Is 9,1), a luz de
Cristo. Por outro lado, realiza-se o convite do profeta:
“Levanta-te e resplandece, Jerusalém, que
está a chegar a tua luz! A glória do Senhor amanhece sobre ti! Olha: as trevas
cobrem a terra, e a escuridão, os povos, mas sobre ti amanhecerá o Senhor. A
sua glória vai aparecer sobre ti. As nações caminharão à tua luz, e os reis ao
esplendor da tua aurora. Levanta os olhos e vê à tua volta: todos esses se
reuniram para vir ao teu encontro.” (Is 60,1-4).
Rapidamente, a festividade passou também a Roma e ao
Ocidente, apesar de, aqui, por essa mesma altura, ter surgido a festa da
Natividade ou Nascimento do Salvador. Parece ter havido um intercâmbio: no
Ocidente, aceitou-se a Epifania, dando-se-lhe o sentido da manifestação aos
magos, como representantes dos povos pagãos; e, no Oriente, foi aceite a
Natividade, como a festa do nascimento, passando, então, a da Epifania, a ser
sobretudo o dia batismal.
Por muitos testemunhos antigos, vê-se que a Epifania tende a
condensar, numa só festividade, as várias manifestações do Senhor. Ainda hoje,
a antífona do Magnificat, nas
segundas Vésperas desta Solenidade, enuncia:
“Recordamos neste dia três mistérios: hoje a
estrela guiou os Magos ao presépio; hoje, nas bodas de Caná, a água foi mudada
em vinho; hoje, no rio Jordão, Cristo quis ser batizado, para nos salvar”.
E a antífona do Benedictus,
em Laudes, refere algo idêntico,
embora por outra ordem:
“Hoje a Igreja uniu-se ao seu esposo
celeste, porque, no Jordão, Cristo a lavou dos seus pecados; os Magos, com
presentes, correm às festas das núpcias reais; e os convivas alegram-se com a
água transformada em vinho”.
O enviado de Deus, a quem, apenas há uns dias, celebrámos
como criança, manifesta-se progressivamente como Messias: aos Magos, no Jordão
e no seu primeiro milagre, em Caná.
Em alguns países, sobretudo se não for dia de preceito,
trasladou-se esta solenidade, para o domingo que cai entre o dia 2 e o dia 8 de
Janeiro. Assim,
neste final de semana, 6 e 7 de Janeiro, celebramos, em Portugal, a
solenidade da Epifania do Senhor, ou manifestação Cristo a todos os homens – que
se torna o palco do Anúncio das principais festividades do Ano.
O texto
de Mateus possui uma belíssima história de três figuras exóticas, que vieram do
Oriente extremo, a render homenagem ao Rei dos Judeus. Não conhecemos
absolutamente nada destas três figuras quase lendárias. Mais tarde, a tradição deu-lhes
os nomes de Baltasar, Gaspar e Melchior e até mesmo detetou o lugar das suas
proveniências. Mas tudo isto é pura especulação.
Estas
três personagens são importantes, a ponto de marcarem uma solenidade do Senhor.
São-no para o Evangelista Mateus e, consequentemente, para nós, porque
representam, simbolicamente, todos aqueles e aquelas que viriam do Oriente e do
Ocidente, sempre, segundo este Evangelista, e se sentariam à mesa com o Deus de
Abraão, de Isaac e Jacob. São os representantes dos pagãos convertidos ao
Cristianismo; os representantes daqueles e daquelas que receberam Jesus, sem
passarem pelo Judaísmo, isto é, todos nós.
Interessante
o texto de Mateus a ensinar-nos que, enquanto aqueles que possuíam as chaves da
Escritura, os sacerdotes, escribas e, de certa maneira, os chefes de Jerusalém,
se fecharam ao Rei dos Judeus, os pagãos se abriram a Ele. E, quando este
Evangelho foi escrito, no final do século I, esta era a realidade na comunidade
de Mateus, bem mais repleta de pagãos tornados cristãos, do que cristãos
provindos do Judaísmo. Muitos vieram, vêm, virão e continuam a vir, porque a
Igreja recebe muitos filhos diariamente com o batismo; do Oriente e do Ocidente
muitos continuarão a vir, pois o dom de Deus, em Cristo, abre-Se e descortina-Se
para toda a humanidade e não apenas para os Judeus. Este é o segredo e a
novidade da epifania aos magos!
Contudo,
há aqui um Anticristo: Herodes, uma figura triste, medrosa e medonha que
procura, segundo o relato de Mateus, matar Jesus. Mal acabado de nascer, o Rei
dos Judeus já é objeto do medo de Herodes que se transforma em sanha de morte.
E é em nome deste título que morrerá Jesus. Com efeito, por ocasião da sua
paixão e morte, surge como letreiro da Sua cruz: “Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus” (Jo 19,19).
Herodes,
embora figura histórica, é aqui o representante das trevas, o representante e o
símbolo negativo de todos aqueles e aquelas que, durante 20 séculos de
Cristianismo, fizeram tudo e de tudo para obnubilar e silenciar o Rei dos
Judeus, para Lhe apagar a memória. E nós recordamo-nos de grandes perseguidores,
de figuras sinistras, de figuras que se opuseram sistematicamente aos planos de
Deus.
Ainda
hoje existem Herodes e muitos. E o Papa aponta os Herodes de turno, insaciáveis
com o derramamento de sangue de vítimas inocentes ou com a exploração, espezinhamento
e degradação dos outros. Ainda hoje existem pessoas que procuram semear o antievangelho,
as trevas, o joio, e procuram desviar os outros do Rei dos Judeus. Nós sabemos bem
o significado da solenidade e damos graças a Deus por ter oferecido a Luz da salvação
a toda a humanidade, e queremos imitar não Herodes, mas os magos, que nos
precederam a adorar o Rei dos Judeus.
Por fim,
aqui fica a síntese do mistério da Epifania como São Paulo o entende:
“Com certeza, ouvistes falar da graça de
Deus que me foi dada para vosso benefício, a fim de realizar o seu plano: que,
por revelação, me foi dado conhecer o mistério, tal como antes o descrevi
resumidamente. Lendo-o, podeis fazer uma ideia da compreensão que tenho do
mistério de Cristo, que, não foi dado a conhecer aos filhos dos homens, em
gerações passadas, como agora foi revelado aos seus santos Apóstolos e
Profetas, no Espírito: os gentios são
admitidos à mesma herança, membros do mesmo Corpo e participantes da mesma
promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho.” (Ef 3,2-6).
2018.01.07 –
Louro de Carvalho
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