quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Entrada da SCML no Montepio pode acabar em Bruxelas

Esta é uma hipótese em que não tinha pensado. No entanto, um texto de hoje de Margarida Peixoto e de Mónica Silvares no ECO explica a razão de ser desta hipótese. É que o possível investimento da Santa Casa no Montepio, pelo menos, levanta dúvidas no âmbito das regras das ajudas de Estado, dado que a SCML é entidade tutelada pelo Estado, integrando o perímetro das Administrações Públicas e gerindo dinheiro de um exclusivo legal – os jogos sociais.
Assim, se a Santa Casa pretender avançar com o negócio, o Governo deve notificar a Comissão Europeia para que esta, depois de estudar o dossiê, se pronuncie sobre a operação.
Neste momento, a hipótese de a SCML entrar no capital do Montepio até ao limite de 10% (assumindo que o banco vale cerca de dois milhões de euros) está a ser estudada pelo Haitong e pelos auditores da Santa Casa. E, depois de o Provedor ter sido ouvido no Parlamento sobre estas questões, foi hoje a vez de o Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, Vieira da Silva, que tutela a Santa Casa, ir dar explicações aos deputados.
Falta ainda ouvir o governador do Banco de Portugal (BdP), o que irá acontecer a requerimento do CDS/PP. Com efeito, o governante confirmou que a questão das ajudas de Estado se pode colocar, mas remeteu o assunto para o Banco de Portugal.
Sendo assim, a decisão da participação no capital do Montepio pode não depender apenas da provedoria da Santa Casa e do Governo. Poderá efetivamente Bruxelas ter uma palavra a dizer. 
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As dúvidas foram levantadas por especialistas. A este respeito, Miguel Moura e Silva, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, especializado em Direito da Concorrência e da União Europeia, disse ao ECO:
As receitas da Santa Casa são provenientes de um exclusivo legal. Portugal atribuiu o exclusivo com o pressuposto de aplicar as receitas nas atividades com fins sociais da Santa Casa.”. 
Por isso, conclui:
Podemos argumentar que os recursos da Santa Casa são recursos públicos porque são receitas de que dispõe por ter proteção legal e que lhe são atribuídos para o desempenho de funções de natureza pública”.
E, além disso, acrescenta:
Estamos também perante uma entidade com tutela estatal, em que há o poder, nem que seja por omissão, de dar orientações, por ação ou por omissão, à atuação da Santa Casa e à entrada no banco”.
Porém, adverte:
Perante isto, estamos numa área em que a dúvida sobre se é uma ajuda de Estado é uma dúvida fundada. Não estou a dizer que seja uma ajuda de Estado, mas a questão coloca-se.”.
Também uma fonte, não identificada, conhecedora dos processos em Bruxelas e que esteve à frente de uma instituição nacional, corroborou ao ECO que “a injeção pode ser considerada uma ajuda de Estado”, porque “a natureza jurídica da SCML, a origem dos seus recursos financeiros e a sua atividade determinam que a participação tenha de ser avaliada à luz da concorrência e ajudas de Estado”. É certo que até agora “a questão nunca se colocou, porque a SCML tinha participações financeiras”, mas “não uma participação no capital social”. E acrescenta que “as que tinha eram anteriores a 1986, nomeadamente na Caixa Económica Açoriana, que faliu”.
A questão de o investimento colidir com as regras comunitárias para a concorrência fora, pelos vistos, já colocada pelo deputado Filipe Anacoreta Correia, do CDS, ao Provedor da Santa Casa durante a sua audição no Parlamento. Mas Edmundo Martinho recusou liminarmente a ideia, não se detendo em explicações.
Segundo as regras comunitárias, os Estados-membros devem notificar a Comissão sempre que estejam perante um caso de ajuda de Estado, cabendo a Bruxelas estudar o dossiê e concluir se é de facto uma ajuda de Estado e, sendo. Se pode cair dentro de alguma das exceções previstas.
Os critérios à luz dos quais se determina se uma operação deve ser estudada no âmbito das regras da Concorrência são basicamente quatro:
- Haver uma intervenção Estatal ou através de recursos do Estado, podendo tomar uma variedade de formatos – por exemplo, subsídios, alívio nos juros ou nos impostos, garantias, participação estatal na totalidade ou em parte de uma empresa ou providência de bens e serviços em termos preferenciais, etc.;
- A intervenção dar uma vantagem numa base seletiva, por exemplo para empresas específicas ou setores específicos, ou empresas localizadas em regiões específicas;
- Existir concorrência distorcida;
- Suceder que a intervenção possa afetar o comércio entre Estados-membros.
No caso da Santa Casa, o primeiro critério levanta logo dúvidas. Conforme explicam os especialistas, os recursos da Santa Casa podem ser considerados públicos. Além disso, a Santa Casa faz parte do perímetro das Administrações Públicas: S.13113 – Administração Central – Instituições sem Fins Lucrativos da Administração Central. É isto que consta da lista de entidades incluídas, da responsabilidade do INE (Instituto Nacional de Estatística), no Setor das Administrações Públicas (S.13 nos termos do Código do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais).
Se a Comissão Europeia vier a concluir que este é um caso de ajuda de Estado, tem de avaliar se pode cair dentro das exceções autorizadas. Primeiro, “há que saber se um investidor, agindo em condições normais de uma economia de mercado, face às possibilidades de rentabilidade previsíveis, estaria disponível para fazer o mesmo investimento”, como explica Miguel Moura e Silva, que defende ser aqui “duvidoso, porque esta solução parece surgir precisamente porque o Estado não consegue encontrar um parceiro privado para o Montepio”.
O Provedor Edmundo Martinho disse que muitas instituições, quer misericórdias quer mutualistas, estão só à espera da SCML para entrar também no capital do banco, mas estes não são considerados investidores privados, pois, segundo o especialista, “os seus incentivos estão distorcidos face ao investidor em condições de mercado”.
Depois, há que “avaliar se essa ajuda de Estado distorce a concorrência”. E o predito professor de direito diz que se pode argumentar que sim, “tendo em conta que o Montepio é um banco representativo no mercado e o investimento é significativo”. Por isso, na sequência da investigação, Bruxelas pode limitar a dimensão do investimento ou impor planos de reestruturação à entidade que recebe o capital.
Por enquanto, ninguém sabe dizer o que pensa a Comissão Europeia sobre o caso, mas sabe-se que o Governo ainda não notificou a Comissão.
Ora, se o Executivo não notificar a Comissão (não se sabe se o fará), mas, se o caso for considerado pertinente, Bruxelas pode iniciar um procedimento por si mesma, ou reagir a uma queixa.
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Pessoalmente, como já deixei entender noutras ocasiões, que a não entrada fosse decidida sem o eventual látego de Bruxelas, até porque sinceramente nem me tinha apercebido desta dificuldade adicional. 
Porém, a nebulosidade fica mais adensada quando se sabe que o banco não tem seguido as indicações do BdP para separar a sua marca e denominação das da Associação Mutualista, tendo o regulador dado recentemente um novo prazo para tal, até ao final do trimestre.
Por outro lado, aos balcões do banco continuam a vender-se produtos do banco e da associação mutualista sem que se faça a distinção de origem perante os clientes.
De acordo com o Jornal de Negócios (acesso pago), o supervisor admite que
Determinou à Caixa Económica Montepio Geral a apresentação de um plano de ação que assegurasse a separação entre ambas as marcas, de modo a tornar publicamente percetível, de forma clara e inequívoca, as diferenças entre as duas instituições”.
Félix Morgado já apresentou um plano no passado e progressivamente tem vindo a implementar medidas que visam responder às recomendações do Banco de Portugal. Entre outras medidas, em cima da mesa está a distinção das insígnias entre banco e dono – Montepio.
Ainda assim, continua a ser pouco clara a distinção entre o que são os produtos mutualistas (que se referem ao acionista Associação Mutualista) e os produtos bancários (da Caixa Económica), acabando por criar confusão junto dos clientes do banco.
A somar a isto, dá-se o caso de a associação mutualista não ter facultado ao Haitong informação sobre a Caixa Económica Montepio, pelo que ainda não se realizou a análise aprofundada (due dilligence) ao banco no âmbito da avaliação independente encomendada pela SCML.
Segundo o Público (acesso pago), o banco de investimento terá requerido à associação mutualista presidida por Tomás Correia diversos dados financeiros relacionados com algumas operações do Montepio para uma análise mais completa sobre a situação financeira do banco. O pedido foi recusado com o argumento de que as contas de 2017 ainda não estão fechadas e porque a gestão do banco liderada por Félix Morgado está de saída.
Adicionalmente, a associação argumentou que a aquisição de 10% de uma empresa não tem de implicar a realização de uma due dilligence, considerando-se que a informação que se encontra hoje publicamente disponível é suficiente para fazer uma análise de risco adequada.
Fonte oficial da Associação Mutualista “desmente categoricamente quando se afirma que …não disponibilizou informação sobre a CEMG…”, acrescentando que “não tem quaisquer comentários adicionais a fazer” e “obrigando-se a respeitar escrupulosamente os acordos contratuais de confidencialidade existentes entre as partes”. Mas a avaliação é crucial para a possível entrada da SCML no capital do Montepio, até porque o banco valerá menos do que aquilo que foi publicitado, embora se saiba que passou nos testes de stresse feitos pelo BCE.
A supervisão da associação a cabe ao Ministério da Segurança Social, a quem compete também supervisionar a sua atividade e produtos, mas que não confere garantia de reembolso de capital, ao contrário dos produtos do banco. Já o Banco de Portugal tem vindo a atuar junto do banco de forma a “acautelar, de forma preventiva, o risco de uma perceção incorreta da natureza dos produtos emitidos pela Associação Mutualista por parte dos clientes e do público em geral”.
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Face a esta complexa situação, é de esperar pelo desfecho, a menos que as entidades implicadas recuem. Entretanto, muita tinta (viva e/ou seca ) há de gastar-se e muita água correrá sobre as pontes!
2018.01.17 – Louro de Carvalho  

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