A
propósito das ainda recentes declarações da Ministra da Justiça sobre o mandato
da Procuradora-Geral da República (PGR), disseram-se coisas
interessantes, talvez com boa vontade, mas nem sempre a primar pela precisão.
Por
exemplo, dizer que o Presidente tem a última palavra na decisão de nomear e
exonerar o PGR é correto, mas resta saber que importância tem essa última palavra.
Porém, dizer que Marcelo chamou o Governo à atenção ou que o repreendeu não faz
sentido. O Presidente, em privado, pode dizer tudo o que entender ao Governo
como qualquer cidadão, salvo o especial prestígio do Presidente, seja ele quem
for. Resta é saber se o que o Chefe de Estado diz ao Governo, aliás ao
Primeiro-Ministro, é vinculativo ou tem peso.
O Chefe
de Estado tem poderes de iniciativa política e poderes de aceitação ou não do
que lhe apresentam, mas dificilmente responde politicamente pelos seus atos, a
não ser, por exemplo, que infrinja o preceito de se afastar do território sem a
autorização parlamentar.
Há que
distinguir o que significa um ato do Presidente motu proprio, um ato em que age sob autorização de outrem, um ato
para o qual tem de ouvir um órgão ou uma entidade, um ato em que age sob
proposta e um ato em que é chamado a agir para validar atos de outrem.
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Entre as iniciativas que o Chefe
de Estado tem, contam-se: presidir ao Conselho de Estado; marcar, de harmonia
com a respetiva lei eleitoral, o dia das eleições do Presidente da República,
dos Deputados à Assembleia da República e dos deputados às Assembleias Legislativas
das regiões autónomas; convocar extraordinariamente a Assembleia da República;
dirigir mensagens à Assembleia da República e às Assembleias Legislativas das
regiões autónomas; nomear cinco membros do Conselho de Estado e dois vogais do
Conselho Superior da Magistratura; presidir ao Conselho Superior de Defesa
Nacional; exercer as funções de Comandante Supremo das Forças Armadas; pronunciar-se
sobre todas as emergências graves para a vida da República; requerer ao
Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de
normas constantes de leis, decretos-leis e convenções internacionais; requerer
ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de normas
jurídicas, bem como a verificação de inconstitucionalidade por omissão;
conferir condecorações, nos termos da lei; e exercer a função de grão-mestre
das ordens honoríficas portuguesas.
Obviamente, que o Presidente pode
ouvir sempre outras entidades para o desempenho destas funções, nomeadamente os
partidos políticos, o Conselho de Estado e os chefes militares, consoante a
natureza das intervenções. Porém, é livre de intervir por si próprio, mesmo que
prescinda de ouvir quem quer que seja.
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Os atos para os quais o
Presidente tem de ouvir outrem são: marcar as eleições dos Deputados ao
Parlamento Europeu, de harmonia com a respetiva lei eleitoral, ouvido o Governo
(segundo
a respetiva lei eleitoral);
dissolver a Assembleia da República, observados os limites temporais
estipulados na Constituição, ouvidos os partidos nela representados e o
Conselho de Estado; dissolver as Assembleias Legislativas das regiões
autónomas, ouvidos o Conselho de Estado e os partidos nelas representados e
observados os limites temporais estipulados na Constituição; nomear o
Primeiro-Ministro, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República
e tendo em conta os resultados eleitorais; demitir o Governo quando tal se
torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições
democráticas, ouvido o Conselho de Estado; nomear e exonerar, ouvido o Governo,
os Representantes da República para as regiões autónomas; nomear e exonerar,
sob proposta do Governo, o Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças
Armadas, quando exista, e os Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças
Armadas, ouvido, nestes dois últimos casos, o Chefe do Estado-Maior-General das
Forças Armadas; indultar e comutar penas, ouvido o Governo; declarar o estado
de sítio ou o estado de emergência ouvido o Governo e sob autorização da
Assembleia da República ou, quando esta não estiver reunida nem for possível a
sua reunião imediata, da respetiva Comissão Permanente; e declarar a guerra em
caso de agressão efetiva ou iminente e fazer a paz, sob proposta do Governo,
ouvido o Conselho de Estado e mediante autorização da Assembleia da República,
ou, quando esta não estiver reunida nem for possível a sua reunião imediata, da
sua Comissão Permanente.
O facto de o Presidente ter de
ouvir uma determinada entidade ou um determinado órgão não significa que tenha
a obrigação de seguir o teor dessa audição.
Quanto à competência para
indultar e comutar penas, diga-se que a audição ao Governo, além de política, é
também de índole técnica, visto que o Presidente não tem obrigação de conhecer
estes dossiês. Assim, o Governo, através do Ministro da Justiça, deve exibir um
conjunto de casos sobre os quais possa recair de modo razoável a escolha
presidencial, que deve solicitar o feedback.
Registe-se a existência de atos
do Chefe de Estado que exigem a cooperação de duas entidades e, simultaneamente,
com matizes diferentes: a nomeação e a exoneração do Vice-Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos Chefes de Estado-Maior dos três
ramos das Forças Armadas implicam uma proposta do Governo, que toma a
iniciativa, e a audição do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, a
quem é pedida opinião não vinculativa; a declaração do estado de sítio implica
a audição ao Governo e a autorização do Parlamento; a declaração de guerra
implica ouvir o Conselho de Estado e a autorização do Parlamento. Em relação a
estes dois atos, nada se diz sobre de quem parte a iniciativa.
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Há competências presidenciais em
relação às quais a iniciativa não pode ser do Presidente, Tais são: submeter a
referendo questões de relevante interesse nacional mediante proposta da
Assembleia da República ou do Governo, em matérias das respetivas competências,
nos casos e termos previstos na Constituição e na lei; submeter a referendo a
pergunta referente à instituição em concreto das regiões administrativas,
mediante proposta da Assembleia da República; submeter a referendo, a título
vinculativo, questões de relevante interesse específico regional, mediante
proposta da Assembleia Legislativa da respetiva região autónoma; nomear e
exonerar os membros do Governo, sob proposta do Primeiro-Ministro; nomear e
exonerar, sob proposta do Governo, o Presidente do Tribunal de Contas e o
Procurador-Geral da República; nomear e exonerar, sob proposta do Governo, o
Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e o Vice-Chefe, quando exista,
e os Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas, ouvido, nestes
dois últimos casos, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas; e nomear
os embaixadores e os enviados extraordinários, sob proposta do Governo, e
acreditar os representantes diplomáticos estrangeiros.
Trata-se de um conjunto de
competências cuja palavra final cabe ao Chefe de Estado, mas em relação às
quais não tem o poder de iniciativa. Pode ou não aceitar a indicação da
entidade proponente, mas não lhe compete a iniciativa da indicação. Se
concordar com a proposta, toma a decisão consequente; se não concordar, a
entidade proponente fará outra proposta. É óbvio que pode tentar influenciar a
proposta da entidade proponente, com êxito ou não, tudo dependendo da forma
discreta como o faça e do nível de empatia existente entre quem propõe e aquele
a quem se faz a proposta.
Sendo assim, não se pode dizer
que incumba ao Presidente da República a escolha do Presidente do Tribunal de
Contas, do Procurador-Geral da República, dos Ministros e Secretários de
Estado, dos Chefes Militares, dos embaixadores e dos enviados extraordinários.
A iniciativa compete ao Governo. É deste que deriva a confiança política para
com aquelas personalidades. E é esquecendo isto que se dizem alguns disparates
e parece o Presidente entrar abusivamente.
Enquadro neste âmbito, um ato que
mais parece de cortesia, mas que, no entanto, pode implicar uma solidariedade e
uma responsabilidade acrescida do Presidente: “presidir ao Conselho de Ministros, quando o Primeiro-Ministro lho
solicitar”. E, aqui pergunto se parecerá decente, independentemente da
situação do país, do tema ou da intenção do Chefe do Governo, o Presidente não
responder a esta solicitação.
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E a CRP apresenta competências
fundamentais em relação às quais não cabe ao Presidente a iniciativa, mas que,
sem a sua aceitação expressa, os diplomas não têm existência jurídica, como
também não a têm se lhes faltar a referenda ministerial: promulgar e mandar
publicar as leis, os decretos-leis e os decretos regulamentares; assinar as
resoluções da Assembleia da República que aprovem acordos internacionais e os
restantes decretos do Governo; e ratificar os tratados internacionais, depois
de devidamente aprovados.
Perante os normativos emitidos
pela Assembleia da República ou pelo Governo, o Presidente toma as seguintes
posições: submete-os ao Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva da
constitucionalidade, promulga-os e manda-os para referenda e publicação ou opõe-lhes
o veto político (pode também utilizá-lo mesmo que o
Tribunal Constitucional não encontre objeções atinentes à constitucionalidade). O veto político a um diploma
do Parlamento deve ser justificado em mensagem dirigida à Assembleia da
República. Porém, se os deputados confirmarem o teor do diploma, atentas as
normas constitucionais, o Presidente será obrigado a promulgá-lo. Ademais, nem
pode promulgar um diploma em que o Tribunal Constitucional encontre normas
feridas de inconstitucionalidade, até que o órgão que o aprovou o expurgue de
tais vícios, nem pode recusar a promulgação duma lei constitucional.
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Por fim e como decorre do
exposto, mesmo no atinente àqueles atos em que o Presidente da República pode
agir sem autorização, proposta ou audição de ninguém, não se vislumbra um de
que se possa dizer que, neste ou naquele ponto, decidiu solitariamente, ao
menos em razão do impacto que a sua decisão possa ter no devir ou no marasmo do
Estado. Portanto, pouco vale pensar que, neste ou naquele aspeto, o Presidente
tem a última palavra, pois esta, na maior parte dos casos, terá de ser um
político “sim”. Resta-lhe a magistratura de influência, que se espera nunca
venha a ser de interferência indevida; e a nós dar-lhe uns vivas de vez em
quando.
2018.01.17 – Louro de Carvalho
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