Hoje, 6 de janeiro, o Papa Francisco, abordou o mistério da Solenidade da
Epifania do Senhor na homilia da Missa e por ocasião da recitação do Angelus e apresentou o outro lado misterioso
do Natal e as atitudes que os crentes devem apresentar, cultivar e desenvolver
ante o mistério do Deus encarnado e exposto aos homens.
Entretanto,
é de lembrar o sentido literal e originário da solenidade. A Epifania do Senhor (do grego: Ἐπιφάνεια: aparição;
fenómeno miraculoso) ou Teofania (do
grego: Θεοφάνια:
manifestação de Deus) é a
festividade cristã que assinala a manifestação de Jesus Cristo
como o Deus Emanuel (Deus-connosco), ou seja,
Cristo como Deus encarnado, feito homem ou tornado visível.
No
cristianismo ocidental, a festividade recorda primariamente a visita dos magos
(como vem
narrado em Mt 2,1-12), enquanto
no Oriente evoca o Batismo de Jesus. A data tradicional da Epifania é
a de 6 de janeiro, mas, quanto à Igreja Latina, desde a reforma
do Calendário Romano em 1969, é possível que a solenidade
seja transferida para um domingo, o que acontece no caso português, que se
celebra no domingo que ocorra entre 2 e 8 de janeiro (este ano, a
7 de janeiro); e,
quanto à Igreja Ortodoxa e à Igreja Católica Oriental, o uso
do calendário juliano antigo por algumas jurisdições faz com que a
solenidade seja transferida para o dia 19 de janeiro, sendo amanhã, dia 7,
ali festejado o Natal.
A Epifania é
relacionada com o momento da manifestação de Jesus Cristo como o
enviado de Deus, quando o mesmo se autoconclama filho do Criador. Na
narração bíblica, Jesus deu-se a conhecer a diferentes pessoas e em
diferentes momentos. Porém, o mundo cristão ocidental celebra como epifania
três eventos: a Epifania propriamente dita perante os magos do Oriente e
que é celebrada no dia 6 de janeiro ou, como foi referido, no domingo entre 2 e
8 de janeiro; a Epifania a João Batista no Jordão durante
o Batismo de Jesus; e a Epifania aos seus discípulos e início da sua vida
pública com o milagre de Caná, quando começa o seu ministério.
Assim, a solenidade da Epifania do Senhor, celebra a tríplice manifestação
do nosso grande Deus e Senhor, Jesus Cristo: em Belém, o Menino Jesus
foi adorado pelos magos (cf Mt 2,11); no Jordão,
Jesus, já adulto, foi batizado por João Baptista, ungido pelo Espírito Santo e
chamado Filho de Deus Pai (cf Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22; Jo 1,29-34); em Caná da Galileia, numa festa de núpcias,
transformando a água em vinho, Jesus manifestou a sua glória (cf Jo 2,1-11).
***
Antes da
recitação do Angelus perante a
multidão reunida na Praça de São Pedro, o Papa soube anotar três atitudes com
que foi acolhida a vinda de Jesus e a sua manifestação ao mundo.
O Natal
aconteceu em lugar inóspito, porque não havia lugar para o Senhor e seus pais
na cidade, mas os anjos vêm cantar a glória de Deus e a paz para os homens e
anunciam a alegria do mistério aos pastores que se apressam a correr a Belém,
ficando contentes por tudo ter acontecido como lhes fora dito pelo anjo. Abandono,
alegria, procura, contemplação. Porém, na Epifania sentida pelos magos, as
coisas sucedem um pouco na inversa: a procura e procura pressurosa; a
indiferença; e o medo.
Quando veem a
estrela do Rei dos Judeus, os magos não hesitam em pôr-se a caminho na procura
do Messias. Este é o primeiro apontamento de Francisco. Chegados a Jerusalém,
após “uma longa viagem”, dirigem-se a Herodes a perguntar onde nasceu o Rei dos
Judeus, porque viram despontar a sua estrela e vieram adorá-lo.
A esta procura pressurosa responde a indiferença. Herodes convocou os
sacerdotes e escribas para se informar sobre o lugar onde deveria nascer o
Messias. Estes zelosos guardas da Lei e do culto – diz o Papa – estavam mui
comodamente instalados, conheciam as Escrituras e estavam em condições de
fornecer a resposta adequada (“Em Belém da Judeia, porque assim está escrito pela mão do profeta”). Sabem-no, mas não se desinstalam
para irem à procura do Messias, quando Belém fica a poucos estádios de
Jerusalém. Mais negativa, porém, é a postura de Herodes: o medo. É o medo de que o recém-nascido o desaloje do poder. E o medo
gera nele a hipocrisia, o disfarce:
“Ide e informai-vos cuidadosamente acerca do menino; e, depois de o
encontrardes, vinde comunicar-mo para eu ir também prestar-lhe homenagem”
(Mt 2,8).
Na verdade,
Herodes queria saber onde se encontrava o menino, não para o adorar, mas para o
eliminar. O assassinato pode ser um terrível fruto do medo, do medo de perder
posição, poder, riqueza. O menino constituía para Herodes um rival. E o Papa
adverte:
“O
medo comporta sempre hipocrisia. Os hipócritas são assim, porque têm medo no
coração.”.
Perante as
posturas encontradas no Evangelho – procura
pressurosa, indiferença e medo – colocam-se a cada crente questões
existenciais que mexem com a pessoa. Pode um crente procurar pressurosamente
Jesus. Mas, como não O sente e não vislumbra resposta dele, pode cair na
tranquilidade da indiferença ou na indiferença da tranquilidade. Pode ter medo
de Jesus no coração e tentar expulsá-lo da vida… Com efeito, como refere o
Pontífice, o egoísmo pode induzir a consideração da entrada de Jesus na nossa
vida como uma ameaça. Quando se erigem “as ambições humanas”, “as perspetivas
mais cómodas”, “as inclinações para o mal, Jesus é tido como “um obstáculo” e
tenta-se suprimi-lo ou fazer calar a sua mensagem.
Por outro
lado, é de ter em conta que nos persegue sempre a tentação da indiferença,
pois, como refere o Papa Francisco, sabendo-se que Jesus é o Salvador de todos
nós, prefere-se viver como se não o fosse e, em vez de nos comportarmos em
coerência com a fé cristã, seguimos os critérios do mundo que levam à
prepotência, à sede de poder e às riquezas. Porém, adverte:
“Somos
chamados a seguir o exemplo dos magos: ser pressurosos
na procura, prontos para o esforço por encontrar Jesus na nossa vida. Procurá-Lo,
para O adorar, para reconhecer que Ele é nosso Senhor, ele que indica a
verdadeira vida a seguir. Se temos esta postura, Jesus realmente nos salva e
podemos viver uma vida bela, podemos crescer na fé, na esperança, na caridade
para com Deus e para com os nossos irmãos.”.
No término da sua alocução mariana, o Santo Padre invocou a Mãe de Jesus
e nossa Mãe, “estrela da humanidade peregrina” para que, com a sua intercessão,
possamos encontrar Cristo, “Luz da Verdade”, a fim de progredirmos no caminho
da justiça e da paz.
***
Na homilia da
Santa Missa, Francisco entendeu que “o nosso percurso ao encontro do Senhor,
que hoje Se manifesta como luz e salvação para todos os povos, é elucidado por
três gestos dos magos”, os quais “veem a estrela, põem-se a
caminho e oferecem presentes”.
Segundo o Pontífice, “ver a estrela” constitui “o ponto de partida”. E
só os magos a viram, porque, talvez como poucos, “levantaram o olhar para o céu”.
Muitas vezes, na vida, “contentamo-nos com olhar para a terra”. Basta-nos “a
saúde, algum dinheiro e um pouco de divertimento”. E o Papa interroga-se e
interpela-nos:
“Sabemos
nós ainda levantar os olhos para o céu? Sabemos sonhar, anelar por Deus,
esperar a sua novidade, ou deixamo-nos levar pela vida como um ramo seco pelo
vento?”.
Com os magos,
que “não se contentaram com deixar correr, flutuando”, mas “intuíram que, para
viver de verdade”, aprendemos que é necessária “uma meta alta” e que “é preciso
manter alto o olhar”. Mas poderíamos e deveríamos interrogar-nos:
“Porque
é que muitos outros, dentre aqueles que levantavam o olhar para o céu, não seguiram
aquela estrela, ‘a sua estrela’ (Mt 2,2)?”.
E Francisco
tem a resposta:
“Talvez
porque não era uma estrela deslumbrante, que brilhasse mais do que as outras.
Era uma estrela que os magos viram – diz o Evangelho – ‘despontar’ (cf Mt 2,2.9). A estrela de Jesus
não encandeia, não atordoa, mas gentilmente convida. Podemos perguntar-nos pela
estrela que escolhemos na vida. Há estrelas deslumbrantes, que suscitam fortes
emoções, mas não indicam o caminho. Tal é o sucesso, o dinheiro, a carreira, as
honras, os prazeres procurados como objetivo da existência. Não passam de
meteoritos: brilham por um pouco, mas depressa caem e o seu esplendor
desaparece.”.
Não é assim a
estrela do Senhor. Se nem sempre é fulgurante, contudo não é uma estrela
cadente, perecível; está sempre presente e, na sua meiguice, guia e acompanha.
Não prometendo recompensas materiais, garante a paz, dá enorme alegria (cf Mt 2,10) e incita a caminhar.
E caminhar
“é essencial para encontrar Jesus”. Mas implica “a decisão de se pôr a caminho”,
o que origina a fadiga de todos os dias, em que a pessoa tem de “se libertar de
pesos inúteis e sumptuosidades embaraçantes, que estorvam, e aceitar os
imprevistos que não aparecem assinalados no mapa da vida tranquila”. No
entanto, o Papa sublinha a maravilha esforçada:
“Jesus
deixa-Se encontrar por quem O busca, mas, para O buscar, é preciso mover-se,
sair. Não ficar à espera; arriscar. Não ficar parados; avançar. Jesus é
exigente: a quem O busca, propõe-lhe deixar as poltronas das comodidades
mundanas e os torpores sonolentos das suas lareiras. Seguir a Jesus não é um
polido protocolo a respeitar, mas um êxodo a viver. Deus, que libertou o seu
povo mediante o trajeto do êxodo e chamou novos povos para seguir a sua
estrela, dá a liberdade e distribui a alegria, sempre e só, em caminho.”.
Na verdade, “para
encontrar Jesus”, tem de se “perder o medo de entrar em jogo”, desvalorizar “a
satisfação do caminho andado”, vencer “a preguiça de não pedir mais nada à vida”.
Enfim, “encontrar aquele Menino” e “descobrir a sua ternura e o seu amor” é encontrarmo-nos
a nós mesmos. Mas a decisão de se pôr a caminho não se torna fácil: exige
lucidez, coragem, isenção, falta de medo e de hipocrisia; implica reta
intenção.
O Papa
mostra-nos esta dificuldade através das várias personagens do Evangelho da
Epifania.
Herodes,
perturbado pelo medo dum rei que venha ameaçar o seu poder, “organiza reuniões
e envia outros a recolher informações”, mas ele próprio fica imóvel, fechado no
seu palácio. E “toda a Jerusalém” (Mt 2,3),
com ele e como ele, “tem medo”, mesmo “das coisas novas de Deus”. Preferem que
tudo fique como antes (“fez-se
sempre assim”); não se
decidem pôr a caminho.
Por sua vez,
em posição mais subtil, estão os sacerdotes e escribas: “conhecem o lugar exato
e indicam-no a Herodes, citando inclusive a profecia antiga”, mas não dão o
passo para Belém.
O Pontífice
vê aqui a tentação de quem é crente há muito tempo:
“Discorre-se
da fé, como de algo que já é conhecido, mas que não se compromete pessoalmente com
o Senhor. Fala-se, mas não se reza; lastima-se, mas não se faz o bem.”.
Já os magos,
que falam pouco, caminham muito. E, embora desconhecessem “as verdades da fé”, a
sua ânsia levou-os a pôr-se a caminho. Os verbos utilizados nesta perícopa
evangélica são verbos de postura positiva, de atividade e de movimento: “viemos
adorá-lo”, “puseram-se a caminho”, “entraram na casa”, “prostraram-se”, “regressaram”.
Depois das atitudes da perspicácia de ver a estrela e da coragem de se
porem a caminho, vem o Oferecer. Efetivamente, como diz o Evangelho, os magos, ao chegarem
junto de Jesus, fazem como Ele: “dão”. Jesus oferece a vida: dá-Se. Os magos,
vindos do oriente em longa viagem, “oferecem as suas preciosidades: ouro,
incenso e mirra”. E diz Francisco, a este propósito:
“O
Evangelho está cumprido, quando o caminho da vida chega à doação. Dar gratuitamente,
por amor do Senhor, sem esperar nada em troca: isto é sinal certo de ter
encontrado Jesus, que diz ‘recebestes de graça, dai de graça’ (Mt 10,8). Praticar o bem sem
cálculos, mesmo se ninguém no-lo pede, mesmo se não nos faz ganhar nada, mesmo
se não nos apetece. Isto é o que Deus deseja. Ele, que Se fez pequenino por
nós, pede-nos para oferecermos algo pelos seus irmãos mais pequeninos. E quem
são? São precisamente aqueles que não têm com que retribuir, como o
necessitado, o faminto, o forasteiro, o preso, o pobre (cf Mt 25,31-46).”.
Como se vê, o
Papa Bergoglio não deixa de pôr o acento epifânico nas consequências que a
busca, a caminhada e a contemplação do mistério têm na sociedade e nas suas franjas
mais deserdadas, nas relações interpessoais, nas estruturas sociais e políticas
de pecado:
“Oferecer
um presente agradável a Jesus é cuidar dum doente, dedicar tempo a uma pessoa
difícil, ajudar alguém que não nos inspira, oferecer o perdão a quem nos
ofendeu. São presentes gratuitos, não podem faltar na vida cristã; caso
contrário, como nos recorda Jesus, amando apenas aqueles que nos amam, fazemos
como os pagãos (Mt 5,46-47).”.
E o Papa
Francisco não descura o discurso exortativo no sentido de que “olhemos as nossas mãos muitas vezes vazias
de amor” e, como compensação e reforço, procuremos “pensar num presente gratuito, sem retribuição, que possamos oferecer”,
que seja “agradável ao Senhor”.
Depois, é salutar pedir: “Senhor, fazei-me
redescobrir a alegria de dar”.
Por fim, vem
o apelo a que “façamos como os magos: olhar
para o Alto, caminhar e oferecer presentes gratuitamente”.
***
Após a
oração do Angelus, Francisco passou a saudar os diversos grupos de
fiéis presentes na Praça São Pedro. Antes de tudo, recordou que algumas Igrejas
orientais, católicas e ortodoxas, celebram, este domingo, o Natal do Senhor:
“A
estas Igrejas dirijo as minhas felicitações mais cordiais. Que esta celebração
seja fonte de novo vigor espiritual e de comunhão entre todos os cristãos, que
reconhecem Jesus como Senhor e Salvador.”.
E
exprimiu, em especial, a sua proximidade aos cristãos ortodoxos coptas,
saudando o irmão, o Papa de Alexandria Tawadros II, na jubilosa ocasião da
consagração da nova Catedral do Cairo.
A seguir,
recordou o Dia da Infância Missionária,
que se celebra neste sábado (6 de janeiro). E a todas
as crianças e adolescentes missionários convidou a dirigir os seus olhares ao
Menino Jesus, para que Ele seja a guia preciosa no seu compromisso de oração,
fraternidade e partilha entre seus coetâneos mais necessitados.
Por fim,
dirigiu aos participantes na manifestação folclórica da XXIII edição de “Viva a Epifania”, promovida pela
Associação Famílias Europeias, cujo objetivo é reafirmar e transmitir o
verdadeiro significado espiritual e os valores da Epifania do Senhor, bem como
o Cortejo dos Magos que se realiza em muitas das cidades da Polónia com larga
participação de famílias e associações.
***
Enfim, para encontrar Jesus é preciso entrar em ação. Com efeito,
“Deus, que libertou seu povo, por meio do
êxodo, e chamou novos povos para seguir a sua estrela, concede a liberdade e a
alegria somente a quem está a caminho. Para encontrar Jesus, é preciso entrar
em ação, pôr-se a caminho, sempre e sem cessar. Para encontrar o Menino, é
preciso arriscar: descobrindo a sua ternura e o seu amor nós nos encontramos”.
2018.01.06 –
Louro de Carvalho
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