segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Compra da TVI pela Altice vai a investigação aprofundada

No quadro dum processo atribulado, a Autoridade da Concorrência (AdC) decidiu iniciar uma investigação aprofundada à compra da TVI pela Altice. E esta afirma que a decisão da AdC “é comum em transações envolvendo laços comerciais significativos entre as partes”; e “reitera a sua vontade e intenção de efetiva cooperação” com as autoridades, mantendo a confiança na “independência do processo” e benefícios da transação. Em comunicado, sustenta:
A decisão preliminar da AdC em iniciar uma investigação aprofundada é comum em transações envolvendo laços comerciais significativos entre as partes, como no caso em apreço, mostrando, no nosso entender, transparência de procedimentos, como é sempre desejado pelo Grupo Altice em todas as operações comerciais que esteve envolvida”.
A empresa liderada por Patrick Drahi “reitera a sua vontade e intenção de efetiva cooperação com a AdC”, a única entidade competente para avaliar o impacto concorrencial da operação, “como inclusive decorre da decisão de passagem a investigação aprofundada, mantendo-se totalmente confiante quanto à independência do processo, às vantagens e benefícios da transação e em relação a um desfecho final positivo que muito nos honrará, atento o investimento e empenho que temos tido na criação de valor em Portugal”.
A Altice, que comprou há três anos a PT Portugal por cerca de sete mil milhões de euros, anunciou, em julho do ano passado, que chegou a acordo com a espanhola Prisa para a compra da Media Capital, dona da TVI, entre outros meios, por 440 milhões de euros. Porém, várias entidades opuseram-se ao negócio, incluindo partidos, empresas de telecomunicações e grupos de meios de comunicação social, com a Impresa e a Sonae a serem as mais contundentes.
O negócio teve parecer negativo da Anacom (Autoridade Nacional de Comunicações) e o mercado ficou a aguardar o parecer da ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social), considerado pela AdC como vinculativo. Foi maioritariamente negativo, mas o Presidente, discordando da posição dos outros elementos, mandou seguir o processo para a AdC para análise.
Entretanto, o novo Conselho da ERC afirmou que não vai reavaliar compra da Media Capital pela Altice. O regulador dos media, em resposta a um requerimento do CDS, referiu:
O anterior conselho regulador da ERC, nos termos das suas competências legais, por solicitação da Autoridade da Concorrência e por válida deliberação, pronunciou-se no âmbito da projetada venda da Media Capital à Altice, tendo o processo sido devolvido a essa entidade para a competente análise”.
Assim, concluiu a ERC na resposta:
Considerando a natureza da ERC, órgão constitucional independente, entende o Conselho Regulador que, embora naturalmente atento à matéria, não é o momento oportuno para sobre ela se pronunciar”.
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Catarina Martins dizia, a 7 de dezembro que seria possível travar venda da TVI à Altice, se regulador levasse “o seu papel a sério”, e tecia duras críticas à posição assumida por Carlos Magno relativamente à operação de venda da Media Capital à Altice

No que diz respeito a este negócio, Catarina Martins mostrou-se convicta do que dizia, porque “a legislação permite às entidades reguladores, se levarem o seu papel a sério, travar este negócio”. Em entrevista ao Expresso, a coordenadora do Bloco de Esquerda mostrava-se então estar preocupada com pluralismo dos media portugueses e defendia que, apesar de numa primeira fase não ter conseguido emitir uma deliberação que desse sequência à proposta dos seus serviços técnicos e jurídicos de chumbar a transação, a ERC ainda poderia intervir.
Catarina, adiantando que “Carlos Magno tem responsabilidades muito pesadas”, julgava que ainda era possível “parar este negócio”. Criticou, então, duramente a atitude do presidente cessante da ERC durante o processo em causa, já que foi o único dos três membros a votar pelo prosseguimento da operação, impedindo, assim, o seu chumbo. Segundo a coordenadora do BE, Magno tomou “a decisão mais lesiva que se podia imaginar contra a pluralidade da comunicação”, ao impedir que o parecer técnico da ERC fosse aprovado. Por isso, frisou:
 “Vai ser preciso avaliar muito bem este mandato de Carlos Magno e a que é que ele respondeu. Uma coisa eu sei: ele não respondeu ao Parlamento.”.
A deputada bloquista realçou que esta venda é particularmente problemática, porque foi feita a uma empresa cujo comportamento já foi alvo de reparos, em ocasiões anteriores.
Catarina Martins considerou que na origem da polémica esteve a venda da PT à Altice, infraestrutura que “devia ser pública e é privada”, deixando críticas à direita, quegeralmente só vê o perigo quando já é tão grande que põe tudo em causa”. Segundo a bloquista, este é apenas um sintoma dum risco muito mais abrangente, concluindo: É um problema que estamos a viver na economia em vários setores, na banca, nos seguros, nos CTT.
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Três dias antes de Catarina Martins falar, o Presidente executivo da Impresa, Francisco Pedro Balsemão, criticou o “silêncio ensurdecedor por parte dos decisores políticos em relação a uma operação com esta dimensão”. E dizia que “ficaria surpreendido se a nova ERC não chumbasse esta operação”. Com efeito, agora que foi eleita a nova direção da ERC, Balsemão, o filho, entendia que o negócio da compra da Media Capital pela Altice devia voltar ao regulador.

Em entrevista ao Público, o presidente executivo da Impresa defendia que “não pode haver um processo com esta magnitude e complexidade, cujo impacto sobre o pluralismo não seja avaliado pela entidade reguladora da comunicação social”. E acrescentava:
É a maior operação de sempre no que respeita a fusões e aquisições em Portugal no setor, pelo que é inultrapassável que passe pelo crivo desta entidade. É a ERC a entidade competente para fazer essa avaliação.”.
O Conselho Regulador da ERC não chegara a consenso sobre a operação e enviou o processo para a AdC. Para o presidente do grupo que detém a SIC e o Expresso, “tem de ficar claro que a ERC ou já tomou uma decisão – há teses que defendem que, havendo dois elementos em três do conselho da ERC que tomaram uma decisão, logo há uma maioria qualificada –, ou então tem de se pronunciar outra vez”.
A par estes considerando, Francisco Pedro Balsemão criticava o “silêncio ensurdecedor por parte dos decisores políticos em relação a uma operação com esta dimensão” e sustentava que “não há razão para ter medo da Altice.” Ao invés, “o poder político estaria a dar um péssimo sinal, se a razão pela qual não está a fazer prova de vida relativamente a este tema fosse o medo”. E foi mais longe na sua explicação:
A própria Anacom, quando fez o seu parecer, disse, e bem, que se isto avançasse o jogo estaria viciado, porque a nova entidade, dada a sua dimensão, teria a capacidade e o incentivo para prejudicar os concorrentes. Dão exemplos com os quais eu concordo. No nosso caso seria muito provável que restringisse o acesso dos nossos conteúdos às suas plataformas.”.
A Altice comprometeu-se a não o fazer, mas Balsemão discorre:
“Para isso nem teria feito a proposta de compra sobre a Media Capital, não há nenhuma razão para pagar este montante, se não for para ficar com esta capacidade e incentivo para fazer esse tipo de restrição e ficar com acesso a dados sensíveis e confidenciais sobre os seus concorrentes e a possibilidade de interferir em várias outras áreas como a TDT”.
Balsemão Pedro Balsemão entende que o “híbrido tentacular que resultaria desta operação ficaria com o poder de tal forma a esmagar a sua concorrência”, que “o resultado seria o de fazer com que os concorrentes deixassem de prestar os seus serviços ou então que se tornassem ocos e vazios e mais facilmente dominados por terceiros com outro tipo de agendas políticas e mediáticas”.
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Já em novembro, Mário Vaz, presidente executivo da Vodafone, aduzia que a decisão da ERC é “válida e vinculativa” e, por isso, a compra da Media Capital pela Altice “está chumbada”. A seu ver, a decisão da ERC devia ser considerada apesar de o seu presidente ter impedido o consenso sobre o negócio. E sintetizava:
A posição da Vodafone é conhecida: é mau para o país porque é mau para o setor das telecomunicações, é mau para a democracia, é mau para a pluralidade dos órgãos de informação”.
Mário Vaz, porém, foi ainda mais longe, fazendo a comparação com a Operação Marquês, por considerar que este negócio atinge a pluralidade, a concorrência e a democracia.
O CEO da Vodafone considerava que “a decisão [sobre a operação] existe, está tomada, é válida e tem caráter vinculativo (…) está chumbada”, escudado no parecer da Anacom e no que se passou na ERC. E alega, rejeitando a ideia de unanimidade, quebrada pelo Presidente da ERC:
Do ponto de vista legislativo, a verdade é que uma decisão qualificada de maioria é aquela que é exigida para a ERC, os três membros em exercício estiveram na reunião e dois deles votaram contra a aquisição. Para nós esta decisão é válida.”.
A decisão passou para as mãos da AdC, mas, mesmo assim, o CEO da Vodafone está convicto:
Estou plenamente confiante, pelas duas decisões já tomadas, que não tem outro caminho senão subscrever a decisão dos dois anteriores órgãos”.
No entanto, admite que não ficaria surpreendido caso houvesse uma decisão contrária, porém, advertindo que os “efeitos [da operação] são muito nefastos”: significaria que “os clientes deixariam de ter liberdade de escolha”.
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Em declarações à Lusa, em outubro, Paulo Azevedo, líder da Sonae, teceu duras críticas ao presidente da ERC:
“Acredito que esta não decisão carece de sustentação legal, mas sinto o dever de dizer bem alto que estamos a assistir a uma tentativa de deixar passar uma operação que provocará um grave e perigoso enfraquecimento da resiliência e qualidade da nossa sociedade”.
Segundo o presidente do Conselho de Administração da Sonae, a concretização deste negócio “criará as condições para que daqui a dez anos possamos estar todos indignados com a descoberta de uma operação ‘Marquês’ dez vezes maior”. A este respeito, apontou:
 “A tentativa do senhor Carlos Magno de se aproveitar do momento de fraqueza institucional da ERC para, sozinho, contra o parecer dos serviços que tutela e dos demais colegas de administração, impedir o veto de uma operação com riscos ‘(…) não controláveis e gravemente lesivos do pluralismo e do direito dos cidadãos à informação’ é escandalosa e extremamente grave”.
E concluiu:
“Temos de ter a capacidade de nos indignarmos quando, por ação ou inação, se criam as condições para que possam acontecer graves danos do nosso interesse público”.
A Altice reagiu prometendo avançar com uma queixa-crime contra Paulo Azevedo, o qual fez saber que não tinha medo.
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Também a NOS, liderada por Miguel Almeida, se assumiu perplexa com o voto do presidente da ERC, que acabou por viabilizar a passagem do dossiê do negócio TVI/Meo para a fase final, a da avaliação do regulador da concorrência. Em comunicado, esta operadora, além de criticar o voto de Carlos Magno, garante que a “NOS não aceita, nem se conformará com qualquer resultado que em seu entender prejudique os interesses dos cidadãos ou do país, acrescentando que “na exata medida em que entender que esses interesses não estão assegurados, recorrerá às instâncias competentes, com vista a garantir a proteção dos mesmos”.
O Conselho Regulador da ERC não chegou a consenso sobre a operação de compra da Media Capital (dona da TVI) pela Altice (proprietária da PT/Meo), sendo necessário que os três membros estivessem de acordo. E a operadora refere:
“A NOS congratula-se com o sentido do parecer que os serviços técnicos da ERC submeteram ao Conselho Regulador e, pelo voto conforme a esse parecer, e desfavorável à operação de concentração, por maioria de dois terços dos membros do Conselho Regulador da ERC”.
Porém, segundo diz, foi “com enorme perplexidade” encarou “o voto de vencido do presidente do Conselho Regulador da ERC a esta operação”, que “se revela incompreensível e insustentável, principalmente se fundamentado nas razões já veiculadas na comunicação social”, pois, na sua declaração de voto, alegou que o regulador não poderia impedir um negócio entre privados perante lei inexistente.
Mesmo assim, “a NOS considera que o conselho da ERC deliberou validamente e aprovou, com a maioria exigível, um parecer negativo, aliás seria inadmissível aceitar que um único membro bloqueasse a capacidade e vontade deliberativa desse órgão”.
A reação da NOS motivou uma reação da Altice, que acusou a NOS de controlar os mercados em que atua.
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Em suma, nem foi reconhecida a razão daqueles que pensavam que a decisão da ERC foi um chumbo, nem foi considerada a hipótese e o pedido de o novo Conselho Regulador da ERC vir a reavaliar o processo. O caso está nas mãos da AdC. Teremos de aguardar pelos resultados da predita investigação aprofundada. Mas que o pluralismo na comunicação social está em perigo isso está!
2018.01.22 – Louro de Carvalho


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