quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Abertura do Ano Judicial 2018

Ficou marcada pela questão PGR e relações com Angola, pelo estatuto das magistraturas e pelo Pacto da justiça.
Marques Vidal salienta a importância da ligação entre os MP dos Membros da CPLP no contexto em que Portugal atravessa um incidente diplomático com o processo que envolve o ex-vice presidente de Angola Manuel Vicente, dizendo a uma plateia repleta de magistrados, procuradores, advogados e membros do Governo:
OA frisa o défice de proteção de direitos fundamentais; PGR sublinha a maior eficácia do MP, mesmo no combate à criminalidade de grande complexidade; STJ diz que é preciso evitar política criminal à ‘flor da pele’; e PR, reconhecendo a necessidade de avançar com medidas urgentes, pede que partidos se posicionem quanto ao Pacto da Justiça.
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A Procuradora-Geral da República (PGR) disse, na sua intervenção, que a ação penal, nos dias que correm, é mais eficaz, mesmo no combate à criminalidade de grande complexidade, pois, como garantiu, “assiste-se, hoje, a um mais eficaz exercício de ação penal, mesmo quando está em causa criminalidade de elevada complexidade”.
Para a PGR, os prazos de duração de vários processos diminuíram, a utilização dos mecanismos de simplificação processual foi aumentando, tendo atingido, em 2017, 60% da totalidade dos inquéritos em que foram apurados indícios mínimos para o exercício da ação penal. Além disso, a criação de estruturas especializadas para a investigação da corrupção, da criminalidade económico-financeira e da criminalidade complexa, foi também um fator “imprescindível do necessário incentivo” para uma “melhor e mais eficaz investigação criminal”.
Joana Marques Vidal destacou a importância da cooperação judicial internacional, onde reconheceu que a “especial ligação do Ministério Público (MP) português aos ministérios públicos dos países da CPLP e territórios de língua oficial portuguesa”, foram uma ajuda enorme.
A PGR fez questão de saudar todos os procuradores, acrescentando que todos contribuíram para “o retomar do prestígio e do reconhecimento público” do MP, sublinhando:
Num quadro de manifesta e reconhecida falta de magistrados e funcionários, superaram as dificuldades e as perturbações de funcionamento causadas pela entrada em vigor de uma nova organização judiciária, cujo distinto paradigma não foi acompanhado nem conjugado com as consequentes e necessárias alterações ao Estatuto do Ministério Público”.
Marques Vidal salienta a importância da ligação entre os MP dos Membros da CPLP no contexto em que Portugal atravessa um incidente diplomático com o processo que envolve o ex-vice presidente de Angola Manuel Vicente, dizendo a uma plateia repleta de magistrados, procuradores, advogados e membros do Governo:
“Há que reconhecer a especial ligação do Ministério Público português aos Ministérios Públicos dos países da CPLP e territórios de língua oficial portuguesa”.
Estas palavras têm um significado mais forte no contexto em que, no próximo dia 22, começa a primeira sessão de julgamento da Operação Fizz, o caso que envolve Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola e ex-presidente da Sonangol, em que está em causa a alegada corrupção do procurador do MP Orlando Figueira ao promover o arquivamento dum inquérito relacionado com suspeitas de branqueamento de capitais do próprio Vicente. Recorde-se que Orlando Figueira, que desempenhou funções no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) entre 2008 e 2012, vai ser julgado pelos crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais, violação de segredo de justiça e falsificação de documento.
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Por seu turno, o Bastonário da OA  criticou a impossibilidade de sindicância judicial das decisões do MP na fase de inquérito, alegando um défice de proteção de diretos fundamentais.
Guilherme Figueiredo disse que, no processo penal, “deve ser pensada e ponderada a atual impossibilidade de sindicância judicial de decisões do Ministério Público, durante o inquérito, que contendam com direitos fundamentais, os quais, por princípio, nem deveriam ser da competência do Ministério Público, nos termos do artigo 32.º da Constituição”.
Para o Bastonário da Ordem dos Advogados (OA), existe também “um problema sério de défice de proteção de direitos fundamentais quando estão em causa atos administrativos ou jurisdicionais manifestamente inconstitucionais”.
O líder dos advogados levantou ainda a questão da defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos na jurisdição constitucional.
E prometeu que a Ordem vai realizar um debate sobre a eventual consagração de um recurso de amparo que terá de contemplar pressupostos de “admissibilidade exigentes”, de forma a evitar os riscos de banalização do instituto e de bloqueio do Tribunal Constitucional”.
Guilherme Figueiredo reconheceu uma excessiva limitação de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), no âmbito do processo penal, restrição desnecessária e desproporcionada e que “há mais garantias no processo civil do que no processo penal”. E frisou:
Importa realçar e criticar o facto de atualmente estar vedado o recurso ao Supremo quando os arguidos sejam pessoas coletivas”.
O Bastonário defendeu uma justiça de proximidade, um reforço da importância da advocacia e uma política de densificação de identidade das profissões jurídicas “um exercício profissional absolutamente incompatível com outra qualquer profissão”.
Defendeu ainda a realização de pactos na área, “mesmos que estes tenham um âmbito mais sobre o quotidiano e menos sobre a estruturação do sistema”, por forma a impulsionar um fórum da justiça ou “uma plataforma permanente de justiça”. Esta plataforma, proposta no recente Pacto da Justiça, permitirá, segundo Guilherme Figueiredo, “uma discussão aberta e plural”.
No atinente ao Direito Fiscal, o Bastonário defendeu ser “essencial aproximar as garantias do processo tributário ao processo civil, designadamente ao processo executivo: os contribuintes devem poder reagir contra as decisões do órgão executivo (o serviço de finanças) em tempo útil, através da subida imediata das reclamações judiciais contra atos desse órgão”. E concluiu:
É impossível apelidar de justo o atual regime que impõe, como regra, a venda dos bens dos executados como passo prévio à subida das reclamações contra os atos de penhora e/ou venda, salvo em caso de prejuízo irreparável”.
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Já o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) declarou que é necessário “evitar política criminal à flor da pele”, que tem sido condicionada por pressões com assinatura, criticando também a “expansão absurda” do regime de contraordenações.
António Henriques Gaspar considera importante refletir sobre o perigo do excesso de retórica existente em torno da “criminalidade económica”, argumentando:
Além do ruído, sobra uma noção sem muito conteúdo, quando as conceções da nova economia financeira lançam para o lixo crimes com bens jurídicos sedimentados e impõem ao legislador a fuga para o mundo das contraordenações”.
O Presidente do STJ defende a necessidade de acabar a discussão estatutária dos magistrados e garantir um “estatuto decente”, deixando um alerta:
Todas são questões políticas centrais que ultrapassam a capacidade de intervenção da justiça” e apenas devem ter “uma resposta política. Não podemos é permanecer na tranquilidade do fingimento de que não existem.”.
Henriques Gaspar lançou vários desafios respeitantes à organização das vias de recurso para os processos civis e penais, uma vez que é importante reinventar estratégias que permitam, com os 60 milhões de euros que o Estado gasta anualmente, o patrocínio efetivo no apoio judiciário.
Aludindo ao Pacto da Justiça, lembrou que “o exercício tem de ser continuado, para definir um método de análise do resultado que permita dar-lhe coerência intrassistemática”, referindo ser agora o momento de as instituições olharem sobre o conjunto, para lá das “ideias avulsas ou de sugestões pragmáticas que nascem da circunstância e na circunstância e têm de ser resolvidas”.
No entanto, não foram só lançados desafios durante o seu discurso, houve ainda tempo para algumas reprovações, tendo criticado a “corrida a formas de justiça privada e do apoio político que a acompanha, sem estudos de consequência nem preocupações sobre o risco” destas.
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E o Presidente da República (PR) defendeu, no seu discurso, a necessidade de avançar “com medidas urgentes”, sem esperar por “magnas reformas”, pedindo aos partidos que se posicionem quanto ao Pacto da Justiça acordado pelos parceiros judiciário.
Marcelo Rebelo de Sousa referiu, no encerramento da sessão solene da abertura do ano judicial, que decorreu no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, que “da parte do Governo ficou já explícita a disponibilidade para equacionar as pistas agora propostas”. E desafiou:
Importa igualmente conhecer o posicionamento dos partidos que dispõem de assento na Assembleia da República e apurar se – independentemente das suas perspetivas próprias e até da salutar afirmação de vias diferentes quanto à governação – aceitam também, desta feita, receber e ouvir com apreço e espírito aberto o que resultou da ponderação difícil e longa daqueles que todos os dias cumprem a sua missão na nossa justiça”.
Ademais, Marcelo sustentou que “há que aproveitar estes ventos e não perder tempo” à espera da “construção ideal de um sistema completo”. E pediu:
Avancemos com medidas urgentes em áreas em que a necessidade é mais visível”.
Marcelo exortou a que não seja confundido “o institucional com o que não é, a essência com a especulação sobre ela, o fundamental com a espuma de cada dia”. E foi mais adiante:
Não nos dispersemos, entretanto, quanto ao essencial: dignificar e vitalizar a nossa justiça, num ordenamento constitucional claro na caraterização dos poderes e, desde logo, na definição como públicas das missões da própria justiça”.
Relativamente ao Pacto da Justiça, que foi o tema principal da sua intervenção, considerou que “a maioria esmagadora dos protagonistas da justiça entendeu plenamente” o seu apelo, feito na sessão solene de abertura do ano judicial de 2017, e expressou reconhecimento aos signatários deste mesmo acordo, adiantando que, na sua opinião, “o poder político só ganha em contar com a energia vital daqueles que têm a vida permanentemente ligada à efetivação da justiça”.
Já em relação ao acordo entre os parceiros da justiça, o Chefe de Estado disse que houve “arrojo, em propostas de estimulante controvérsia, mesmo constitucional, desde o estudo da unificação das jurisdições comum e administrativa e fiscal à especialização dos tribunais superiores na área da família e da criança, à maior publicidade e comunicação da justiça, à transparência da informação sobre sociedades”.
O Presidente da República relembrou que agora é preciso “não abrandar” e prosseguir este processo com um “encontro ainda mais intenso entre os parceiros da justiça, o Governo e a Assembleia da República”. E assegurou:
O que todos desejamos é que dessa interação com a Assembleia da República e o Governo possam decorrer muitos mais passos positivos para todos os portugueses, que lhes sejam explicados e que possam motivar a sua adesão”.
O Chefe de Estado defende que acordos para a Justiça são “arrojados” e “semente para o futuro”. E exorta os grupos parlamentares a tomarem uma posição. E sublinha: “agora é continuar”.
Marcelo defendeu que a Justiça é “uma trave mestra num Estado democrático”. E assume que a sociedade se encontra “desperta” na área da Justiça. “Numa palavra: mais atual se apresenta, ainda que lançado por mim, um acordo na Justiça”.
Estão em causa os “Acordos para o Sistema de Justiça” trabalhados por cinco parceiros da Justiça, concretizados em 89 medidas, que dão corpo ao Pacto da Justiça em versão preliminar e foram entregues a semana passada a Marcelo Rebelo de Sousa por todos os operadores judiciários.
A este respeito, o Chefe de Estado referiu:
Avançámos com medidas urgentes em áreas mais sensíveis, demos passos conjuntos corajosos e consistentes a pensar no médio e longo prazo. Estes acordos merecem uma palavra de reconhecimento: trazem originalidade, empenho, abertura ao diálogo, arrojo, são a semente de futuro, numa postura de interesse coletivo que evitou chamar à colação matérias de estatuto e dignificação das magistraturas.”.
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Veremos como é que Governo e Assembleia da República vão acolher e gerir o Pacto da Justiça, sendo ou não capazes de desmentir os céticos; veremos como ficarão os estatutos das magistraturas; veremos qual do desfecho diplomático do caso Manuel Vicente e as consequências daí resultantes, bem como o julgamento dos arguidos na Operação Fizz. Não vá acontecer que a reclamação do “summum ius” sobre indivíduos venha a acarretar a “summa iniuria” sobre os povos.
2018.01.18 – Louro de Carvalho  

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