No enunciado
vertido em epígrafe pode sintetizar-se a mensagem de Ano Novo que o Presidente
da República endereçou em direto aos portugueses a partir da sua casa em
Cascais. E diga-se que, para convalescente da intervenção cirúrgica a que foi
submetido há 4 dias, a mensagem não deixou de ser vigorosa, clara e sintética. Poderá
dizer-se que não trouxe novidades de conteúdo. Porém, não deixou de ser
abrangente, acutilante e justa.
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Começando por
reconhecer a portugalidade “onde se encontre um português” aquém ou além das “nossas
fronteiras físicas ou, por todo o mundo, nas nossas fronteiras espirituais”,
quer aí viva, quer aí esteja “servindo em missão nacional”, a todos saudou e
agradeceu “os Portugais novos que criam dia após dia”.
Depois,
aplicou ao ano transcorrido, que “exigiu tudo de todos nós, os atributos de “estranho
e contraditório”, tanto no mundo inteiro, como na Europa e como em Portugal. E,
aproximando-se da periferia para o centro pátrio, salientou:
- No mundo,
as “tão veementes proclamações de paz e abertura económica” e as “tão
preocupantes ameaças de tensão e protecionismo, pondo à prova a paciência e a
sensatez de muitos”, e, em particular, de António Guterres, Secretário-Geral da
ONU;
- Na Europa,
o “tão claro crescimento e desejo de recuperação do tempo perdido” e a “tão
lenta capacidade de resposta e de reencontro com os europeus”;
- E, em
Portugal, as “reconfortantes alegrias” e as “profundas tristezas”.
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Após a
evocação da morte de Mário Soares (que concitou o respeito de “tantos de tantas famílias
políticas e sociais”) e
da peregrinação do Papa Francisco, “o apóstolo dos deserdados desta era”,
Marcelo apontou os aspetos positivos do ano de 2017: “finanças públicas a
estabilizar, banca a consolidar, economia e emprego a crescer, juros e depois
dívida pública a reduzir, Europa a declarar o fim do défice excessivo e a
confiar ao nosso Ministro das Finanças liderança no Eurogrupo, mercados a
atestarem os nossos merecimentos”.
São aspetos
que induziam a colocação de “fasquias mais altas no combate à pobreza, às
desigualdades, ao acesso e funcionamento dos sistemas sociais e aconselhando
prudência no futuro” – a atestar “a determinação dos portugueses”.
Frisou a
evidência de “tão rápida e convincente mudança”, que “o ciclo político anterior”,
mas que este confirmou e acentuou, ao invés das “grandes apreensões e
desconfianças” suscitadas “cá dentro e lá fora”. Evocou ainda “o triunfo
europeu da nossa música, os elevados galardões no turismo, o sucesso reiterado
no digital ou os êxitos nas artes, na ciência ou no desporto, colocando
Portugal como destino cimeiro universal”.
A meu ver, só
pecou por circunscrever estes aspetos à primeira metade do ano.
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A seguir, apresentou
a face negativa e negra do ano que, irrompendo a 17 de Junho, “dominou o Verão
e se adensou em 15 e 16 de Outubro”. Destacou o episódio de “Tancos, o pesar no
Funchal, o espectro da seca e, sobretudo, as tragédias dos incêndios, tão
brutalmente inesperadas e tão devastadoras em perdas humanas e comunitárias que
acabariam por largamente pesar no balanço de 2017”. Segundo o Presidente, esta face
do ano pôs “à prova o melhor de nós: a resistência, o afeto, a iniciativa e a
fraternidade militante, que levou mais longe ainda a nossa proverbial
solidariedade”.
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Mostrando a
necessidade de falar do futuro, declarou que o passado recente “serve para
apelar a que, no que falhou em 2017, se demonstre o mesmo empenho revelado no
que nele conheceu êxito, exigindo a coragem de reinventarmos o futuro”. E o ano
ora começado tem de ser o ano da reinvenção.
Esta reinvenção
tem de superar a “mera reconstrução material e espiritual, aliás, logo iniciada
pelas mãos de muitos – vítimas, Governo, autarquias locais, instituições
sociais e privadas e anónimos portugueses”.
Tem de passar
pela redescoberta “desses vários Portugais, esquecidos, porque distantes, dos
que, habitualmente, decidem, pelo voto, os destinos de todos. Tem de recuperar
e consolidar a “confiança dos portugueses na sua segurança, que é mais do que
estabilidade governativa, finanças sãs, crescente emprego, rendimentos”. Tem de
garantir “a certeza de que, nos momentos críticos, as missões essenciais do
Estado não falham nem se isentam de responsabilidades”. Enfim, tem de ser uma “reinvenção
com verdade, humildade, imaginação e consistência”.
***
Por fim, o
Presidente faz-se porta-voz e provedor das esperanças expressas nos últimos meses
e, em especial, “na época de Natal, época de vivência familiar, feita de dor
pela saudade, e, por igual, de ilimitada esperança”. Assim, urge:
- Converter
as tragédias vividas “em razão mobilizadora de mudança”;
- Afirmar “nesta
exigente frente de luta coletiva a mesma vontade de vencer que nos fez recusar
a resignação de uma economia e de uma sociedade condenadas ao atraso e à
estagnação”;
- Superar o pouco
que nos divide para afirmar o muito que nos une;
- Ser “como
fomos nos instantes cruciais das grandes aventuras, dos grandes riscos, das
grandes catástrofes, dos grandes encontros com a nossa História”.
Porfia em
acreditar cada vez mais nos portugueses, acreditar em Portugal.
E curiosamente
envolve-se pela enálage de pessoa no universo dos destinatários do seu voto de
Ano Novo, quando vaticina: “Um feliz ano de 2018 para todos nós!”.
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Como era de esperar, os partidos reagiram à mensagem presidencial
e viram o que lá está e o que não está.
Pelo PSD, o secretário-geral do PSD, José Matos Rosa,
reivindicou os “bons resultados” das “reformas do passado”, esperando que não
venham aí “mais reversões” feitas pelo Governo. O PSD aproveitou assim para criticar o Executivo socialista, mas,
podendo e devendo fazê-lo politicamente, não pode escudar-se na mensagem
presidencial. O Presidente tentou ser justo.
Entretanto, Matos Rosa assegura que “Portugal
podia e devia estar melhor”. Com efeito, “a austeridade escondida e
disfarçada tem afetado áreas essenciais da nossa vida” incluindo a saúde
e a educação e a subida de preços em 2018.
Também o CDS-PP, pela voz do vice-presidente do
partido Nuno Melo, criticou o Governo socialista pelos aumentos dos impostos e
por falhas nos serviços públicos, afirmando que, “sintomaticamente, 2018 começa com um anúncio de novos
aumentos de impostos”. E, sobre as vitórias macroeconómicas que Marcelo louvou,
Nuno Melo justificou-as com as reformas do anterior Governo e com a conjuntura
internacional, dizendo que, “naquilo que dependeu do Governo, o país não esteve
bem”.
É capaz de estar a incorrer em exagero de apreciação
negativa.
Já o PCP aproveitou a sua intervenção para lembrar que
“há necessidade de medidas de fundo que combatam a desertificação do Interior e
o abandono da floresta” para prevenir tragédias como as que se viveram este ano
com os grandes incêndios e perda de vida em Portugal.
Em reação à mensagem de Ano Novo, em que o Presidente da República manifestou
o seu pesar pelas vítimas mortais das “tragédias” deste ano, Dias Coelho, da
Comissão Política do PCP, optou por sublinhar, após uma “palavra de
solidariedade” pelos atingidos, que “as tragédias têm causas e causadores”. Elas
“decorrem de décadas e décadas que provocaram a desertificação do Interior, o
abandono de parte da floresta, e isso não podemos esquecer”.
Este membro da Comissão Política pediu medidas de
fundo para combater estas causas de raiz, no que lhe dou plena razão.
Aproveitou ainda para referir que “o PCP tem muita confiança no futuro,
confiança nos trabalhadores, confiança na sua luta, na sua capacidade de
transformação”, e que o caminho atual, “de reposição de rendimentos”, é para
manter.
Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, também aproveitou
para falar das necessidades de reformas no âmbito do combate estrutural aos
fogos. “O próximo ano vai exigir muita coragem política para retirar conclusões
desta tragédia”, afirmou, no sentido de “investir a sério no ordenamento do
território”. É, de facto, esta uma da opções fundamentais, a meu ver.
Sobre os avanços económicos do país, Marisa Matias considera que o Bloco concorda com a avaliação do Presidente
da República, mas é preciso continuar de maneira a “pôr o crescimento ao
serviço das pessoas”. Para a eurodeputada bloquista, os “salários e
pensões continuam muito baixos” e é preciso “investir nos serviços públicos”.
O PS só reagiu um dia depois. No Porto, João Paulo Correia
começou por dizer que esta é uma “mensagem de reconhecimento do trabalho
positivo feito pelo Governo” a favor da economia e das famílias e que “renova a
confiança política” no PS e na solução governativa. O deputado diz que os
quatro desígnios enunciados pelo Presidente da República no ano passado foram
todos “superados com êxito”, apontando para a estabilidade política, o “rigor
financeiro”, a “justiça social” e, por fim, “mais crescimento económico”.
No atinente aos incêndios, o Governo continua
empenhado no apoio aos territórios, aos familiares das vítimas e à
reconstrução, mas também na “reinvenção”, adiantou
João Paulo Correia, apontando para “as novas políticas para o interior”,
nomeadamente a reforma florestal e o sistema nacional de proteção civil. “O
país tem que estar pronto para responder melhor ao que foram as tragédias”,
notou o deputado, acrescentando: “Se
tornar a acontecer, esperamos que não, uma tragédia desta dimensão, o país
estará melhor [mais bem] preparado e a resposta
será mais eficaz”.
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É certo
que Marcelo disse que o Estado não pode falhar, o que dá margem para alguns aproveitamentos.
Porém, as falhas do Estado não se circunscrevem à ação do Governo. Por exemplo,
a morosidade legislativa e fiscalizadora do Parlamento, a ineficácia da justiça
não são atribuíveis ao Governo. E a oposição, muitas vezes, fala demasiado
tarde e sem consistência…
Entretanto,
fixemos as exigências marcelistas: confiança na segurança, reinvenção e
transformação das fraquezas em forças. E valerá a pena a mensagem!
2018.01.02 –
Louro de Carvalho
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