As notícias das buscas policiais no Ministério das Finanças
português chegaram ao influente site
europeu de notícias Politico.eu e
terá sido isso que levou o alemão Manfred Weber, líder parlamentar do Partido
Popular Europeu (PPE), a querer levar à conferência de
presidentes a proposta de discussão do caso Centeno no Plenário do Parlamento
Europeu.
Em causa está o facto de o Ministro das Finanças e agora Presidente
do Eurogrupo ter pedido ao Benfica que o colocassem a ele e a um filho na
tribuna de honra do clube da Luz, aduzindo razões de segurança, pelo que, há dias,
as autoridades judiciais fizeram buscas no Ministério das Finanças, estando
Centeno aparentemente sob suspeita de recebimento indevido de vantagem.
O PPE
considera que há “esclarecimentos” a dar aos “cidadãos europeus”, no caso das
buscas da PJ ao ministério das Finanças ao debate no Parlamento Europeu, por se
tratar de um caso que alegadamente envolve “o presidente do Eurogrupo”. Por
isso, pretende que o assunto seja levado a debate, na quinta-feira.
E, como avança o Expresso
(acesso pago), o PPE terá enviado aos restantes
grupos parlamentares um email com um pedido de debate sobre “alegações contra o
Ministro das Finanças português e Presidente do Eurogrupo”.
O pedido do
PPE deveria primeiro ser discutido na conferência de presidentes – que reúne os
líderes dos vários grupos políticos no Parlamento Europeu. Havendo maioria
entre os presidentes, o debate segue para plenário; caso contrário, não.
***
A este respeito, Carlos Zorrinho, eurodeputado do PS, na sua reação ao Expresso, classificou a “proposta de agendamento absurda, absolutamente extemporânea
tendo em conta que não há absolutamente nenhum processo em curso, em relação ao
ministro das Finanças português “, e acusou o PPE de querer “usar o Parlamento
Europeu para denegrir Portugal”. E, declarando confiar que “a conferência de
presidentes considerará este tema inadequado e sem substância para agendamento”,
desvalorizou a possibilidade de o tema rumar ao Plenário do Parlamento Europeu,
até porque, segundo este eurodeputado, “o Parlamento Europeu não é, certamente,
o sitio adequado para qualquer discussão deste tipo”.
Sendo assim,
conclui que “a intenção de quem fez esta proposta era claramente a de denegrir
a imagem de um país que está a ter um enorme sucesso do ponto de vista económico,
com uma receita que não é propriamente a do PPE”, e considera que a “tentativa”
de atingir o Ministro não terá sucesso, “pois, a capacidade que ele tem
demonstrado como ministro das Finanças português que vai demonstrar como
presidente do Eurogrupo, está acima de tudo isso”.
Também o PSD, que
integra a bancada do Partido Popular Europeu, já se demarcou da posição do
grupo. A este propósito, o eurodeputado Paulo Rangel diz que “não existe motivo” – “nem faz
sentido” – discutir o tema no Parlamento Europeu. Posições semelhantes tiveram
o CDS, o PCP, o Bloco de Esquerda e o Partido da Terra.
Paulo Rangel garantiu esta manhã ao DN que o “caso Mário Centeno” não será discutido no Plenário do
Parlamento Europeu – pode, quando muito, ser conversado amanhã numa conferência
de líderes parlamentares.
Rangel explicou ao DN
que protestou imediatamente junto de Manfred Weber – e o PSD e o CDS, integram
o PPE – e a esses protestos juntaram-se socialistas, ecologistas e liberais.
O eurodeputado socialdemocrata classificou de “impertinente e
absurda” a pretensão de Weber, argumentando que, pelo menos por ora, não há
nada a discutir nem a esclarecer, pois a investigação criminal não tem arguidos
e nem se sabe exatamente o que está a ser investigado.
O que o eurodeputado ainda não está em condições de garantir
é que o assunto nem sequer seja abordado na conferência dos líderes
parlamentares do Parlamento Europeu, que costuma decorrer geralmente às
quintas-feiras de manhã.
Paulo Rangel, vice-presidente do PPE, relatou:
“A mim o que me disseram é que se deveria fazer um agendamento para
esclarecimento, tendo em conta que se trata do presidente do Eurogrupo e, naturalmente,
os cidadãos europeus teriam direito a um esclarecimento, sobre a situação”.
Referindo
que “alguns elementos” da sua própria família política europeia estão a fazer
“uma tempestade num copo de água”, disse:
“Sinceramente, o que lhes disse foi que não existe, sequer, nenhuma
imputação a uma pessoa. Portanto, não faz sentido”.
E, esperando
que o assunto seja encerrado, ajuizou:
“Consideramos uma ideia que não tem sentido absolutamente nenhum. Se já
era um assunto que, tal como apareceu na imprensa portuguesa, não tem qualquer
cabimento no espaço nacional, acho que ele ainda tem menos cabimento no espaço
europeu. […] Consideramos que não há nenhum motivo e nenhuma razão para que
este tema seja agora sequer levado à conferência de presidentes. Isso não tem
sentido absolutamente nenhum. Com a informação disponível é uma coisa
totalmente impertinente. Não tem pertinência e é extemporânea.”.
***
Também Nuno Melo, eurodeputado do CDS, considerou que a ideia de colocar o
assunto na agenda da sessão plenária que decorre em Estrasburgo entre segunda e
quinta-feira da próxima semana “não faz nenhum sentido”. Disse
este eurodeputado:
“À
política o que é da política, à justiça o que é da justiça, sendo que no caso,
se é verdade que decorre uma investigação em Portugal, como é público, o Ministro
Mário Centeno não foi sequer constituído arguido e, portanto, esta é uma
audição que é absurda no tempo e inclusivamente nos seus pressupostos. E em
relação a isso eu não tenho uma avaliação partidária, tenho uma posição que é
de princípio.”.
Já Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, e Marinho e
Pinto acusam o PPE de “oportunismo político”. “Neste momento é prematuro fazer
extrapolações políticas de um caso que não é aparentemente muito grave”, diz o
eurodeputado.
“Isto é política interna e, nesta fase, não há nenhuma
razão para meter isto no Parlamento Europeu”, afirma também o Eurodeputado do
PCP Miguel Viegas.
***
Os eurodeputados referidos falavam minutos antes duma cerimónia de
homenagem a Mário Soares pelo Parlamento Europeu, na qual participa o
Primeiro-Ministro, António Costa, que, ainda no dia 29, renovava a confiança no
Ministro das Finanças e frisava que Mário Centeno “não sairá do Governo em
circunstância alguma” relacionada com investigações sobre alegados
benefícios em troca de bilhetes de jogos de futebol.
O Primeiro-Ministro reagia às notícias de que Centeno poderia
demitir-se na sequência das investigações sobre a oferta de bilhetes do Benfica
declarando que mantém e manterá toda a confiança no Ministro das Finanças,
Mário Centeno, mesmo que este venha a ser constituído arguido no caso dos
bilhetes para ver o Benfica. Dizia-o aos jornalistas à margem das cerimónias
fúnebres do histórico socialista Edmundo Pedro.
Embora fazendo questão de dizer que “ninguém está acima da
lei”, sustentou: “Quem decide a composição do Governo sou eu e mantenho toda a
confiança em Mário Centeno”. Com efeito, para Costa “o professor Mário Centeno
é uma pessoa de enorme dignidade e seriedade que tem prestado serviços de
grande relevância para o país”.
Entretanto, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmava a existência de diligências “para recolha
documental”, num inquérito que “não tem arguidos constituídos e está em segredo
de justiça”.
Confrontado com os casos
de Secretários de Estado que abandonaram o Governo por casos ligados à seleção
nacional de futebol, António Costa adiantou que os mesmos o fizeram, “a seu
pedido, para serem constituídos arguidos e gozarem da liberdade suficiente para
exercerem os seus direitos”.
***
Como
quem me conhece compreende, não alinho simplisticamente na argumentação de Nuno
Melo no sentido de deixar à justiça o que é da justiça e à política o que é da
política, porquanto, do meu ponto de vista, a justiça, além de ser uma virtude
totalizante no campo da ética, é a guia da ação política. Por outro lado, se
dantes competia ao príncipe o exercício de todo o poder político na dimensão
legislativa, executiva e judicial, agora o exercício do poder político – o
poder político na sua máxima expressão, a soberania, reside no povo – está distribuído
por confiança do povo, em separado e em interação, por diferentes órgãos: o
Parlamento (que legisla e fiscaliza a execução das leis), o Governo (que
executa as leis e as regulamente e superintende na Administração Pública) e os Tribunais (que
administram a justiça aplicando a Lei).
E junta-se ao papel de representante do Estado, atribuído ao Presidente da
República, o papel moderador e de relação com os demais órgãos de soberania. Tanto
assim e que a nossa Constituição reparte o poder político, na sua organização por
quatro órgãos de soberania. E um deles são os tribunais.
Depois,
sem me intrometer na neblina das intenções, alinho com as críticas ao PPE da
parte dos diversos eurodeputados portugueses. Com efeito, embora seja plausível
que um Parlamento discuta casos em investigação judicial ou sobre os quais
recaiam suspeitas e dúvidas de ilegalidade, para o que se disponibilizam as adequadas
comissões parlamentares de inquérito (sem que se venha clamar
“à justiça o que é da justiça e à política o que é da política” – e Nuno Melo
desempenhou papel altamente relevante numa comissão de inquérito, creio que ao
caso BPN), a
pretensão do PPE é atrevida.
Em primeiro
lugar, deveria ter esperado que as autoridades portuguesas chegassem a conclusões,
pelo menos, preliminares ou que Centeno tirasse ilações políticas. Em segundo
lugar, em vez de querer agendar, através da conferência de presidentes, a discussão
do caso português, no Plenário do Parlamento Europeu, deveria ouvir, primeiro, os
eurodeputados portugueses que integram essa família política europeia. E,
somente depois, no caso de haver fundamento para duvidar do perfil de Centeno
para a presidência do Eurogrupo, promover o agendamento do caso na conferência
de presidentes e no Plenário do Parlamento Europeu.
No caso
do futebol, Centeno estaria não ao arrepio da Lei, mas do código de conduta aplicável
aos membros do Governo, membros dos seus gabinetes e gestores públicos (de
teor discutível); e,
no caso, da alegada isenção de IMI, trata-se de assunto da competência da
respetiva assembleia municipal sob proposta da câmara. Dificilmente uma
vereação inteira e umas dezenas de deputados municipais estariam permeáveis a
um hipotético pedido ministerial.
Assim, enquanto
o caso Centeno, em Portugal, bem pode ser a montanha que pariu um rato, para o
PPE, se deu celeremente atenção ao “político.eu”, pode bem tratar-se de uma gravidez
pelos ouvidos ou pelos olhos.
E pergunto-me
se o Parlamento Europeu não terá mais nada que fazer.
2018.01.31 –
Louro de Carvalho
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