Após uma auditoria
jurídico-financeira, feita a partir de 2016, por parte do ISS-IP (Instituto de Segurança Social,
Instituto Público) a Fundação “O Século”, criada a
partir de uma colónia de férias para crianças desfavorecidas, está a ser alvo
de investigações policiais e do Ministério Público (MP) por
suspeitas de crimes económico-financeiros e abuso de poder.
A
instituição, face aos resultados da predita auditoria e graças a uma
participação do ISS ao MP em dezembro de 2016, foi alvo de buscas no passado
dia 4 pela Polícia Judiciária, tendo o MP explicado que na base da investigação
estiveram suspeitas da prática de crimes de peculato e de abuso de poder, de 2012
até hoje, nomeadamente por via de compras pessoais feitas pelo Presidente e
pelo Vice-presidente, com cartões de crédito da fundação.
O jornal “I” avançou, a 5 de janeiro, citando uma
denúncia de trabalhadores, que o presidente da fundação, Emanuel Martins, no
cargo há 18 anos, terá ainda aproveitado as suas funções para criar postos de
trabalho para 7 familiares e para amigos, fazendo uma gestão “danosa e
ruinosa”.
Os
familiares em causa são os filhos de Emanuel Martins, Cláudia Martins, que é
secretária do presidente, e Mário Martins, responsável pelo armazém.
Também, segundo
o mesmo jornal, a mulher do presidente, Fernanda Martins, é responsável pela
equipa de limpeza, além de dois enteados, Carlos Mártires, diretor-geral, e
Nuno Mártires, responsável pela manutenção.
Entre os
trabalhadores encontram-se ainda duas noras de Emanuel Martins, Carla Teixeira,
responsável pela empresa de ‘take-away’, e Vanessa Fernandes, que cria os menus da fundação.
Face às
buscas da PJ, o presidente disse estar de consciência tranquila e
contra-atacou, acusando a Câmara Municipal de Lisboa de ficar “com 4,3 milhões
de euros” e de ter dado à fundação “apenas um milhão daquilo que devia” na
sequência do encerramento da Feira Popular.
Segundo o
Relatório e Contas da fundação, relativo a 2016, a entidade registou, nesse
ano, um prejuízo de 781 mil euros, uma recuperação face a 2015, quando
apresentava um resultado negativo superior a um milhão de euros.
A maior
parte das receitas desta IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social) provém de subsídios e donativos, que, em 2016,
contribuíram com 1,30 milhões de euros para as contas da fundação. No ano anterior,
o valor era um pouco superior, chegando aos 1,36 milhões de euros.
Do Estado a
fundação recebeu entre 1,1 e 1,2 milhões de euros por ano desde 2014, mas
sublinha que estes montantes dizem respeito ao pagamento de serviços prestados
contratados e não à atribuição de um valor para apoiar atividades.
Deste valor,
a maior parte proveio do ISS-IP, que foi responsável por mais de 900 mil euros
anuais. O restante teve origem no Instituto do Emprego e Formação Profissional
e nas autarquias, refere o predito Relatório e Contas, publicado no site da fundação.
O relatório
aponta “outros rendimentos” como a segunda fonte mais importante de encaixe
financeiro, tendo em 2016 representado 909 mil euros e em 2015 chegado aos 1,09
milhões de euros. Estão neste âmbito as vendas e prestações de
serviços, que são também uma fonte de receitas, tendo aumentado de 684 mil
euros para 866 mil euros entre 2015 e 2016.
Em custos, o
maior peso é constituído pelos gastos com o pessoal, que, em 2016,
representaram 2,2 milhões de euros, valor ligeiramente inferior ao de 2015,
quando atingia os 2,4 milhões.
Segundo o
predito relatório, no final de 2016 trabalhavam para a entidade 131 pessoas,
menos 10 pessoas do que em 2015, havendo gastos de reestruturação do quadro de
pessoal, calculados em 187 mil euros.
O Relatório
e Contas da Fundação “O Século” aponta, ainda, que o passivo da entidade
chegava aos 6,1 milhões de euros em 2016, quando no ano anterior era de 4,3
milhões. A IPSS registou também uma redução da liquidez, passando de 141% em
2015 para 79% em 2016.
O documento
refere também que o fundo de maneio da fundação sofreu uma forte quebra,
passando de 435,3 mil euros em 2015 para 663,1 mil euros negativos em 2016.
***
A fundação
foi criada em 1998 com o objetivo de continuar a obra social da antiga Colónia
Balnear Infantil O Século, fundada em 1927 por João Pereira da Rosa, o então
diretor do jornal O Século. A colónia
balnear, que funcionava em São Pedro do Estoril, proporcionava férias a
milhares de crianças desfavorecidas, sendo financiada inicialmente com
donativos ao jornal e depois pela Feira Popular de Lisboa, criada por João
Pereira da Rosa em 1943 e encerrada pela autarquia lisboeta em 2003.
Nessa
altura, “a fundação decidiu apostar no empreendedorismo social para criar novas
receitas e passou a disponibilizar alojamentos para turismo a preços
acessíveis”, criando também um serviço de refeições para fora e um serviço de
lavandaria e engomadoria.
A fundação
alega, na informação disponibilizada no site, que estes novos negócios foram a
forma de responder aos problemas financeiros causados pelo “incumprimento
abrupto do contrato/protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa sobre a Feira
Popular de Lisboa”.
Atualmente,
a fundação apoia crianças, idosos e famílias carenciadas, num total de 800
pessoas.
Segundo disse
ontem à Lusa fonte oficial, a
auditoria jurídico-financeira em 2016 por parte do Instituto da Segurança
Social (ISS) foi determinada na sequência de denúncias e resultou
em participação feita ao Ministério Público, embora, como refere o JN de hoje, os dois suspeitos ainda não tenham
sido constituídos arguidos.
***
Segundo refere
o MTSSS (Ministério do
Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social) a instituição que foi criada em 1998, como uma
espécie de herança da Colónia Balnear Infantil O Século, é uma IPSS que
desenvolve a sua atividade em respostas sociais tendo acordos de cooperação com
o ISS-IP, designadamente na área de crianças e jovens sem respostas sociais
como creche ou lar de infância e juventude.
E, segundo o
site da Fundação, tem com missão, “promover e
contribuir para a criação de condições e oportunidades, que possibilitem não só
o desenvolvimento sociocultural de crianças, como a assistência social a idosos
e pessoas menos favorecidas ou em risco social”.
Assim, para
lá das colónias de férias, a fundação presta hoje serviços de alojamento,
creche e educação pré-escolar, apoio alimentar e domiciliário, bem como
programas de ocupação de tempos-livres em bairros problemáticos de Cascais.
Foi
reconhecida como Instituição Privada de Solidariedade Social, com o estatuto de
Utilidade Pública, desde junho de 1999.
De acordo com
a listagem de subvenções e outros benefícios públicos, disponibilizada
através da Direção-Geral de Finanças, a Fundação “O Século” recebeu 3,3 milhões
de euros do Estado entre 2015 e 2016: 1.697.535 euros em 2016 e 1.596.461 euros
em 2015. O Instituto da Segurança Social, no âmbito do Programa SERE+, para a
Infância e Juventude, comparticipou a organização com 47.438 euros em 2015; um
ano mais tarde, de acordo com o Programa de Emergência Alimentar, entregou-lhe
49.975 euros.
Da Câmara
Municipal de Cascais, em 2016, a fundação recebeu 176.574 euros, mais
a cedência de um terreno de 5.050 m2, em São Pedro do Estoril, avaliado em
449.910 euros, para a construção de uma série de equipamentos: um monumento ao
Movimento das Forças Armadas (MFA), um colégio,
uma residência para idosos, uma escola de surf, um auditório e um parque de
estacionamento subterrâneo.
De acordo com
o Relatório de Atividades e Constas de 2016, como já foi referido, no
final desse ano a Fundação “O Século” empregava 131 pessoas (no ano anterior eram 149 os
funcionários da IPSS).
A filha do
presidente, Emanuel Martins, trabalhou como secretária da Fundação até ao verão
passado e o seu filho ainda faz parte da lista de funcionários. A este respeito
Emanuel Martins insurgiu-se perante o Público, dizendo: “O meu filho tem o direito de chegar ao departamento de recursos humanos
da instituição e pedir para cá trabalhar”.
À SIC, que o
questionou sobre se a sua mulher, enteados e uma nora também faziam parte da
lista de funcionários, num total de 7 familiares, o presidente disse que não
era casado, mas reconheceu que essas pessoas trabalham ou trabalharam na
fundação: “Houve pessoas que saíram e
pessoas que entraram, todas essas contratações foram feitas dentro da
legalidade”. E a filha de João Ferreirinho, vice-presidente da instituição,
também trabalha na instituição.
Com remunerações
aos órgãos sociais, a Fundação “O Século” gastou 224.127,73 euros em 2016. Em
ordenados de funcionários gastou 1.478.674,22 euros.
***
Registe-se
a morosidade processual havida com a Fundação. Como foi dito, em 2016, o Instituto da Segurança
Social recebeu uma denúncia relativamente à Fundação “O Século” que levou
à realização de uma auditoria jurídico-financeira na instituição – processo
que, de acordo com a agência Lusa, se
prolongou ao longo de todo o ano. Os resultados finais motivaram a queixa ao
Ministério Público. E só esta quinta-feira, 4 de janeiro, a Polícia Judiciária
fez buscas na sede da fundação, em São Pedro do Estoril. Segundo o Observador, os suspeitos já foram constituídos
arguidos; segundo o JN, ainda não. E os crimes em causa são o peculato e o
abuso de poder, cometidos de forma continuada desde 2012 até ao presente.
As
autoridades suspeitam que, além da contratação abusiva de familiares, os
dirigentes tenham também usado cartões de crédito da instituição para despesas
pessoais, jantares e viagens incluídos. O Presidente assume ter a “consciência
tranquila” e desafia: “Investiguem o que
houver para investigar e ajam em conformidade. Não temos de ficar contrariados
com as investigações.”.
Em que difere
este caso moroso do mais rápido e sonoro caso da “Raríssimas”? Não haver
notório envolvimento de políticos, contas com vestidos e gambas, planos de
poupança-reforma e BMW diário?
E, já agora,
teremos que esperar que saia da toca mais algum processo escandaloso de grande
IPSS empresarializada?
2018.01.06 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário