quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O PPE esteve prestes a engravidar pelos ouvidos ou pelos olhos

As notícias das buscas policiais no Ministério das Finanças português chegaram ao influente site europeu de notícias Politico.eu e terá sido isso que levou o alemão Manfred Weber, líder parlamentar do Partido Popular Europeu (PPE), a querer levar à conferência de presidentes a proposta de discussão do caso Centeno no Plenário do Parlamento Europeu.
Em causa está o facto de o Ministro das Finanças e agora Presidente do Eurogrupo ter pedido ao Benfica que o colocassem a ele e a um filho na tribuna de honra do clube da Luz, aduzindo razões de segurança, pelo que, há dias, as autoridades judiciais fizeram buscas no Ministério das Finanças, estando Centeno aparentemente sob suspeita de recebimento indevido de vantagem.
O PPE considera que há “esclarecimentos” a dar aos “cidadãos europeus”, no caso das buscas da PJ ao ministério das Finanças ao debate no Parlamento Europeu, por se tratar de um caso que alegadamente envolve “o presidente do Eurogrupo”. Por isso, pretende que o assunto seja levado a debate, na quinta-feira.
E, como avança o Expresso (acesso pago), o PPE terá enviado aos restantes grupos parlamentares um email com um pedido de debate sobre “alegações contra o Ministro das Finanças português e Presidente do Eurogrupo”.
O pedido do PPE deveria primeiro ser discutido na conferência de presidentes – que reúne os líderes dos vários grupos políticos no Parlamento Europeu. Havendo maioria entre os presidentes, o debate segue para plenário; caso contrário, não.
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A este respeito, Carlos Zorrinho, eurodeputado do PS, na sua reação ao Expresso, classificou a “proposta de agendamento absurda, absolutamente extemporânea tendo em conta que não há absolutamente nenhum processo em curso, em relação ao ministro das Finanças português “, e acusou o PPE de querer “usar o Parlamento Europeu para denegrir Portugal”. E, declarando confiar que “a conferência de presidentes considerará este tema inadequado e sem substância para agendamento”, desvalorizou a possibilidade de o tema rumar ao Plenário do Parlamento Europeu, até porque, segundo este eurodeputado, “o Parlamento Europeu não é, certamente, o sitio adequado para qualquer discussão deste tipo”.
Sendo assim, conclui que “a intenção de quem fez esta proposta era claramente a de denegrir a imagem de um país que está a ter um enorme sucesso do ponto de vista económico, com uma receita que não é propriamente a do PPE”, e considera que a “tentativa” de atingir o Ministro não terá sucesso, “pois, a capacidade que ele tem demonstrado como ministro das Finanças português que vai demonstrar como presidente do Eurogrupo, está acima de tudo isso”.
Também o PSD, que integra a bancada do Partido Popular Europeu, já se demarcou da posição do grupo. A este propósito, o eurodeputado Paulo Rangel diz que “não existe motivo” – “nem faz sentido” – discutir o tema no Parlamento Europeu. Posições semelhantes tiveram o CDS, o PCP, o Bloco de Esquerda e o Partido da Terra.
Paulo Rangel garantiu esta manhã ao DN que o “caso Mário Centeno” não será discutido no Plenário do Parlamento Europeu – pode, quando muito, ser conversado amanhã numa conferência de líderes parlamentares.
Rangel explicou ao DN que protestou imediatamente junto de Manfred Weber – e o PSD e o CDS, integram o PPE – e a esses protestos juntaram-se socialistas, ecologistas e liberais.
O eurodeputado socialdemocrata classificou de “impertinente e absurda” a pretensão de Weber, argumentando que, pelo menos por ora, não há nada a discutir nem a esclarecer, pois a investigação criminal não tem arguidos e nem se sabe exatamente o que está a ser investigado.
O que o eurodeputado ainda não está em condições de garantir é que o assunto nem sequer seja abordado na conferência dos líderes parlamentares do Parlamento Europeu, que costuma decorrer geralmente às quintas-feiras de manhã.
Paulo Rangel, vice-presidente do PPE, relatou:
A mim o que me disseram é que se deveria fazer um agendamento para esclarecimento, tendo em conta que se trata do presidente do Eurogrupo e, naturalmente, os cidadãos europeus teriam direito a um esclarecimento, sobre a situação”.
Referindo que “alguns elementos” da sua própria família política europeia estão a fazer “uma tempestade num copo de água”, disse:
Sinceramente, o que lhes disse foi que não existe, sequer, nenhuma imputação a uma pessoa. Portanto, não faz sentido”.
E, esperando que o assunto seja encerrado, ajuizou:
Consideramos uma ideia que não tem sentido absolutamente nenhum. Se já era um assunto que, tal como apareceu na imprensa portuguesa, não tem qualquer cabimento no espaço nacional, acho que ele ainda tem menos cabimento no espaço europeu. […] Consideramos que não há nenhum motivo e nenhuma razão para que este tema seja agora sequer levado à conferência de presidentes. Isso não tem sentido absolutamente nenhum. Com a informação disponível é uma coisa totalmente impertinente. Não tem pertinência e é extemporânea.”.
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Também Nuno Melo, eurodeputado do CDS, considerou que a ideia de colocar o assunto na agenda da sessão plenária que decorre em Estrasburgo entre segunda e quinta-feira da próxima semana “não faz nenhum sentido”. Disse este eurodeputado:
 “À política o que é da política, à justiça o que é da justiça, sendo que no caso, se é verdade que decorre uma investigação em Portugal, como é público, o Ministro Mário Centeno não foi sequer constituído arguido e, portanto, esta é uma audição que é absurda no tempo e inclusivamente nos seus pressupostos. E em relação a isso eu não tenho uma avaliação partidária, tenho uma posição que é de princípio.”.
Já Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, e Marinho e Pinto acusam o PPE de “oportunismo político”. “Neste momento é prematuro fazer extrapolações políticas de um caso que não é aparentemente muito grave”, diz o eurodeputado.
“Isto é política interna e, nesta fase, não há nenhuma razão para meter isto no Parlamento Europeu”, afirma também o Eurodeputado do PCP Miguel Viegas.
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Os eurodeputados referidos falavam minutos antes duma cerimónia de homenagem a Mário Soares pelo Parlamento Europeu, na qual participa o Primeiro-Ministro, António Costa, que, ainda no dia 29, renovava a confiança no Ministro das Finanças e frisava que Mário Centeno “não sairá do Governo em circunstância alguma” relacionada com investigações sobre alegados benefícios em troca de bilhetes de jogos de futebol.
O Primeiro-Ministro reagia às notícias de que Centeno poderia demitir-se na sequência das investigações sobre a oferta de bilhetes do Benfica declarando que mantém e manterá toda a confiança no Ministro das Finanças, Mário Centeno, mesmo que este venha a ser constituído arguido no caso dos bilhetes para ver o Benfica. Dizia-o aos jornalistas à margem das cerimónias fúnebres do histórico socialista Edmundo Pedro.
Embora fazendo questão de dizer que “ninguém está acima da lei”, sustentou: “Quem decide a composição do Governo sou eu e mantenho toda a confiança em Mário Centeno”. Com efeito, para Costa “o professor Mário Centeno é uma pessoa de enorme dignidade e seriedade que tem prestado serviços de grande relevância para o país”.
Entretanto, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmava a existência de diligências “para recolha documental”, num inquérito que “não tem arguidos constituídos e está em segredo de justiça”.
Confrontado com os casos de Secretários de Estado que abandonaram o Governo por casos ligados à seleção nacional de futebol, António Costa adiantou que os mesmos o fizeram, “a seu pedido, para serem constituídos arguidos e gozarem da liberdade suficiente para exercerem os seus direitos”.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             ***
Como quem me conhece compreende, não alinho simplisticamente na argumentação de Nuno Melo no sentido de deixar à justiça o que é da justiça e à política o que é da política, porquanto, do meu ponto de vista, a justiça, além de ser uma virtude totalizante no campo da ética, é a guia da ação política. Por outro lado, se dantes competia ao príncipe o exercício de todo o poder político na dimensão legislativa, executiva e judicial, agora o exercício do poder político – o poder político na sua máxima expressão, a soberania, reside no povo – está distribuído por confiança do povo, em separado e em interação, por diferentes órgãos: o Parlamento (que legisla e fiscaliza a execução das leis), o Governo (que executa as leis e as regulamente e superintende na Administração Pública) e os Tribunais (que administram a justiça aplicando a Lei). E junta-se ao papel de representante do Estado, atribuído ao Presidente da República, o papel moderador e de relação com os demais órgãos de soberania. Tanto assim e que a nossa Constituição reparte o poder político, na sua organização por quatro órgãos de soberania. E um deles são os tribunais.
Depois, sem me intrometer na neblina das intenções, alinho com as críticas ao PPE da parte dos diversos eurodeputados portugueses. Com efeito, embora seja plausível que um Parlamento discuta casos em investigação judicial ou sobre os quais recaiam suspeitas e dúvidas de ilegalidade, para o que se disponibilizam as adequadas comissões parlamentares de inquérito (sem que se venha clamar “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política” – e Nuno Melo desempenhou papel altamente relevante numa comissão de inquérito, creio que ao caso BPN), a pretensão do PPE é atrevida.
Em primeiro lugar, deveria ter esperado que as autoridades portuguesas chegassem a conclusões, pelo menos, preliminares ou que Centeno tirasse ilações políticas. Em segundo lugar, em vez de querer agendar, através da conferência de presidentes, a discussão do caso português, no Plenário do Parlamento Europeu, deveria ouvir, primeiro, os eurodeputados portugueses que integram essa família política europeia. E, somente depois, no caso de haver fundamento para duvidar do perfil de Centeno para a presidência do Eurogrupo, promover o agendamento do caso na conferência de presidentes e no Plenário do Parlamento Europeu.
No caso do futebol, Centeno estaria não ao arrepio da Lei, mas do código de conduta aplicável aos membros do Governo, membros dos seus gabinetes e gestores públicos (de teor discutível); e, no caso, da alegada isenção de IMI, trata-se de assunto da competência da respetiva assembleia municipal sob proposta da câmara. Dificilmente uma vereação inteira e umas dezenas de deputados municipais estariam permeáveis a um hipotético pedido ministerial.
Assim, enquanto o caso Centeno, em Portugal, bem pode ser a montanha que pariu um rato, para o PPE, se deu celeremente atenção ao “político.eu”, pode bem tratar-se de uma gravidez pelos ouvidos ou pelos olhos.
E pergunto-me se o Parlamento Europeu não terá mais nada que fazer.

2018.01.31 – Louro de Carvalho   

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