Nunca percebi
e talvez nem me apeteça perceber como é que os nossos representantes na
Assembleia da República (Nacional
ou do Povo) – para isso os elegemos e lhes
pagamos – se deixam gozar indecentemente com posturas despicientes.
Recordo que,
na era de Guterres, os deputados quiseram ouvir no Parlamento o empresário que
se gabava de não depender do poder político, mas que se zangou quando este não
lhe fez a vontade, e o empresário marcou-lhes como hora de audição as 8 da
manhã. E os convocantes lá foram atrás do convocado. Um líder dum banco perdido
nas malhas da gestão ruinosa, ouvido na respetiva comissão parlamentar, narrou
que pedira justiça e que não lhe fazia mossa estar preso. Até se divorciou enquanto
esteve na preventiva, porque lhe deu jeito. E só respondeu às perguntas a que
quis responder, invocando o estatuto de arguido, que lhe permite remeter-se ao
silêncio. Um CEO duma empresa que foi de referência disse não se lembrar de
nada, sendo que daí se inventou um neologismo, o “bavismo”. E agora o arguto Provedor
da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa argumenta no Parlamento, contra quem
aduz a finalidade cristã tradicional da SCML que ele administra em nome do Governo,
que o Vaticano também tem um banco.
Esquece-se
o ilustre – penso que o Vaticano não o chamará para dirigir o IOR – de que a
Cidade do Vaticano é um Estado Soberano, quando a SCML não é um Estado nem é
soberana, pelo que não tem poderes de soberania nem sequer tem o estatuto dum
município ou duma freguesia, cujos órgãos são eleitos e não nomeados pelo Governo.
Depois,
o Provedor não sabe, ou não quer saber, que não está em causa o investimento. Todas
as instituições em que, por força das circunstâncias, há acumulação de capital,
têm a grave obrigação de o gerir bem; e uma das formas de o gerir é colocar a
render os dinheiros que não são imediatamente necessários, ou seja investir. É certo
que investir comporta sempre um risco, mas o gestor duma casa destas, com funções
eminentemente sociais, deve calcular os riscos e tentar controlá-los por antecipação.
E é aqui que reside o busílis. Investir
um euro que seja duma instituição social no capital dum banco, que só não está
falido porque a fachada tem de estar limpa, hoje significa deitar dinheiro pela
janela fora e sem qualquer esperança de retorno. A banca não tem tido juízo. Ainda
há pouco saiu duma crise grave, tendo os contribuintes ou o Estado por eles a
atravessar-se para o resgate da banca e já está a cometer erros semelhantes aos
de antes de 2008!
Assim,
porque não é esse o caso em jogo, foi inútil vir dizer as deputados que a participação
financeira da SCML é uma prática corrente. Já o sabíamos e não contestamos:
leasing, instituições financeiras, seguradoras, alugueres de longa duração,
jogos (nestes
só criticamos a detenção do monopólio)
…
***
Depois,
o Provedor recordou aos deputados as três condições para a SCML entrar no
capital da Caixa Económica Montepio Geral: a avaliação financeira
independente encomendada ao Haitong; a entrada em simultâneo
de outras entidades do setor social; e a negociação.
Ora bem.
A avaliação financeira, afinal, é só para determinar o montante com que a SCML entrará
no banco. E, como é fácil de prever, as finanças da SCML estão em bom estado,
têm que estar; e o banco, com o aumento de capital determinado pela associação mutualista,
vale literalmente mais que 2000 milhões. Ora, quando Edmundo Martinho diz que
nada está decidido e que 10% do capital do banco será o máximo de participação
da SCML, está a deitar poeira nos olhos. Sempre o regime de preços máximos
funcionou pelo máximo e quem estuda o caso concluirá segundo a vontade de quem
encomendou!
Quanto à
alegada exigência da entrada simultânea de outras entidades do setor social,
Martinho não as identificou. Sabemos que a Misericórdia do Porto diz não ter condições
técnicas e financeiras para entrar no Montepio. Que outras Misericórdias com
capacidade restam? Ou que outras entidades: UMP, Fátima, CNIS, Cáritas
Portuguesa…? Não acredito e seria o descrédito total. A este respeito, gostava
de saber o que pensa a CEP (Conferência Episcopal Portuguesa), de cujo Presidente o semanário
“O Diabo” (edição
de 2018.01.09) refere
que só diz o politicamente correto e o religiosamente correto. Restam as Caixas
Agrícolas. Estarão elas dispostas a unirem-se ao Montepio e a deixarem-se
arrastar pelas opções da associação mutualista?
Quanto à
negociação, ela impõe-se, diz o Provedor, porque não há ações no mercado que
permitam saber qual o valor de mercado do Montepio, sendo que o único valor de referência em cima da mesa é o
valor contabilístico do banco e o valor da oferta pública de aquisição (OPA) feita pela Associação Mutualista ao próprio
banco – o que, a meu ver, é bem estranho.
Aqui, é
de frisar que Martinho meteu o pé na argola. Se houvesse ações no mercado, então
nem precisaria de haver negociação. A SCML, ouvida a irmandade de Sá Roque,
decidiria.
Mais. Se
é assim tão difícil e com as ditas três condições, como é que o ilustre
Provedor, pretende uma decisão antes do fim de janeiro deste ano, seja ela qual
for? Das duas, uma: ou já sabe que os dados avançados pela comunicação social estão
certos ou desistirá por recuo perante as críticas. E lá se vai por água abaixo mais uma esperança
governamental. Será? Haverá algum segredo ainda dentro da cartola? Já estamos habituados
a segredos que se vão revelando. Dantes, discutia-se quem teve a ideia de levar
a SCML a pensar na entrada no Montepio: Santana Lopes, Vieira da Silva, António
Costa, Carlos Costa, Marcelo Rebelo de Sousa (Este, sim, mas
recuou)… Agora, sabe-se
que Santana pôs a hipótese de a SCML entrar no sistema financeiro (Qual?). E o Governo, ou seja, o
Ministro da tutela, satisfazendo a vontade de Santana, profetizou: “Caixa Económica Montepio Geral”.
***
Por fim,
devo recordar ao eminente Provedor e, consequentemente, aos senhores deputados
que o IOR (Instituto de Obras Religiosas), instituição criada para gerir
e rentabilizar os recursos do Estado Cidade do Vaticano, as finanças da Santa
Sé e as poupanças dos seus funcionários e colaboradores, não tinha estrutura e
escala bancárias. E, quando precisou de se assemelhar a um banco (ou
o quis fazer),
descarrilou no risco incalculado e descontrolado, aliou-se à gestão ruinosa de outros
bancos e resultou no desastre e no abuso.
E todos
sabemos que o desastre do IOR, denunciado em primeira mão pelo agora Venerável Papa
João Paulo I, quando, no nome e na pessoa do cardeal Albino Luciani, era patriarca
de Veneza, teve consequências muito sofridas em finanças e vidas humanas. E foi
sempre um espinho cravado no coração do Pontífice de 33 dias de sorriso.
E todos sabemos
como o escândalo do IOR não arrastou consigo o Papa polaco João Paulo II,
graças à benemerência da previdente e rica Opus Dei, como sabemos que foi o IOR,
aliado ao Vatileaks, um dos dados que deu a Bento XVI
a convicção de que já estava sem forças do corpo e do espírito para conduzir a
Barca de Pedro, muito embora o Pontífice alemão tenha tomado atitudes corajosas
em relação à administração do IOR.
E,
agora, uma das fontes de resistência de alguns às reformas encetadas e
desenvolvidas pelo Papa Francisco, mais do que as propaladas heresias papais por
parte de alguns, é a reforma estrutural do IOR e a criação da Secretaria para a
Economia. Recorde-se que, além da reforma da administração interna e da direção
estratégica do parabanco do Vaticano, o atual Pontífice mandou encerrar
milhares de contas que ali tinham sido criadas abusivamente.
Portanto,
vir o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa aduzir que também o
Vaticano tem um banco representa um argumento acomodatício, que revela
desconhecimento do que se passa no Vaticano e das dificuldades que o Governo da
Santa e, a nível central, a Igreja Católica têm sentido pela pretérita “bancalização”
do IOR. Ou então constitui uma tentativa de enganar os deputados e quem eles
representam.
Por isso,
digo “sim” à boa gestão da SCML e das outras entidades da economia social e o
investimento de risco calculado e controlado, mas um rotundo “não” ao
esbanjamento a coberto de salvar um banco ou de criar um banco social. Estes não
podem entrar no rol dos necessitados.
Espero que
a irmandade de São Roque se pronuncie e gostava de saber o pensa a CEP.
2018.01.11 –
Louro de Carvalho
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