No quadro dum processo atribulado, a Autoridade da Concorrência (AdC) decidiu iniciar uma investigação aprofundada
à compra da TVI pela Altice. E esta afirma
que a decisão da AdC “é comum em transações envolvendo laços comerciais
significativos entre as partes”; e “reitera a sua vontade e intenção de efetiva
cooperação” com as autoridades, mantendo a confiança na “independência do
processo” e benefícios da transação. Em comunicado, sustenta:
“A
decisão preliminar da AdC em iniciar uma investigação aprofundada é comum em transações envolvendo laços comerciais
significativos entre as partes, como no caso em apreço,
mostrando, no nosso entender, transparência de procedimentos, como é sempre
desejado pelo Grupo Altice em todas as operações comerciais que esteve
envolvida”.
A empresa liderada por Patrick Drahi “reitera a sua vontade e intenção de efetiva cooperação com a AdC”,
a única entidade competente para avaliar o impacto concorrencial da operação, “como
inclusive decorre da decisão de passagem a investigação aprofundada,
mantendo-se totalmente confiante quanto à independência do processo, às
vantagens e benefícios da transação e em relação a um desfecho final positivo
que muito nos honrará, atento o investimento e empenho que temos tido na
criação de valor em Portugal”.
A
Altice, que comprou há três anos a PT Portugal por cerca de sete mil milhões de
euros, anunciou, em julho do ano passado, que chegou a acordo com a espanhola
Prisa para a compra da Media Capital, dona da TVI, entre outros meios, por 440
milhões de euros. Porém, várias entidades opuseram-se ao negócio, incluindo
partidos, empresas de telecomunicações e grupos de meios de comunicação social,
com a Impresa e a Sonae a serem as mais contundentes.
O negócio teve parecer negativo da Anacom (Autoridade
Nacional de Comunicações)
e o mercado ficou a aguardar o parecer da ERC (Entidade
Reguladora para a Comunicação Social),
considerado pela AdC como vinculativo. Foi maioritariamente negativo, mas o
Presidente, discordando da posição dos outros elementos, mandou seguir o
processo para a AdC para análise.
Entretanto, o novo Conselho da ERC afirmou que não vai reavaliar
compra da Media Capital pela Altice. O regulador dos
media, em resposta a um requerimento do CDS, referiu:
“O
anterior conselho regulador da ERC, nos termos das suas competências legais,
por solicitação da Autoridade da Concorrência e por válida deliberação,
pronunciou-se no âmbito da projetada venda da Media Capital à Altice, tendo o
processo sido devolvido a essa entidade para a competente análise”.
Assim,
concluiu a ERC na resposta:
“Considerando
a natureza da ERC, órgão constitucional independente, entende o Conselho
Regulador que, embora naturalmente atento à matéria, não é o momento oportuno
para sobre ela se pronunciar”.
***
Catarina Martins dizia, a 7 de dezembro que seria possível
travar venda da TVI à Altice, se regulador levasse “o seu papel a sério”, e
tecia duras críticas à posição assumida por Carlos Magno
relativamente à operação de venda da Media Capital à Altice
No que
diz respeito a este negócio, Catarina Martins mostrou-se convicta do que dizia,
porque “a legislação permite às entidades
reguladores, se levarem o seu papel a sério, travar este negócio”.
Em entrevista ao Expresso, a coordenadora
do Bloco de Esquerda mostrava-se então estar preocupada com pluralismo dos
media portugueses e defendia que, apesar de numa primeira fase não ter
conseguido emitir uma deliberação que desse sequência à proposta dos seus
serviços técnicos e jurídicos de chumbar a transação, a ERC ainda poderia
intervir.
Catarina,
adiantando que “Carlos Magno tem responsabilidades muito
pesadas”, julgava que ainda era possível “parar este negócio”.
Criticou, então, duramente a atitude do presidente cessante da ERC durante o
processo em causa, já que foi o único dos três membros a votar pelo
prosseguimento da operação, impedindo, assim, o seu chumbo. Segundo a
coordenadora do BE, Magno tomou “a decisão mais
lesiva que se podia imaginar contra a pluralidade da comunicação”,
ao impedir que o parecer técnico da ERC fosse aprovado. Por isso, frisou:
“Vai
ser preciso avaliar muito bem este mandato de Carlos Magno e a que é que ele
respondeu. Uma coisa eu sei: ele não respondeu ao
Parlamento.”.
A
deputada bloquista realçou que esta venda é particularmente problemática,
porque foi feita a uma empresa cujo comportamento já foi alvo de reparos, em
ocasiões anteriores.
Catarina
Martins considerou que na origem da polémica esteve a venda da PT à Altice,
infraestrutura que “devia ser pública e é privada”, deixando críticas à
direita, que “geralmente
só vê o perigo quando já é tão grande que põe tudo em causa”. Segundo
a bloquista, este é apenas um sintoma dum risco muito mais abrangente,
concluindo: “É um
problema que estamos a viver na economia em vários setores, na banca, nos
seguros, nos CTT”.
***
Três dias antes de Catarina
Martins falar, o Presidente executivo da Impresa, Francisco Pedro Balsemão,
criticou o “silêncio ensurdecedor por parte dos decisores políticos em relação
a uma operação com esta dimensão”. E dizia que “ficaria surpreendido se a nova
ERC não chumbasse esta operação”. Com efeito, agora que foi eleita a nova
direção da ERC, Balsemão, o filho, entendia que o negócio da
compra da Media Capital pela Altice devia voltar ao regulador.
Em entrevista ao Público, o presidente
executivo da Impresa defendia que “não pode haver um processo com esta
magnitude e complexidade, cujo impacto sobre o pluralismo não seja avaliado
pela entidade reguladora da comunicação social”. E acrescentava:
“É a maior operação de sempre no que
respeita a fusões e aquisições em Portugal no setor, pelo que é inultrapassável
que passe pelo crivo desta entidade. É a ERC a entidade competente para fazer
essa avaliação.”.
O Conselho
Regulador da ERC não chegara a consenso sobre a operação e enviou o
processo para a AdC. Para o presidente do grupo que detém a SIC e o Expresso, “tem de ficar claro que a ERC ou
já tomou uma decisão – há teses que defendem que, havendo dois
elementos em três do conselho da ERC que tomaram uma decisão, logo há uma
maioria qualificada –, ou então tem de se pronunciar
outra vez”.
A par estes considerando, Francisco Pedro Balsemão
criticava o “silêncio ensurdecedor por parte dos
decisores políticos em relação a uma operação com esta dimensão”
e sustentava que “não há razão para ter medo da Altice.” Ao invés, “o poder
político estaria a dar um péssimo sinal, se a razão pela qual não está a fazer
prova de vida relativamente a este tema fosse o medo”. E foi mais longe na sua
explicação:
“A
própria Anacom, quando fez o seu parecer, disse, e bem, que se isto avançasse o
jogo estaria viciado, porque a nova entidade, dada a sua dimensão, teria a
capacidade e o incentivo para prejudicar os concorrentes. Dão exemplos com os
quais eu concordo. No nosso caso seria muito provável que restringisse o acesso
dos nossos conteúdos às suas plataformas.”.
A Altice comprometeu-se a não o fazer, mas Balsemão discorre:
“Para isso nem teria feito a
proposta de compra sobre a Media Capital, não há nenhuma razão para pagar este
montante, se não for para ficar com esta
capacidade e incentivo para fazer esse tipo de restrição e ficar com acesso a
dados sensíveis e confidenciais sobre os seus concorrentes e a possibilidade de
interferir em várias outras áreas como a TDT”.
Balsemão
Pedro Balsemão entende que o “híbrido
tentacular que resultaria desta operação ficaria com o poder de tal forma a
esmagar a sua concorrência”, que “o resultado seria o de fazer com que os
concorrentes deixassem de prestar os seus serviços ou então que se tornassem
ocos e vazios e mais facilmente dominados por terceiros com outro tipo de
agendas políticas e mediáticas”.
***
Já em
novembro,aduzia que a decisão da ERC é “válida
e vinculativa” e, por isso, a compra da Media Capital pela Altice “está chumbada”.
A seu ver, a decisão da ERC devia ser considerada apesar de o seu presidente
ter impedido o consenso sobre o negócio. E sintetizava:
“A posição da Vodafone é conhecida: é mau para o país porque é mau para o setor das telecomunicações,
é mau para a democracia, é mau para a pluralidade dos órgãos de informação”.
Mário Vaz, porém, foi ainda mais longe, fazendo a
comparação com a Operação Marquês, por considerar que este negócio atinge
a pluralidade, a concorrência e a democracia.
O CEO da Vodafone considerava que “a decisão [sobre a operação] existe, está tomada, é válida
e tem caráter vinculativo (…) está chumbada”, escudado no parecer da Anacom
e no que se passou na ERC. E alega, rejeitando a ideia de unanimidade, quebrada
pelo Presidente da ERC:
“Do ponto de vista legislativo, a verdade é
que uma decisão qualificada de maioria é aquela que é exigida para a ERC, os
três membros em exercício estiveram na reunião e dois deles votaram contra a
aquisição. Para nós esta decisão é válida.”.
A
decisão passou para as mãos da AdC, mas, mesmo assim, o CEO da Vodafone está
convicto:
“Estou
plenamente confiante, pelas duas decisões já tomadas, que não tem outro caminho
senão subscrever a decisão dos dois anteriores órgãos”.
No
entanto, admite que não ficaria surpreendido caso houvesse uma decisão
contrária, porém, advertindo que os “efeitos [da operação] são muito nefastos”: significaria que “os clientes
deixariam de ter liberdade de escolha”.
***
Em
declarações à Lusa, em outubro, Paulo
Azevedo, líder da Sonae, teceu duras críticas ao presidente da ERC:
“Acredito que esta não decisão carece de
sustentação legal, mas sinto o dever de dizer bem alto que estamos a assistir a
uma tentativa de deixar passar uma operação que provocará um grave e perigoso
enfraquecimento da resiliência e qualidade da nossa sociedade”.
Segundo
o presidente do Conselho de Administração da Sonae, a concretização deste
negócio “criará
as condições para que daqui a dez anos possamos estar todos indignados com a descoberta
de uma operação ‘Marquês’ dez vezes maior”. A este respeito, apontou:
“A
tentativa do senhor Carlos Magno de se aproveitar do momento de fraqueza
institucional da ERC para, sozinho, contra o parecer dos serviços que tutela e
dos demais colegas de administração, impedir o veto de uma operação com riscos
‘(…) não controláveis e gravemente lesivos do pluralismo e do direito dos
cidadãos à informação’ é escandalosa e extremamente grave”.
“Temos de ter a capacidade de nos indignarmos quando, por ação ou
inação, se criam as condições para que possam acontecer graves danos do nosso
interesse público”.
A Altice reagiu prometendo
avançar com uma queixa-crime contra Paulo Azevedo, o qual fez saber que não
tinha medo.
***
Também
a NOS, liderada por Miguel Almeida, se assumiu perplexa com o voto do
presidente da ERC, que acabou por viabilizar a passagem do dossiê do
negócio TVI/Meo para a fase final, a da
avaliação do regulador da concorrência. Em comunicado, esta operadora, além de criticar o voto de Carlos Magno, garante que a “NOS não aceita, nem se conformará com
qualquer resultado que em seu entender prejudique os interesses dos cidadãos ou
do país”, acrescentando que “na exata medida em que
entender que esses interesses não estão assegurados, recorrerá às instâncias competentes,
com vista a garantir a proteção dos mesmos”.
O
Conselho Regulador da ERC não chegou a consenso sobre a operação de compra da
Media Capital (dona da TVI)
pela Altice (proprietária da PT/Meo), sendo necessário que os três membros estivessem
de acordo. E a operadora refere:
“A NOS congratula-se com o sentido do parecer que os serviços
técnicos da ERC submeteram ao Conselho Regulador e, pelo voto conforme a esse
parecer, e desfavorável à operação de concentração, por maioria de dois terços
dos membros do Conselho Regulador da ERC”.
Porém,
segundo diz, foi “com enorme perplexidade” encarou “o voto de vencido do
presidente do Conselho Regulador da ERC a esta operação”, que “se revela
incompreensível e insustentável, principalmente se fundamentado nas razões já
veiculadas na comunicação social”, pois, na sua declaração de voto, alegou que
o regulador não poderia impedir um negócio entre privados perante lei
inexistente.
Mesmo assim, “a NOS considera que o conselho da ERC deliberou
validamente e aprovou, com a maioria exigível, um parecer negativo, aliás seria
inadmissível aceitar que um único membro bloqueasse a capacidade e vontade
deliberativa desse órgão”.
A
reação da NOS motivou uma reação da Altice, que acusou a NOS de controlar
os mercados em que atua.
***
Em
suma, nem foi reconhecida a razão daqueles que pensavam que a decisão da ERC
foi um chumbo, nem foi considerada a hipótese e o pedido de o novo Conselho
Regulador da ERC vir a reavaliar o processo. O caso está nas mãos da AdC.
Teremos de aguardar pelos resultados da predita investigação aprofundada. Mas
que o pluralismo na comunicação social está em perigo isso está!
2018.01.22 – Louro de
Carvalho
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