terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Setúbal e Porto homenagearam o primeiro Bispo de Setúbal

Em Setúbal, o seu prelado emérito, recentemente falecido, foi homenageado pela e a partir da Escola Secundária de que é patrono o homenageado, sita naquela cidade, sede da diocese de que foi o primeiro Bispo.
Assim, a Escola Secundária Dom Manuel Martins assinalou a memória do nascimento do seu patrono com a homenagem intitulada “Olhares da sua Escola”. Do programa do tributo, que decorreu entre os dias 20 e 25 de janeiro, destacou-se, a rota solidária, a inauguração dum busto do primeiro prelado diocesano de Setúbal, um selo, uma exposição e uma sessão solene.
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No dia 20 de janeiro, data em que se evoca a memória do nascimento do Bispo que faria então 91 anos, teve lugar, a partir das 9,30 foras, uma “Rota Cicloturística Solidária”, inspirada no gosto do prelado de andar de bicicleta pela cidade. A participação implicava a entrega, no local de concentração – parque de estacionamento da escola, de um bem alimentar não perecível, que reverteu a favor das famílias carenciadas daquela comunidade escolar
Para esta atividade, a Direção da Escola dirigiu uma carta-convite aos professores, funcionários, alunos, encarregados de educação e parceiros, apelando à participação, mediante inscrição prévia, dispondo de bicicleta e capacete, mas esclarecia que, se alguém não pudesse ou não quisesse participar na rota cicloturística, poderia igualmente contribuir com o donativo referenciado fazendo a sua entrega no lugar e hora dos participante na atividade ciclista.  
Considerando o sucesso da iniciativa, Clemência Funenga, diretora da Escola, afirmou “possível e desejável que todos os anos se faça, a 20 de janeiro, um evento desportivo em homenagem a Dom Manuel Martins, e solidário de apoio do Centro Social Paroquial Dom Manuel Martins, que tanto tem feito pelas pessoas com mais necessidades desta zona da cidade de Setúbal”.
De facto, aquela comunidade educativa sente que o prelado era “presença amiga e inspiradora” e tinha uma “visão clara e iluminada da realidade” sendo reconhecida a “dedicação pastoral aos mais necessitados”.
No dia 25, a homenagem constou da inauguração, pelas 10,30 horas, do busto do primeiro Bispo de Setúbal, obra do professor Amílcar Souza, no átrio da escola, a que se seguiu, na biblioteca, a o lançamento da emissão dum selo comemorativo de Dom Manuel Martins, espaço onde está patente uma exposição interativa de fotografias, obras e manuscritos do primeiro Bispo de Setúbal, subordinada ao tema “Quero Que Sejas Tu”. Depois, decorreu, no auditório da Escola, a sessão solene, com a presença um painel de debate intitulado “O Legado Social de D. Manuel Martins, sob a moderação de António Sousa Duarte, seu biógrafo.
Compunham o painel de convidados, além de João Costa, Secretário de Estado da Educação, Ricardo Oliveira, Vereador da Educação, Nuno Costa, Presidente da Junta de Freguesia de São Sebastião: Eugénio Fonseca, Presidente da Cáritas Portuguesa; Maria Odete Marques, professora aposentada, que colaborou com a Diocese de Setúbal na Pastoral Familiar; e o Padre Constantino Alves, pároco de Nossa Senhora da Conceição – personalidades para quem o prelado sadino fora um mestre e um pai. E o atual Bispo de Setúbal, Dom José Ornelas, encerrou o painel.
O Secretário de Estado da Educação abriu o painel congratulando-se pela comemoração dupla dos 35 anos da Escola Secundária Dom Manuel Martins, “que não trabalha para os rankings nem para as notas, mas para todos, sem discriminar ou segregar” e da homenagem ao falecido prelado emérito. Segundo este membro do executivo de António Costa, o então Bispo de Setúbal cumpre os requisitos do perfil do aluno, definido pelo Ministério da Educação como “aquele que sabe muitas coisas, mas é capaz de acolher esse conhecimento e pensar crítica e ativamente sobre o mundo, relevando-se um cidadão inquieto”.
Maria Odete Costa, por sua vez, frisou que teve o privilégio de trabalhar com o Bispo, na Pastoral da Família, nascendo a partir daí uma relação de amizade. E disse:
No Dom Manuel encontrei um pastor e um verdadeiro mestre. Ele sabia estar tão próximo da juventude a quem reconhecia o seu valor. O legado social de Dom Manuel Martins dá a sua atenção aos jovens, que dizia pertencerem a uma faixa etária ágil, mas muito frágil.”.
O Padre Constantino Alves iniciou a sua intervenção, relembrando o momento particular e delicado que se vivia quando aquele Bispo de Setúbal foi ordenado. O caldeirão revolucionário de 1975, seguido da grande depressão, os salários em atraso, a fome e as lutas sociais atiravam o distrito de Setúbal para as manchetes da comunicação social nacional, europeia e internacional pelas piores razões. Para o primeiro sacerdote ordenado pelo bispo emérito, no respeitante ao seu legado, “o mais importante é incorporar em nossas vidas as suas experiências, ensinamentos e os desafios que nos levantou e continua a levantar ainda hoje”. O sacerdote referiu ainda:
O Bispo exercia o carisma da profecia, acolhia trabalhadores, sindicatos e comissão de trabalhadores. Com uma voz forte anunciava a fome e a injustiça e exploração dos trabalhadores. Não tinha uma linguagem politicamente correta, embora dialogasse educadamente com as autarquias e com o poder.”.
E Eugénio Fonseca sustentou que “nasceu de novo” ao conhecer Dom Manuel, porque “a visão que tinha do meu compromisso cristão era muito normativa, intimista e não só pela palavra, mas pelas suas atitudes, percebi o que era ser cristão, que é muito mais exigente que ser católico”.
Dom José Ornelas, em breves palavras, ao encerrar o painel, sublinhou que a dignidade, liberdade e respeito, valores pelos quais o homenageado sempre pautou toda a sua vida, só foram possíveis porque era um homem verdadeiramente livre, com uma vida totalmente configurada com a vida de Jesus. E confessou:
Dom Manuel disse-me várias vezes: ‘de joelhos, só diante de Deus’. Foi assim que ele viveu toda a vida e assim trilhou um caminho de liberdade e coragem, denunciando as injustiças sociais.”.
A exposição interativa referenciada integra também a bicicleta que o primeiro Bispo de Setúbal usou até 2017 (gentileza da família), a par da campanha de recolha de bens alimentares para o Centro Social Paroquial Dom Manuel Martins.
Depois de inaugurar, em parceria com o Bispo de Setúbal Dom José Ornelas, o busto acima referido, obra de um professor da escola, a Diretora daquele estabelecimento de ensino, Clemência Funenga, disse que aquele busto pretende dar a conhecer o patrono e a sua obra a todos os que ali entrarem. E explicitou:
Esta obra era uma ambição da nossa comunidade educativa. Já há muito que o queríamos fazer, mas agora só foi possível, e com o apoio, desde a primeira hora, do Senhor Bispo de Setúbal, D. José Ornelas, a quem agradecemos. Esta é uma forma de manter viva a memória de D. Manuel Martins e continuar a dar a conhecer a sua vida e obra.”.
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No Porto, no dia 20 de janeiro, a homenagem, que constou de uma sessão solene evocativa, foi promovida pela Fundação Spes, de que Dom Manuel foi o primeiro Presidente e decorreu na Paróquia de Cedofeita, comunidade onde o prelado foi pároco entre 1960 e 1969, e constituiu um tempo de memória e de testemunho sobre a personalidade e a ação pastoral deste Bispo que faleceu no dia 24 de setembro de 2017.
No painel que preencheu a sessão de homenagem, usaram da palavra: Dom Carlos Azevedo, Delegado do Conselho Pontifício para a Cultura no Vaticano; o Dr. Silva Peneda, ex-Ministro do Emprego e da Segurança Social e ex-Presidente do Conselho de Concertação Social; Luís Morgado, operário e sindicalista em Setúbal; o Padre José Aires Lobato, vigário geral da diocese de Setúbal; e Dom António Taipa, Administrador Diocesano do Porto.
Para este painel de oradores foi também convidado o General Ramalho Eanes, ex-Presidente da República que, por motivos de saúde, não pôde estar presente. No entanto, a esposa, Dra. Manuela Eanes, esteve presente testemunhando a profunda amizade que unia o casal Eanes ao falecido Bispo de Setúbal.
Em declarações à Voz Portucalense, José Ferreira Gomes, Presidente da Fundação Spes e anfitrião da homenagem, salientou a grandeza da personalidade de Dom Manuel tendo afirmado que o Bispo de Setúbal “tinha uma presença muito aguda na leitura dos acontecimentos do dia a dia” sempre muito preocupado com os “problemas dos mais fracos”.
O Bispo Dom Carlos Azevedo evocou o finado prelado sadino, salientando ter sido o “primeiro herdeiro do pensamento de Dom António Ferreira Gomes” na sua presidência da Fundação Spes. Dom Carlos, que sucedeu a Dom Manuel Martins como Presidente da Fundação Spes, assinalou ainda que “foi a trabalhar na Fundação” que conheceu mais de perto o homenageado, em que se revelou a “humanidade do seu trato, a capacidade de gerar comunhão nos colaboradores, de os incentivar a dar o seu melhor”. O Delegado do Conselho Pontifício para a Cultura também revelou que o Bispo de Setúbal era sempre “a favor dos mais desfavorecidos da sociedade” tendo sido, por isso, um “praticante existencial” dos valores que defendeu Dom António Ferreira Gomes, que foi Bispo do Porto e figura inspiradora da Fundação Spes, instituição criada em abril de 1989. Testemunho dessa preocupação com os mais carenciados, eram as pessoas que o Bispo emérito recebia na Fundação “todas as sextas-feiras” e a quem ajudava. Isto, segundo Dom Carlos Azevedo, “fazia-o ter contacto com a realidade concreta das dificuldades das pessoas”.
Por sua vez, o Dr. Silva Peneda sublinhou que, no tempo em que Dom Manuel foi Bispo de Setúbal, “a fome era uma realidade” naquela região. O ex-Ministro do Emprego e da Segurança Social, que exerceu funções ministeriais entre 1987 e 1993, assinalou que o prelado teve uma “função política fundamental” na diocese de Setúbal. Era ação “política na verdadeira aceção da palavra”. Sustentando que “era um homem muito corajoso”, Silva Peneda realçou a importância da ação de Dom Manuel Martins na resolução do “drama social muito grande” por que passou o distrito de Setúbal nos anos 80 e 90.
Justamente, sobre os aspetos da ação de Dom Manuel na área social e na defesa dos trabalhadores, falou Luís Morgado, operário e sindicalista, salientando o apoio que o Bispo deu, em particular, com declarações à comunicação social, chamando, assim, a atenção da opinião pública para os problemas por que passavam os trabalhadores em Setúbal. Mas o prelado não foi apenas uma presença junto dos órgãos de informação; foi-o também junto dos que mais sofriam o flagelo dos salários em atraso em Setúbal. Segundo Luís Morgado, “a dinâmica gerada pela presença do Bispo não só ajudou à unidade de todos os trabalhadores, como ajudou a que se esbatesse a violência que se estava a desenhar”. E o sindicalista recordou mesmo a ação do prelado na resolução concreta de uma situação difícil numa empresa.
Por seu turno, o Padre José Aires Lobato destacou que Dom Manuel Martins foi tendo “um entrosamento progressivo com os diocesanos” e salientou que foi falando da doutrina social da Igreja que o Bispo de Setúbal revelou a sua perseverança na prática de “um cristianismo voltado para o outro”. E comparou o estilo pastoral do prelado sadino com a ação do Papa Francisco e recordou uma frase pronunciada em várias ocasiões pelo bispo de Setúbal: “a Igreja se não serve, não serve para nada”.
Por fim, o Bispo Dom António Taipa, Administrador Diocesano do Porto, concluiu esta sessão de homenagem e afirmou que o bispo de Setúbal se revelou “como um homem profundamente livre e profundamente pobre e particularmente atento às necessidades e carências”. Sublinhou a liberdade do homenageado, que “significava uma postura de esquecimento de si próprio por amor dos outros que ia encontrando”. Como ele dizia, “a sua fé em Jesus vivia-a na relação com os homens, nomeadamente com os homens que sofriam mais”. O Administrador Diocesano do Porto referiu que o primeiro Bispo de Setúbal era um homem de uma fé inabalável e confessou que via nele “um grande homem, um grande Bispo e um grande cristão, apaixonado por Jesus Cristo e que em Jesus Cristo encontrou a verdade que liberta”.
É ainda de destacar que, no âmbito desta homenagem no Porto, foi lançado o livro “Nascemos Livres”, da autoria de Dom Manuel Martins – uma edição da Fundação Spes, que recolhe textos do homenageado, escritos entre setembro de 2016 e setembro de 2017 e que foram publicados no ‘Jornal de Matosinhos’.
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Os justos florescerão como a palmeira e crescerão como os cedros do Líbano (Sl 92,12).
Sim. A Palmeira adapta-se bem a qualquer ambiente: zona rural, urbana e interior. O seu tamanho varia de acordo com o seu aproveitamento e condições ambientais. Pode crescer até 10 metros ou mais. Desta árvore aproveita-se tudo e ela produz fibras, óleos, ceras, etc. São características marcantes da palmeira o crescimento, a adaptação e a estabilidade.
A resistência a ventos e tempestades é uma outra caraterística desta árvore. Balança, perde folhas, mas não cai facilmente. É muito trabalhoso arrancar uma palmeira adulta do solo. A palmeira destaca-se, é visível a longas distâncias.
Como ela é o servo de Deus: é notado pela sua maneira especial de ser. O seu amor e testemunho alcançam vidas, mesmo que estas estejam em lugares longínquos. Mais: sujeito a “ventos fortes e tempestades”, por vezes, fica machucado, mas a graça de Deus sustenta-o dando-lhe vida e vigor para amparar os mais fracos.
Por seu turno, o cedro do Líbano cresce devagar, mas chega a atingir a altura de até 40 metros. Nos primeiros três anos de vida, as raízes crescem até metro e meio de profundidade, enquanto a planta tem somente cerca de cinco centímetros. Só a partir do quarto ano é que a árvore começa a crescer. O cristão é como o cedro do Líbano, pois tem a promessa de crescer sem desfalecimento. Ainda que o seu crescimento seja lento conforme a experiência do cedro, crescerá e se tornará visível e útil a todos.
E quero considerar Dom Manuel Martins como a palmeira florescida e o cedro do Líbano crescido.

2018.01.30 – Louro de Carvalho

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