“Desafios para uma Igreja ‘Semper
Renovanda’ – Secularização, Diálogo, Discernimento” é o tema geral das
jornadas de atualização do clero das dioceses do Sul – Évora, Setúbal, Beja e
Algarve – com cerca de uma centena de participantes, que o Instituto Superior
de Teologia de Évora (ISTE) está a organizar já em 11.ª edição anual (desde 2008), desta feita, em Albufeira, de 29 de janeiro a 1 de fevereiro.
Entre os oradores convidados, conta-se o
Cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Conselho Pontifício da Cultura, que proferirá,
no dia 30 de janeiro a conferência “Diálogo: a nova postura de uma Igreja
em saída” e, no dia 31, a conferência “A
evangelização da Cultura: desafio e tarefa ingente”. Para lá deste
responsável da Santa Sé, as jornadas de formação do clero do Sul contarão ainda
com a intervenção do teólogo Juan Pablo García, do investigador Sérgio Ribeiro
Pinto e do antigo comissário europeu João de Deus Pinheiro, entre outros.
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Assim, o vasto
programa é preenchido pelas seguintes rubricas;
No início da
tarde do dia 29 de janeiro, teve lugar o acolhimento aos participantes e a
sessão de abertura, a que se seguiu, pelas 16 horas, a conferência “Vaticano II, sinal de uma Igreja aggiornata,
num Mundo em mutação”, por Juan Pablo Garcia, religioso da Ordem Trinitária
e professor da Universidade Pontifícia de Salamanca, após o que se procedeu ao
trabalho de grupos, seguido de diálogo com o conferencista. E o primeiro dia
finalizou com a oração litúrgica de Vésperas.
O dia 30
principiou com a oração litúrgica de Laudes. Às 9,30 horas foi proferida a
conferência “As múltiplas raízes da
Secularização nos países de tradição religiosa cristã”, por Sérgio Pinto,
investigador do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade
Católica Portuguesa. Às 11,30 horas, foi a conferência “Os desafios que a Europa e o projeto europeu nos colocam”, por João
de Deus Pinheiro, antigo Ministro da Educação, antigo Ministro dos Negócios
Estrangeiros e antigo Comissário Europeu. Às 15 horas, o Cardeal Gianfranco
Ravasi proferiu a conferência “Diálogo: a
nova postura de uma Igreja em saída”. Procedeu-se ao trabalho de grupos,
seguido de diálogo com o conferencista. E os trabalhos do segundo dia
terminaram com a oração litúrgica de Vésperas e a celebração da Eucaristia.
No dia 31, começar-se-á com a oração
litúrgica de Laudes. Às 9h30, será proferida a segunda conferência do Cardeal
Gianfranco Ravasi, esta em torno do tema “A
evangelização da Cultura: desafio e tarefa ingente”. À tarde, haverá duas
mesas redondas sobre o tema “Diálogo em várias frentes”: A primeira, “Diálogo em várias frentes I”, abordará
as questões da ética e ciências da vida, com os especialistas Michel (fundador e diretor do Instituto de Estudos Fenomenológicos,
Ontológicos e Axiológicos, hoje Centro de Ética e Ontologia, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade
Nova de Lisboa) e Isabel Renaud (professora catedrática da Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa), e do
diálogo inter-religioso, com Susana Mateus, investigadora do Centro de Estudos
de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa. A segunda, “Diálogo em várias frentes II”, incidirá
sobre as dimensões dos cristãos na política, com José Filipe Pinto,
investigador e coordenador do Centro de Investigação em Ciência Política,
Relações Internacionais e Segurança, e da Educação e Ensino, com o antigo
Ministro da Educação e ex-Presidente do Conselho Nacional de Educação, David
Justino. E o terceiro dia terminará com a oração litúrgica de Vésperas e a
celebração da Eucaristia.
A 1 de fevereiro, às 7,30 horas, recitar-se-á
a oração litúrgica de Laudes e celebrar-se-á a Eucaristia. Às 9,30 horas, desenrola-se
o painel “Experiências positivas de
diálogo e evangelização, numa sociedade multicultural, multirreligiosa e
secularizada”, constituído por representantes das dioceses envolvidas. E o
encerramento dos trabalhos está previsto para as 12,30 horas.
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Sobre a participação do Presidente do Conselho Pontifício da Cultura
– um dos oradores do evento, que vai sublinhar aos participantes a importância
do “diálogo” enquanto “postura de uma Igreja” que quer estar permanentemente
“em saída”, como refere o Papa Francisco”, e a “evangelização da cultura”
como um dos desafios mais “ingentes” da Igreja Católica na atualidade – disse
à Rádio Renascença o
cónego José Morais Palos, Presidente do ISTE e responsável pela organização das
jornadas:
“É uma das pessoas mais cultas
da Igreja […] Vem-nos falar como a Igreja se pode caraterizar e como esta
evangelização da cultura é sempre um desafio.”.
Quanto às Jornadas, refere que, desde 2008, “nestes
moldes, procuramos promover o estudo, a reflexão, a celebração e o convívio
entre os participantes”, acentuando a importância dos temas e a necessidade de
“corresponderem, quer do ponto de vista teológico, quer do ponto de vista
pastoral, a desafios que se colocam à Igreja” e que podem ser úteis à atividade
pastoral nesta sociedade secularizada.
Advertindo que “ou nos situamos neste mundo
secularizado e procuramos dialogar com ele nas suas diferentes manifestações
ou, então, fechamo-nos no nosso castelo”. questiona: “Mas, depois, onde está o
desenvolvimento da pastoral e a evangelização?”.
Realçando a importância de se refletir sobre um tema desafiante que
postula “avaliação e muito diálogo”, o Presidente do ISTE acredita que “há
muitas pontes” e que é possível a Igreja posicionar-se “sem abdicar da nossa
matriz como pessoas de fé e que procuram levar Cristo a todos os ambientes.”
E sublinha que, da História à Política, da situação de Portugal na
Europa à Edução, passando pelo Diálogo Inter-religioso, os temas são variados e
reúnem especialistas diversos que se debruçam sobre “temas que se colocam de
forma diferente e com os quais a Igreja tem de estabelecer o diálogo”.
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Para já, é de destacar o que o Padre Juan
Pablo García disse ao clero do sul do país, sublinhando que a Igreja está a
viver com o Papa Francisco uma nova fase do acolhimento às diretrizes emanadas
do Concílio Vaticano II (1962-1965).
O sacerdote da Ordem da Santíssima Trindade
explicou que esta etapa, vivida na atual “cultura da pós-verdade”, se
carateriza, sobretudo, pelo “regresso ao Evangelho” e sustentou que “é uma
releitura do evangelho à luz da cultura contemporânea”, considerando que “o
concílio continua a ser um desafio para a igreja atual” no momento em que vivemos
o período da “pós-verdade”.
Com efeito, segundo o ilustre conferencista
– que lamentou ser esta última designação do tempo atual caraterizada pelo
insulto e por “difamar com mentiras” – “a Igreja esteve implicada com a
modernidade, com a pós-modernidade e hoje diríamos também com as respostas à
cultura da pós-verdade porque esta é a palavra-chave do ano 2017”.
O teólogo, que abordou o tema “Vaticano II,
sinal de uma Igreja aggiornata, num Mundo
em mutação”, disse que o Papa Francisco, apesar de não ter participado no
concílio, “fá-lo visível” “a partir da sua vida e do seu modo de ser pastor”.
Considerando que a crise atual é também a do
homem “porque neste caso é o homem que está doente”, o teólogo disse que “o
acolhimento ao Concílio Vaticano II e a sua atualidade neste mundo em
transformação passa por aceitar que vivemos em crise, não da Igreja mas de
Deus”.
Neste sentido, disse ser preciso “reconhecer
a debilidade da fé de muitos crentes”, da Igreja e das paróquias, pois “hoje
vivemos, não uma crise existencial, mas uma crise eclesial, uma crise de Deus e
uma debilitação da vida teologal dos crentes”, pelo que entende ser “muito
importante” introduzir o tema de Deus na sociedade atual. Para isso, defendeu a
criação de “escolas de oração”, de “lugares onde se faça a experiência de Deus
através da palavra” e apelou a “uma espiritualidade forte”.
O orador aludiu à necessidade de “recuperar
a sinodalidade”, lembrando que o termo “significa caminhar juntos”, ou seja,
“com e ao lado uns dos outros” e “não uns em cima e outros em baixo, de forma
piramidal”. E frisou que “a sinodalidade é o contrário de uma Igreja
piramidal”, garantindo que o modelo sinodal supera o “problema do clericalismo
na Igreja”.
Por outro lado, Pablo García considerou que
esta fase se carateriza também por levar à prática as “exigências do Batismo e
da Eucaristia” que induzem a Igreja a “passar de uma vida pastoral de
manutenção a uma pastoral missionária”, indo às periferias como pretende o
Papa. E advertiu para o facto de a Igreja se ter convertido “ela mesma numa
periferia” e não poder “evangelizar se não se deixar evangelizar primeiro”.
Neste âmbito, alertou para a necessidade de
preparação. Com efeito, “o Papa atual insistiu que não quer ‘príncipes’ nem
carreiristas na Igreja, mas que a Igreja necessita de pastores com cheiro a
ovelha”. Porém, o orador acrescentou: “com cheiro a biblioteca, porque sem estudo o
cheiro a ovelha não chega”. Considerou, assim, que “temos também de
parar para estudar”, dado que, “para podermos ir às periferias existenciais e
até periféricas, não podemos ir de qualquer maneira”.
O conferencista referiu ainda a importância
do “pluralismo de eclesiologias”, recordando que “o contrário da pluralidade é
a uniformidade”. Ora, como observou, importa “manter a unidade” nesta
pluralidade, onde se requer a “corresponsabilidade de todos” e o predomínio da
caridade”, tomando-se consciência de que hoje vivemos na “sociedade do descarte
e dos invisíveis”. E sustentou que a globalização que interessava era a que nos
faz “mais irmãos” e não a da busca desenfreada do dinheiro e do poder.
O teólogo destacou ainda a “importância do
ecumenismo para a evangelização”, advertindo que a “falta da unidade” entre
cristãos “é um obstáculo” àquele desígnio. Verificando que se está a “matar
cristãos porque acreditam em Cristo”, defendeu que “o martírio será o futuro do
ecumenismo”. Na verdade, “há um ecumenismo de sangue e um diálogo inter-religioso
de sangue”, como assegurou, frisando haver “irmãos cristãos que dão a vida por
pessoas que não são cristãs”. Neste sentido, disse que “continua a ser muito
importante o diálogo com o mundo”, mormente ao nível inter-religioso.
Relevando a “importância do laicado” na
Igreja e no mundo, desafiou a “superar todo o individualismo da fé e a
recuperar a dimensão comunitária da fé”. E terminou lamentando que não haja
“tempo para as perguntas existenciais de hoje” e exortando a que provoquemos “grandes
interrogações às pessoas de hoje”.
***
A insistência no ser e papel do laicado, na
unidade pela diversidade, regada pelo diálogo ecuménico e inter-religioso; a
pertinência da valorização da sinodalidade; o regresso ao Evangelho e ao
desempoeiramento das doutrinas e das práticas; a perspetiva da Igreja missionária
em saída, evangelizada e evangelizadora – tudo isto são pontos a ter em conta
na formação contínua dos pastores que se desejam com cheiro a ovelhas e a
biblioteca. A proximidade e o profetismo não dispensam o estudo; e o estudo,
animado pela fé pessoal e comunitária que se faz oração, esclarece e reforça as
vias da proximidade e do profetismo.
2018.01.30
– Louro de Carvalho
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