É comum dizer-se que as eleições se ganham ao
Centro, mas dificilmente se encontra quem defenda um bloco central político. E
sucede que que o Centro se encontra fraturado tal como surgem fraturas internas
em alguns dos partidos, sobretudo quando os interesses de alguns e os dos
respetivos aparelhos partidários colidem. Quem ganha eleições ou quem tem
possibilidades de formar governo quer (e deve) governar sem que outrem lhe crie dificuldades.
Porém, perante dificuldades incontroláveis, grandes projetos nacionais ou participação
em ações internacionais, nomeadamente europeias, erige-se a necessidades de
consensos, mas deixando alguém de fora.
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Nesta ordem de ideias, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,
presidiu, no passado dia 19, a partir das 15 horas, a mais uma reunião do
Conselho de Estado, no Palácio de Belém, em Lisboa, com o tema Portugal pós-2020 na agenda. Esta
reunião sobre o quadro financeiro que se seguirá ao Portugal 2020 foi antecedida pela posse da Provedora de Justiça,
Maria Lúcia Amaral, como membro do Conselho de Estado, um quarto de hora antes.
Foi a primeira reunião do Conselho de Estado em
2018 e a oitava convocada por Marcelo, que imprimiu ritmo trimestral às
reuniões do seu órgão político de consulta, desde que tomou posse, em março de
2016, sendo que esta ocorreu no rescaldo das eleições diretas no PSD,
realizadas no passado dia 13 de janeiro, que elegeram Rui Rio para o cargo de
presidente do partido, com 54,1% dos votos. O recém-eleito presidente do PSD
entrará em funções a partir do 37.º Congresso socialdemocrata, que decorrerá em
Lisboa, nos dias 16, 17 e 18 de fevereiro, sucedendo a Pedro Passos Coelho na
liderança do partido.
O Primeiro-Ministro,
António Costa, tem defendido um “acordo político alargado” (não
excludente) sobre a estratégia para o Portugal
pós-2020, tendo afirmou em outubro:
“Tenho a certeza de que, com qualquer nova
liderança do PSD, será possível falarmos normalmente e trabalharmos em torno de
estratégias que transcendem o horizonte das legislaturas”.
No debate
quinzenal do dia 9 de janeiro, o Primeiro-Ministro referiu que já tinha
apresentado no Parlamento “a estrutura essencial da estratégia para o Portugal 2030, como uma década de
convergência”, acrescentando que “é com satisfação” que o Governo vê “o Presidente
da República inscrever este tema na ordem de trabalhos do próximo Conselho de
Estado”.
Também, em novembro, o Ministro do Planeamento e das Infraestruturas deixou
claro que não quer que os grandes investimentos sejam “rasgados” nas
próximas legislaturas. Em declarações ao Dinheiro Vivo,
Pedro Marques disse:
“A nossa perspetiva é que os grandes
investimentos venham a ser aprovados por uma maioria de dois terços
precisamente para que não sejam rasgados numa nova legislatura”.
Além de
aumentar a frequência das reuniões do Conselho de Estado, Marcelo inovou ao
convidar personalidades estrangeiras para participarem nas reuniões deste
órgão. Recorde-se que a anterior, realizada a 30 de outubro, teve como
convidado o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
Presidido
pelo Presidente da República, o Conselho de Estado integra: o Presidente da
Assembleia da República; o Primeiro-Ministro; o Presidente do Tribunal
Constitucional; o Provedor de Justiça; os presidentes dos governos regionais; os
antigos Presidentes da República eleitos na vigência da Constituição. Integra,
ainda, cinco cidadãos designados pelo Presidente da República, pelo período
correspondente à duração do seu mandato, e cinco cidadãos eleitos pela
Assembleia da República, de harmonia com o princípio da representação
proporcional, pelo período correspondente à duração da legislatura.
Nesta
sessão, estreou-se como membro do Conselho a previamente empossada Provedora de
Justiça e registou-se a ausência de dois conselheiros: Ramalho Eanes e António
Damásio.
O Conselho
de Estado, em cerca de quatro horas e meia, analisou o tema do Portugal pós-2020 e defendeu que as “complexas negociações” do próximo quadro de
fundos europeus devem ter em atenção a coesão económica, social e territorial,
como consta duma nota com quatro parágrafos distribuída aos jornalistas no
Palácio de Belém, em Lisboa, no final da reunião do órgão político de consulta
presidencial.
Segundo essa
nota informativa, o Conselho de Estado “realçou o papel crucial da coesão social e territorial para
Portugal, papel esse necessariamente presente nas complexas negociações do
Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia”.
Por outro lado, segundo o documento, “analisou, também,
circunstanciadamente, as incertezas e dificuldades no mundo como na Europa” e
“destacou, ainda, a importância da coesão económica e social para a própria
Europa, até para evitar riscos adicionais de vária natureza”.
Este é um dos temas no qual o executivo do PS
pretende negociar um consenso com o PSD. E já existe
um site dedicado ao Portugal 2030, onde é possível
submeter contributos. E, como foi dito, o Governo já exprimiu a sua vontade de
chegar a consensos com a oposição nesta área.
***
No dia 20, O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa encerrou, no Instituto
Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) em Lisboa, o 3.º Congresso da
Plataforma para o Crescimento Sustentável (PCS) que decorreu sob o tema “Portugal no Futuro: desafios, reformas e
compromissos”.
Abrindo caminho a consensos entre PSD e PS, de
preferência, “já”, o Chefe de Estado sugeriu que
o PSD e o PS devem procurar “amplos consensos” em áreas como a dívida, as
finanças públicas ou o investimento privado. Deixa de fora BE, PCP, PEV, CDS e
PAN.
Dizem alguns
de Marcelo que tem a capacidade de antecipar cenários políticos de forma
certeira. A conferência em que participou e que encerrou, este sábado, foi
ambiente propício a isso. E o Presidente não deixou de mostrar onde pretende
que sejam estabelecidos os grandes consensos nacionais: ao centro. No evento
organizado pela Plataforma para o Crescimento Sustentável, presidida pelo
antigo vice-presidente do PSD, Jorge Moreira da Silva, Marcelo defendeu ideias
do grupo, como a redução da dívida, os superávites
primários, o alinhamento europeu
e mais incentivo ao investimento privado
– áreas em que é possível consenso no centrão, PS-PSD-CDS, mas em que as ideias
que colidem com a agenda da esquerda.
Num momento
em que o PSD está a mudar de líder – sendo agora mais expectável que dê a mão
ao PS em alguns temas e circunstâncias – o Presidente desafiou os membros daquela
plataforma (da órbita do PSD, embora independente do partido) a não esperar que os socialdemocratas cheguem ao
poder para tornar as propostas reais, pedindo que as façam chegar “já” ao
Governo. E dissecou os vários temas da plataforma.
No atinente
à sustentabilidade da dívida, Marcelo assentou na “compreensão”
da necessidade duma “redução da dívida
para ser possível um desafogar das finanças que permita mais investimento e
mais exportações”, evidenciando a existência dum “amplo consenso
nacional” na defesa de um “crescimento sustentado”, dentro das exigências europeias,
e defendendo a existência de “superávites primários”.
Ora, esta é uma ideia que PS, PSD e CDS podem apoiar. Rui Rio disse durante a
campanha do PSD que iria defender que, em alguns anos, Portugal tenha superavit nas contas públicas. Não
terá sido, pois, meramente casual a escolha de palavras e o tom discursivo de
Marcelo. Já não era disfarçável a secreta agenda centrante do Presidente.
No entanto,
o aceno aos consensos entre PS e PSD não se ficou por aqui. Quanto ao peso do
investimento público e privado, o Chefe de Estado parece ter querido enviar um
recado ao Bloco de Esquerda e ao PCP, ao dizer que “a realidade encarregou-se de ir criando factos consumados, alguns dos
quais positivos, permitindo convergências pontuais, outrora impossíveis” e
que “onde persistem resistências
doutrinárias, esses factos têm-se encarregado de falar mais alto”. Ainda
não há muito tempo (Foi na universidade de verão do PSD) que Aníbal Cavaco Silva disse algo de semelhante,
quando referiu que eles piavam, mas acabavam por se calar, já que a realidade
se sobrepõe à ideologia.
Para o
Presidente da República “é evidente que o incentivo ao investimento
privado, que já considerei limitado no Orçamento do Estado para este ano, tem
de merecer um reforço significativo”. Mais uma anotação para Costa
fazer e que fará com todo o gosto, como é usual.
Marcelo
defendeu ainda consensos para a verdadeira aposta na ciência e na tecnologia,
bem como na resposta à crise demográfica (considerando que os políticos lhe
têm dado pouca atenção, devido à “despreocupação do eleitorado”: se não dá
votos, pouca importância tem). E pôs o
acento na necessidade da modernização do Estado, conceito que “em abstrato
todos concordam”, mas onde não se logra uma reforma significativa.
Apelando a
Jorge Moreira da Silva, o dinamizador da iniciativa, Marcelo pediu à plataforma
que passe “da reflexão à ação”, pois “está cheia de razão”. Mas advertiu para a
urgência da “capacidade de transformar a razão em factos”. Segundo o
Presidente, seria uma “frustração” se estas propostas não tivessem impacto na
“vida das pessoas”, pelo que, desejando antecipar “mudanças que são inadiáveis”,
sugeriu a Moreira da Silva que fizesse chegar as propostas ao Governo: “Não
depois de depois de amanhã, mas já”.
No que
concernente às alterações climáticas, Marcelo enviou uma crítica indireta ao Presidente
dos EUA, Donald Trump, ao sustentar que “nunca” se deve “ignorar as alterações
climáticas” que “são mais que uma moda ou um slogan”. Não será sem o apoio de Trump,
já que “não é pelo peso, de um ou de
outro, apostados na negação do real – por mais importante que seja – que
deixaremos de insistir no diagnóstico e na terapêutica de um dos pontos mais
sensíveis da nossa existência coletiva”.
***
A
contracanto, no mesmo dia 20, Jorge
Sampaio, ex-Presidente da República e ex-secretário-geral do PS, desafiou BE
e PCP, contrariando o centrão marcelista, a decidirem se querem continuar a
fazer parte de uma solução de governação ou voltar a fazer parte duma oposição
mais inconsequente.
Um a puxar
pelo centro e pela direita; e outro a puxar pela esquerda. Um com a autoridade atual;
e outro com a autoridade de ontem, que já não e autoridade, por ter passado à cidadania
banal (Sampaio o
disse na Alemanha a ver futebol, meses depois de deixar a Presidência) …
É a vida –
diria António Costa.
2017.01.21 –
Louro de Carvalho
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