segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

A postura atual do PS em relação às alianças e aos consensos

Os deputados do PS iniciaram, hoje, em Coimbra, dois dias de jornadas parlamentares, cuja primeira parte, primeiro dia, é preenchida com visitas às áreas afetadas pelos incêndios, ficando o debate sobre os temas da transparência e da descentralização para o segundo dia.
Ainda no primeiro dia, a poucas horas da partida para Davos, na Suíça, onde participará no Fórum Económico Mundial, António Costa, Primeiro-Ministro e líder do PS, discursará perante os deputados num jantar, na cidade de Coimbra, onde também estará Ferro Rodrigues, o socialista que preside à Assembleia da República.
O primeiro dia é dedicado, como foi dito, pelos deputados a visitas aos concelhos dos distritos de Coimbra, Leiria e Viseu, em junho e outubro “atingidos rudemente pelos incêndios no ano transato”, nas palavras de Carlos César, e que fizeram mais de 100 mortos, milhões de prejuízos e destruíram centenas de fábricas e empresas.
Distribuídos por grupos, estão a deslocar-se a Penacova, Arganil, Tábua, Oliveira do Hospital, Oliveira de Frades, São Pedro do Sul, Vouzela, Mortágua, Santa Comba Dão, Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, para contactar com as populações afetadas e reunir com autarcas e organizações locais, nos termos do programa distribuído pelo PS.
Carlos César, líder parlamentar socialista e presidente do partido, explicou aos jornalistas que os deputados vão ver quais as “dificuldades que ainda permanecem, o que está a ser feito para se reabilitarem esses espaços e trazer de novo a esperança às populações e reativar a economia”.
Sobre os dois temas que estarão em discussão no segundo dia – a transparência na vida política e a descentralização de competências para as autarquias – César espera consensos com os partidos, nomeadamente com o PSD, cujo novo líder entrará em funções em fevereiro, após o congresso do partido.
Neste momento em que o Parlamento discute as propostas sobre a transparência política, como o alargamento das incompatibilidades ou a legalização dos lóbis, Carlos César adverte que “a transparência é fundamental” e que “é aos democratas que compete defender a democracia”. E, a respeito da transparência, declarou aos jornalistas, antecipando a agenda das jornadas parlamentares:
Estão muito enganados todos aqueles os que pensam que ignorar este problema [da transparência] é que o resolve ou que tratar este problema só adensa suspeições”.
Referiu que o “estado de suspeição da política e dos políticos” tem que ser ultrapassado com reflexão, nos partidos e na sociedade, com soluções que devem ser consensualizadas, devendo a reflexão na sociedade ser “transportada para o âmbito parlamentar onde se impõem decisões que hão de ser, certamente, consensualizadas entre todos os partidos”.
Para o debate do dia 23, o PS convidou, na perspetiva da abertura à sociedade civil, o ex-ministro Guilherme d’Oliveira Martins, atual administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, Susana Coroado, vice-presidente da Associação Cívica para a Transparência e Integridade, e o fiscalista João Taborda da Gama.
A descentralização de competências para as autarquias é um tema do PS desde as eleições autárquicas de 2017 e será debatido por dois socialistas: Eduardo Cabrita, Ministro da Administração Interna, responsável pelo “dossiê” no Governo, e Manuel Machado, Presidente da Câmara Municipal de Coimbra e da ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses). Nesta área, César tem a expectativa de fazer avançar esta reforma até ao final do ano, em parte ou mesmo na totalidade e, mais uma vez, estende o apelo ao PSD. Disse, a propósito, que “será necessária, nesta área, um consenso amplo” e mostrou-se esperançado em que a aplicação dos futuros fundos comunitários seja já feita com base na descentralização de competências.
***
Carlos César e um grupo de deputados estiveram de manhã em Penacova, Coimbra. E foi a partir dali que assumiu que eleição de Rui Rio no PSD traz um “interlocutor válido e fidedigno” e condições para diálogo. Mas, logo a seguir, tentou acalmar a esquerda, dizendo “Não precisamos de novos aliados, mas precisamos de ter todos os interlocutores”. E frisou, defendendo que existem agora “condições” para avançar em dossiês como a descentralização, de forma a combater a desertificação do interior:
Volvido este período em que o PSD foi um pouco terra de ninguém, aquilo que esperamos é interlocutores válidos”.
Reiterou que o PS quer avançar com a reforma da descentralização e o PSD também, mas reconheceu que até aqui nunca se entenderam. O PS quer legislar sobre a transparência nos altos cargos públicos e o PSD também, mas parece que o entendimento está difícil de sair. O cenário, contudo, pode estar prestes a mudar, com o líder parlamentar do PS, Carlos César, a mostrar-se satisfeito pela clarificação no PSD e a esperar mais da relação com o maior partido da direita, afirmando que “estão criadas as condições para haver interlocução mais sólida”.
A frase, dita aos jornalistas ao fim da manhã em Penacova, teve logo um travão, como se disse, para evitar melindres à esquerda. César acautelou essa parte dizendo que o seu elogio não quer dizer mais do que isso mesmo: há maior facilidade de interlocução. E isto porque “não precisamos de novos aliados.” À garantia ao PCP e Bloco de Esquerda, Carlos César somou, no entanto, que o PS “precisa de ter todos os interlocutores”, o que diz ser possível agora que o PSD ultrapassou “este período em que foi um pouco terra de ninguém”.
Já em entrevista à TSF, durante manhã, tinha admitido antever “melhores condições para o diálogo”. Tudo porque, com a escolha do sucessor de Passos Coelho, o PSD deixa de ser “errático, indefinido e ausente das grandes decisões” e os socialistas vão passar a ter um interlocutor mais “seguro, com continuidade e previsibilidade”, designadamente na reforma da descentralização e na questão da transparência nos altos cargos públicos, que deverá ser discutida até ao fim de fevereiro numa comissão eventual. Mas também aí Carlos César mostrando, a sua boa dose de paciência, poupa o rival à sua direita, declarando não querer “apressar o PSD”. O socialista mostra-se disponível para alargar o prazo dos trabalhos com vista aos consensos.
Sustentando que a descentralização deverá ser o primeiro tema a gerar consensos, reconheceu que “não é possível uma reforma de descentralização sem o PS e o PSD, mas será também necessário envolver outros partidos nesta reforma”.
Ainda na mesma entrevista, Carlos César afirmou, a título pessoal, que “seria adepto de uma descentralização mais profunda do que aquela que está em cima da mesa”. Porém, também se distanciou das reivindicações dos partidos à esquerda do PSD, que têm insistido na necessidade de dar um passo maior e avançar para a criação de regiões. E disse que, “mesmo aqueles que acham que esta descentralização fica aquém do desejado, ficariam satisfeitos por estarem mais próximos daquilo que desejariam”.
Já sobre o cenário de um Bloco Central, no futuro pós-eleições, César nada disse. E aproveitou a visita a Penacova, um dos concelhos afetados pelos fogos de outubro, para fintar o tema: “O importante é manter a atenção no que nos trouxe até aqui”.
Os socialistas estiveram, como se disse, em visita aos distritos – Coimbra, Leiria e Viseu – onde houve incêndios no verão passado e no início do outono. Carlos César centrou-se em Penacova, onde garantiu que estas visitas não existem “para fazer a propaganda do Governo, mas não também não são para estimular a desesperança”. A este propósito, disse:
Fizemos estas visitas para acompanhar no terreno a forma como tem decorrido o processo de reabilitação dos incêndios. Temos procurado estar junto das pessoas, das empresas e das situações que ainda carecem de uma resolução definitiva ou de perspetiva de resolução.”.
De manhã, visitaram uma casa totalmente destruída pelas chamas em outubro, que está à espera de reabilitação, um pequeno agricultor (com prejuízos na ordem dos 25 mil euros) a quem os apoios não chegam na medida do necessário e ainda uma empresa, que começou a reconstruir por si mesma, sem esperar pelo Estado. Ouviu, registou e o objetivo do líder parlamentar socialista e do seu grupo é “detetar quais são as carências e impedimentos mais comuns” e “tratar, em diálogo com o governo, suprir essas insuficiências”. E deixou um recado para o Governo central: “Nestas circunstâncias, cada caso é um caso e têm de ser apreciados com muita sensibilidade por parte dos decisores”.
Mesmo que tenha garantido não estar ali para a propaganda, o socialista não resistiu a desfiar o rosário do que já foi conseguido, face às tragédias deste verão e outono: “das 1500 habitações que estão a ser reavaliadas, 300 casas já foram reabilitadas e 250 estão em curso”; “já foram apoiados mais de 21 mil agricultores”; “temos mais de 27 milhões de euros na reabilitação de diversas atividades económicas”.
E, depois das metas de “curto e médio prazo”, César apontou outra empreitada para o “médio e longo prazo”: “as reformas da estrutura económica, da fundiária e das atividades económicas”.
***
À primeira vista, Carlos César parece dar uma no cravo e outra na ferradura: faz apelos ao novo PSD (não sei se será mesmo novo), mas não quer descolar do PCP e do BE. Por outro lado, quer o sol na eira e a chuva no nabal: busca os consensos, mas não quer alianças. Será que os outros lhe farão literalmente a vontade?
Ademais, o CDS, liderado por Assunção Cristas, não é mencionado. Ficará incluído na expressão “todos os partidos”?
Responda quem souber!

2018.01.22 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário