Os deputados do PS iniciaram, hoje, em Coimbra, dois dias de jornadas
parlamentares, cuja primeira parte, primeiro dia, é preenchida com visitas às
áreas afetadas pelos incêndios, ficando o debate sobre os temas da transparência
e da descentralização para o segundo dia.
Ainda no primeiro dia, a poucas horas da partida para Davos, na Suíça, onde
participará no Fórum Económico Mundial, António Costa, Primeiro-Ministro e
líder do PS, discursará perante os deputados num jantar, na cidade de Coimbra,
onde também estará Ferro Rodrigues, o socialista que preside à Assembleia da
República.
O primeiro dia é dedicado, como foi dito, pelos deputados a visitas aos
concelhos dos distritos de Coimbra, Leiria e Viseu, em junho e outubro “atingidos
rudemente pelos incêndios no ano transato”, nas palavras de Carlos César, e que
fizeram mais de 100 mortos, milhões de prejuízos e destruíram centenas de
fábricas e empresas.
Distribuídos por grupos, estão a deslocar-se a Penacova, Arganil, Tábua,
Oliveira do Hospital, Oliveira de Frades, São Pedro do Sul, Vouzela, Mortágua,
Santa Comba Dão, Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos,
para contactar com as populações afetadas e reunir com autarcas e organizações
locais, nos termos do programa distribuído pelo PS.
Carlos César, líder parlamentar socialista e presidente do partido, explicou
aos jornalistas que os deputados vão ver quais as “dificuldades que ainda
permanecem, o que está a ser feito para se reabilitarem esses espaços e trazer
de novo a esperança às populações e reativar a economia”.
Sobre os dois temas que estarão em discussão no segundo dia – a
transparência na vida política e a descentralização de competências para as
autarquias – César espera consensos com os partidos, nomeadamente com o PSD,
cujo novo líder entrará em funções em fevereiro, após o congresso do partido.
Neste momento em que o Parlamento discute as propostas sobre a
transparência política, como o alargamento das incompatibilidades ou a
legalização dos lóbis, Carlos César adverte que “a transparência é fundamental”
e que “é aos democratas que compete defender a democracia”. E, a respeito da
transparência, declarou aos jornalistas, antecipando a agenda das jornadas
parlamentares:
“Estão muito enganados todos aqueles
os que pensam que ignorar este problema [da transparência] é que o resolve ou
que tratar este problema só adensa suspeições”.
Referiu que o “estado de suspeição da política e dos políticos” tem que ser
ultrapassado com reflexão, nos partidos e na sociedade, com soluções que devem
ser consensualizadas, devendo a reflexão na sociedade ser “transportada para o
âmbito parlamentar onde se impõem decisões que hão de ser, certamente,
consensualizadas entre todos os partidos”.
Para o debate do dia 23, o PS convidou, na perspetiva da abertura à
sociedade civil, o ex-ministro Guilherme d’Oliveira Martins, atual
administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, Susana Coroado, vice-presidente
da Associação Cívica para a Transparência e Integridade, e o fiscalista João
Taborda da Gama.
A descentralização de competências para as autarquias é um tema do PS desde
as eleições autárquicas de 2017 e será debatido por dois socialistas: Eduardo
Cabrita, Ministro da Administração Interna, responsável pelo “dossiê” no
Governo, e Manuel Machado, Presidente da Câmara Municipal de Coimbra e da ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses). Nesta área, César tem a expectativa de fazer
avançar esta reforma até ao final do ano, em parte ou mesmo na totalidade e,
mais uma vez, estende o apelo ao PSD. Disse, a propósito, que “será necessária,
nesta área, um consenso amplo” e mostrou-se esperançado em que a aplicação dos
futuros fundos comunitários seja já feita com base na descentralização de
competências.
***
Carlos César e um grupo de deputados estiveram de manhã em Penacova,
Coimbra. E foi a partir dali que assumiu que eleição de Rui Rio no PSD traz um “interlocutor
válido e fidedigno” e condições para diálogo. Mas, logo a seguir, tentou acalmar
a esquerda, dizendo “Não precisamos de
novos aliados, mas precisamos de ter
todos os interlocutores”. E frisou, defendendo que existem agora “condições” para avançar
em dossiês como a descentralização, de forma a combater a desertificação do
interior:
“Volvido este período em
que o PSD foi um pouco terra de ninguém, aquilo que esperamos é interlocutores
válidos”.
Reiterou que o PS quer avançar com a reforma da descentralização e o PSD
também, mas reconheceu que até aqui nunca se entenderam. O PS quer legislar
sobre a transparência nos altos cargos públicos e o PSD também, mas parece que o
entendimento está difícil de sair. O cenário, contudo, pode estar prestes a
mudar, com o líder parlamentar do PS, Carlos César, a mostrar-se satisfeito
pela clarificação no PSD e a esperar mais da relação com o maior partido da
direita, afirmando que “estão criadas as condições para haver interlocução mais
sólida”.
A frase, dita aos jornalistas ao fim da manhã em Penacova, teve logo um
travão, como se disse, para evitar melindres à esquerda. César acautelou essa
parte dizendo que o seu elogio não quer dizer mais do que isso mesmo: há maior facilidade de interlocução. E
isto porque “não precisamos de novos aliados.” À garantia ao PCP e Bloco de
Esquerda, Carlos César somou, no entanto, que o PS “precisa de ter todos os
interlocutores”, o que diz ser possível agora que o PSD ultrapassou “este
período em que foi um pouco terra de ninguém”.
Já em entrevista à TSF, durante manhã, tinha admitido antever “melhores
condições para o diálogo”. Tudo porque, com a escolha do sucessor de Passos
Coelho, o PSD deixa de ser “errático, indefinido e ausente das grandes
decisões” e os socialistas vão passar a ter um interlocutor mais “seguro, com
continuidade e previsibilidade”, designadamente na reforma da descentralização
e na questão da transparência nos altos cargos públicos, que deverá ser
discutida até ao fim de fevereiro numa comissão eventual. Mas também aí Carlos
César mostrando, a sua boa dose de paciência, poupa o rival à sua direita, declarando
não querer “apressar o PSD”. O socialista mostra-se disponível para alargar o
prazo dos trabalhos com vista aos consensos.
Sustentando que a descentralização deverá ser o primeiro tema a
gerar consensos, reconheceu que “não é possível uma reforma de descentralização
sem o PS e o PSD, mas será também necessário envolver outros partidos nesta
reforma”.
Ainda na mesma
entrevista, Carlos César afirmou, a título pessoal, que “seria adepto de uma
descentralização mais profunda do que aquela que está em cima da mesa”. Porém,
também se distanciou das reivindicações dos partidos à esquerda do PSD, que têm
insistido na necessidade de dar um passo maior e avançar para a criação de
regiões. E disse que, “mesmo aqueles que acham que esta descentralização fica
aquém do desejado, ficariam satisfeitos por estarem mais próximos daquilo que
desejariam”.
Já sobre o cenário de um Bloco Central, no futuro pós-eleições, César nada
disse. E aproveitou a visita a Penacova, um dos concelhos afetados pelos fogos
de outubro, para fintar o tema: “O
importante é manter a atenção no que nos trouxe até aqui”.
Os socialistas estiveram, como se disse, em visita aos distritos – Coimbra,
Leiria e Viseu – onde houve incêndios no verão passado e no início do outono.
Carlos César centrou-se em Penacova, onde garantiu que estas visitas não
existem “para fazer a propaganda do Governo, mas não também não são para
estimular a desesperança”. A este propósito, disse:
“Fizemos estas visitas para acompanhar no terreno a forma como tem
decorrido o processo de reabilitação dos incêndios. Temos procurado estar junto
das pessoas, das empresas e das situações que ainda carecem de uma resolução
definitiva ou de perspetiva de resolução.”.
De manhã, visitaram uma casa totalmente destruída pelas chamas em outubro,
que está à espera de reabilitação, um pequeno agricultor (com prejuízos na ordem dos 25 mil euros) a quem os apoios não chegam na medida do necessário
e ainda uma empresa, que começou a reconstruir por si mesma, sem esperar pelo
Estado. Ouviu, registou e o objetivo do líder parlamentar socialista e do seu
grupo é “detetar quais são as carências e impedimentos mais comuns” e “tratar,
em diálogo com o governo, suprir essas insuficiências”. E deixou um recado para
o Governo central: “Nestas
circunstâncias, cada caso é um caso e têm de ser apreciados com muita
sensibilidade por parte dos decisores”.
Mesmo que tenha garantido não estar ali para a propaganda, o socialista não
resistiu a desfiar o rosário do que já foi conseguido, face às tragédias deste
verão e outono: “das 1500 habitações que estão a ser reavaliadas, 300 casas já
foram reabilitadas e 250 estão em curso”; “já foram apoiados mais de 21 mil
agricultores”; “temos mais de 27 milhões de euros na reabilitação de diversas
atividades económicas”.
E, depois das metas de “curto e médio prazo”, César apontou outra
empreitada para o “médio e longo prazo”: “as
reformas da estrutura económica, da fundiária e das atividades económicas”.
***
À primeira vista, Carlos César parece dar uma no cravo e outra na ferradura:
faz apelos ao novo PSD (não sei se será mesmo novo), mas não quer descolar do PCP e do BE.
Por outro lado, quer o sol na eira e a chuva no nabal: busca os consensos, mas
não quer alianças. Será que os outros lhe farão literalmente a vontade?
Ademais, o CDS, liderado por Assunção Cristas, não é mencionado. Ficará incluído
na expressão “todos os partidos”?
Responda quem souber!
2018.01.22 – Louro de Carvalho
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