terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Uma carta ao Bispo diocesano não é um ato imponderado

Errar é humano e pedir desculpa é um ato de nobreza e hombridade. Porém, dar uma desculpa esfarrapada não é digno de um homem, sobretudo se é de um clérigo que estamos a falar em tempos de transparência e assunção de responsabilidade pelos próprios atos. Mas ainda bem que nem todos pensam como eu. E o Padre Abel Maia tem um coração grande.
Vários órgãos de comunicação social noticiaram que o Padre Roberto Carlos Sousa, ex-pároco de Canelas, Vila Nova de Gaia, antes da sessão de julgamento, pediu desculpa, no gabinete de um dos juízes do Tribunal do Bolhão, no Porto, ao Padre Abel Maia, que estivera abrangido por suspensão de funções por decisão da Autoridade Eclesiástica da Arquidiocese de Braga.
A polémica estalou em novembro de 2014. O Padre Roberto tinha, da parte da respetiva estrutura diocesana, ordem de transferência de Canelas para a vigararia de Lousada ou para a de Marco de Canaveses. Porém, persistia em continuar naquela paróquia do concelho de Vila Nova de Gaia, tendo o falecido Bispo do Porto continuado a fazer esforços por lhe minimizar a situação – já que o sacerdote não estaria disponível para outro serviço paroquial – oferecendo-se para lhe conseguir outro cargo, nomeadamente através de diligências junto do Ordinariato Castrense, que pedira um sacerdote para ser Capelão, ou no serviço de Assistência Hospitalar na Diocese, onde havia lugares que aguardavam provimento, aliás como Roberto sugerira.
Entretanto, Roberto acabara por nada mais aceitar, insistindo na permanência em Canelas à revelia do prelado e servindo de pretexto para a criação de problemas ao sucessor, convicto de que tinha feito boa obra, alegadamente enfrentando os caciques locais. Isto, porque recusara a iniciativa da ereção duma estátua nas cercanias da igreja paroquial ao antecessor em homenagem ao seu espírito de iniciativa e labor pastoral, aduzindo que era melhor gastar aquele dinheiro no apoio aos sofredores da crise que assolou o país. Opiniões!
Entretanto, comunicou ao Bispo diocesano que, ao deixar a paróquia de Canelas, não aceitaria outra missão pastoral na Diocese e que continuaria sacerdote no exercício. Mais tarde, enviou-lhe uma carta a dizer que só permaneceria pároco, caso o prelado pedisse pública desculpa à comunidade de Canelas pelos danos causados, demitisse o Vigário Geral e desautorizasse expressamente o Bispo Auxiliar, Dom Pio Alves de Sousa (vd memorando no site da diocese).
***
Sentindo-se alegadamente cercado por calúnias, o Padre Roberto enviou nova carta ao falecido Bispo do Porto, onde imputava ao Padre Abel Maia, seu antigo professor, também sacerdote dehoniano, abuso sexual de menores em Coimbra, em 2003 e, mais tarde, em Paredes. E tentou a chantagem: se o Bispo insistir em o mandar embora, ele contará publicamente o alegado caso.
Apesar de o sacerdote apontado como abusador não ser da diocese nem de nela estar a prestar serviço na ocasião, mesmo assim, o prelado entregou o caso às autoridades judiciárias (DIAP) para investigação e possível julgamento.
Em novembro de 2014, terminou oficialmente o vínculo de Roberto Carlos à paróquia de Canelas. Albino Reis é designado como o novo pároco, mas centenas de pessoas tentam agredi-lo. Sempre que pretendia celebrar missa, precisava de ser escoltado pela GNR. E a polémica e a divisão continuaram. É de registar que, ainda na véspera do dia em que estava agendado o julgamento, centenas de pessoas rodeavam o Padre Roberto na missa que celebrou no salão da Associação Recreativa de Canelas.
Porém, Roberto Carlos não voltava a assumir oficialmente a paróquia de Canelas.
O sacerdote indiciado foi suspenso, pela Autoridade Arquidiocesana de Braga, das funções eclesiásticas que exercia em Fafe e o Ministério Público investigou as denúncias.
O Padre Maia clamou por inocência. E o processo acabou por ser arquivado, em julho de 2015, por insuficiência de prova que validasse os indícios apontados.
Tendo tomado conhecimento do desfecho do processo, o Padre Maia processou o colega e seu antigo aluno por crime de difamação agravada. Este processo, como refere o JN de hoje, dia 23, “cirandou” pelos tribunais e só ontem, dia 22, chegou a julgamento, que não chegou a realizar-se. Com efeito, o Padre Roberto pediu perdão ao ofendido e deu explicações. O Padre Maia aceitou claramente o pedido de desculpa, mas com a condição de tal pedido ser veiculado em dois jornais de expansão nacional. Com o perdão da parte do Padre Maia o processo considera-se extinto na justiça.
Diz o JN que “o que ninguém na Igreja conseguiu fazer foi ontem obtido por um juiz de Direito”. Pudera!
À saída, o Padre Roberto não prestou declarações, furtando-se com simpatia e firmeza a dizer o que quer que fosse, nomeadamente se e porque inventara aquelas graves acusações. Ao invés, o Padre Maia não escondia a satisfação por ter “recuperado o nome que andava na lama há quatro anos”, atirando:
Se não fosse a minha família, os meus amigos e a minha fé, eu já estava num manicómio ou num hospital com uma depressão”.
Questionado sobre o motivo para não terem conversado antes, Abel Maia disse que a iniciativa não poderia partir de si: “Eu não ia a correr abraçá-lo. Ele nunca tentou falar comigo”. Mas agora frisou:
Claro que perdoo, se perdoo toda a gente, não ia agora perdoar a um padre”.
Armandino Lopes, o advogado do Padre Roberto, justifica:
 “Fez-se um entendimento entre duas pessoas de bem, dois padres que, efetivamente, perceberam que o que estava em causa era uma questão de mal-entendido. O meu constituinte reconheceu que uma das iniciativas que tomou, enviar uma carta ao Bispo do Porto a acusar o Padre Abel Maia, foi um ato imponderado.”.
O causídico referiu que o Padre Roberto manifesta “total solidariedade” ao sacerdote Abel Maia, lamentando o transtorno causado a si, à sua família, aos seus amigos e às paróquias por onde passou.
Por seu turno, Nélson Domingues, o advogado do Padre Abel Maia, adiantou que os dois tiveram uma “conversa franca” que permitiu “encerrar” o caso. E afirmou que “tanto um como outro deram um exemplo, tal como dois padres devem fazer”.
***
Dou graças a Deus por os dois sacerdotes chegarem a entendimento. Não bastava que tivesse surgido o problema, sendo ainda necessário tudo fazer para que ele não perdurasse.
Porém, é preciso admitir que os advogados e os tribunais são exatamente para conseguir acordos entre as partes sempre que tal for possível, mais do que para multiplicar os julgamentos.
Há, entretanto, uma coisa que não aceito. E esta é a razão que levou à titulação deste escrito. Não é plausível nem aceitável a desculpa de que o ato do padre Roberto foi resultado dum “mal-entendido” ou que a denúncia ao Bispo do Porto tenha sido um “ato imponderado”.
Recordo que o sacerdote deu, em 2015, uma entrevista ao Expresso, em que narrava os acontecimentos à sua maneira. E tinha direito a essa narrativa e os leitores que julgassem. Mas, do meu ponto de vista, não tinha o direito de proclamar que o Bispo era uma marioneta nas mãos dos outros (fazia um juízo de valor depreciativo e ofensivo). Tive ocasião de me pronunciar neste sentido em carta àquele semanário, que a publicou na íntegra.
Na verdade, uma denúncia de crimes sexuais, sobretudo com menores, nem se faz de ânimo leve, sem ter a certeza, nem se joga por força de estados de alma. E não se utiliza como chantagem a ameaça da sua publicação para conseguir ou evitar o que quer que seja. Isto na minha terra chama-se falta de caráter, em que um ser humano (não precisa de ser um padre) não pode cair; e, se vier a cair num atos destes, deverá, de imediato retratar-se e pedir desculpas.
Por outro lado, a denúncia e a ameaça de publicitação não ocorreram numa conversa de café, mas através duma carta endereçada a uma entidade com responsabilidades sobre o coletivo. Ora, um texto escrito, da parte de uma pessoa culta, não pode ser considerado um ato imponderado. Não se pode deitar poeira para os olhos da opinião pública.
E não percebo como é que um líder destes tem centenas de seguidores e admiradores, quando o normal é a provisão e dispensa dos ofícios eclesiásticos por iniciativa do prelado ou a pedido do interessado – obviamente sempre em diálogo e na concertação possível. Aliás, os padres no ato da ordenação prometem obediência ao bispo diocesano e seus sucessores ou, se não são diocesanos, ao respetivo ordinário.
Mas, enfim, quem não tiver pecado atire a primeira pedra!

2018.01.23 – Louro de Carvalho  

Sem comentários:

Enviar um comentário