O Governo quer arrancar ainda este ano com
projetos-piloto de
“cabras sapadoras” integradas em rebanhos dedicados à gestão de combustível
florestal na rede primária, destacando o assim o reforço na prevenção de
incêndios florestais.
A notícia foi avançada, há dias, pelo Secretário de
Estado das Florestas, Miguel Freitas, que considera “essencial” a questão
silvo-pastoral.
De acordo com o Secretário de Estado, o Governo vai
intervir na rede primária através duma componente mecânica com o fogo
controlado e através duma componente biológica com silvo-pastorícia. Assim, no
âmbito do projeto, as organizações de produtores florestais serão “os
parceiros privilegiados” para a defesa da floresta contra incêndios.
No
âmbito de uma audição parlamentar na Comissão de Agricultura e Mar, requerida
pelo Bloco de Esquerda, o governante responsável pelas florestas lembrou que já
foram disponibilizados 17 milhões de euros para executar ações de defesa da
floresta contra incêndios, destinados essencialmente à rede primária. E explicou que “temos 130 mil hectares para executar”
e que “estão feitos apenas 40 mil hectares”, sendo o objetivo e havendo a expectativa
de, nos próximos três anos, conseguir “executar a totalidade da rede primária
da defesa da floresta contra incêndios”.
Aos aludidos
17 milhões disponíveis neste âmbito “serão somados 15 milhões para executar
este ano cerca de mil quilómetros de rede primária de defesa da floresta contra
incêndios e manter os 20 mil hectares da rede primária que está executada”.
De
acordo com o Secretário de Estado, o país vai ter, “pela primeira”, um
equilíbrio orçamental entre a prevenção e o combate aos incêndios florestais.
O governante avançou também que Portugal vai ter uma
diretiva única de prevenção e combate aos fogos. Assegura:
“Pela
primeira vez em Portugal, vamos ter uma diretiva operacional que mostra bem
aquilo que se vai fazer quer em combate quer em prevenção. Até agora, a
diretiva operacional era apenas de combate.”.
Questionado
pelos deputados do PSD na audição parlamentar na Comissão de Agricultura e Mar
sobre como é que o Governo vai garantir que a Infraestruturas de Portugal (IEP) cumpre a lei para a limpeza das
faixas de gestão de combustível florestal, Miguel Freitas salientou que a
empresa pública já abriu um concurso, no valor de 18 milhões de euros, para
fazer a limpeza da rede viária, considerando que “há uma grande determinação
para avançar com a limpeza”.
***
Quem não
gostou da ideia de chamar “sapadoras” àquelas cabras foi a Associação Nacional de Bombeiros Profissionais (ANBP), que veio a terreiro a lamentar a designação “cabras
sapadoras” dada ao projeto do Governo para gestão de combustível florestal,
considerando abusiva a utilização do termo sapadores. No seu comunicado, pode
ler-se:
“A ANBP considera abusiva a utilização do
termo ‘sapadoras’, uma vez que o mesmo reporta a uma classe profissional que
conta com mais de 600 anos de história em Portugal e que merece o respeito de
todos e sobretudo dos órgãos de soberania”.
A reação da ANBP surge após o Governo ter anunciado a medida
de utilização de caprinos em rebanhos dedicados à gestão de combustível florestal
na rede primária. A ANBP diz não contestar a importância do projeto, mas
adianta que a designação é “infeliz e desrespeitosa para com uma classe que
este ano foi tão sacrificada na defesa do seu país”. E sustenta que “nunca na história, nem no tempo em que o Rei
Dom João I criou os bombeiros profissionais, nem no tempo do Salazar, os
bombeiros foram alvo de um tratamento tão pouco digno”.
Mais diz a ANPP que a atribuição desta designação ao projeto “mostra uma manifesta falta de sensibilidade
para com a classe profissional, que luta há anos para que todos os bombeiros
profissionais do país – sapadores, municipais e profissionais das associações
humanitárias – sejam designados de bombeiros sapadores”. E refere que a
recetividade dos sucessivos governos para esta questão “tem sido nula,
recusando-se inclusivamente a aprovar o estatuto do bombeiro profissional”.
No seu comunicado, a ANBP questiona também o que aconteceria
se o Governo designasse outras forças de segurança como ‘cabras PSP’ ou ‘cabras
GNR’ ou ‘cabras técnicos de proteção civil’. E considera que os bombeiros estão
a ser “desconsiderados por quem, no tempo dos trágicos incêndios que assolaram
o país em 2017, lhes prometeu mais dignidade e melhorias das suas condições de
trabalho e carreira profissional”. E conclui que, embora não conteste a importância
dos caprinos, considera que vir “comparar as funções de um animal a um ser humano
é desrespeitoso por parte de um Estado de Direito”.
***
Admitindo
a legitimidade de os bombeiros ficarem sensíveis e melindrados com a designação,
devo recordar que muito pouco me impressiona isso, tratando-se de mera questão
de nomenclatura, até porque já temos alguma tradição em questões do género.
Quem nunca ouviu falar, por exemplo, dos cães-polícias ou dos pombos-correios
ou do bicho homem? E há o contrário: atribuir popularmente designações animais
a pessoas, como Zé Cabra, Padre Boi (um antigo padre de
Condeixa que teve muitos filhos de várias mulheres), Zé Macaco, Roberto Carneiro,
Manuel Leão, Joaquim Lobo, Diogo Cão, Dirceu Borboleta, Jorge Coelho, José Raposo
e tantos outros.
Entretanto,
li um artigo de opinião de Manuel Silveira da Cunha no semanário O Diabo, edição do dia 23 intitulado “O mistério da cabra sapadora”, que acho pertinente,
embora só venha ao caso a referência aos aspetos conexos com o controlo do
combustível florestal.
Focando “o
efeito pernicioso das cabras à solta, livres e devoradoras nos terrenos urbanos
e campestres”, recorda que, em 1835, uma portaria proibia a cabra na comarca de
Lisboa, sendo que qualquer destes animais que fosse encontrado à solta seria
abatido de pronto, sendo cobrada ao proprietário ou ao pastor a quantia de 20
cruzados de multa. Apenas era permitido possuir uma a duas cabras, bem presas e
com a exclusiva finalidade de produção de leite para o agregado familiar.
Mais refere
que a cabra e a ovelha (menos esta) são as causadoras da queda do Império Árabe do
Norte de África, que passou da arborização à desertificação. Não comendo o
porco campestre, “o muçulmano tornou a cabra a praga devastadora que desfolhou regiões
imensas do Norte de África e conduziu à decadência absoluta de uma região notavelmente
próspera e amena”, diz.
Em Portugal,
a explosão caprina deu-se a partir do século XVIII com vista ao consumo regular
de leite, até então de uso puramente medicinal. E a rusticidade deste animal (descendente
da cabra selvagem europeia”),
que o leva a comer o que os outros desprezam, fizeram dele a “vaca do pobre”,
que lhe dá “o leite rico e nutritivo”, com que se pode fazer um queijo
excelente e o suculento cabritinho largamente consumível, apesar da míngua de mães
– o que faz lembrar o provérbio “Quem cabritos vende e cabras não tem… dalgum
lado lhe vem”.
Foi nesta
sabedoria que Miguel Freitas fez ressurgir o tema da cabra devastadora e a
nomeou “sapadora”, para desmoitar e decapar o território e – quem sabe – obviar
à míngua do apetitoso cabritinho cujo preço bem poderia ser menor.
A cabra,
deixada em liberdade, limparia os terrenos florestais, que deixariam de arder, mas
também os agrícolas, que garantem a produção de cereais, legumes e leguminosas,
hortaliças e pastagens.
Também é
verdade que muitos dos cantoneiros da antiga JAE e guardas florestais possuíam
rebanhos de pequenos ruminantes, que, devidamente controlados, ajudavam nas
operações de limpeza de bermas de estrada e matas.
Diz o
referido articulista que havia no país, no início da década de 70, mais de 10 milhões
de ovinos e caprinos; em fins do século XX, perto de 4 milhões; e, hoje, menos
de 2 milhões deste grupo de animais, sendo que o número de cabras não atinge as
400 mil neste cômputo.
Para poder
usar as cabras como sapadoras, é necessário recuperar e manter em regime de continuidade,
pelo menos 4 milhões destes pequenos ruminantes (cabras e bodes,
carneiros e ovelhas)
e controlar os seus movimentos para obstar a que venham a limpar tudo a eito, devastando
apenas tudo o que é para devastar e limpar.
E as
questões que se levantam são: “Aonde é
que o Secretário de Estado vai recrutar pelo menos 4 mil pastores?”; e “Porque fala somente em 130 mil hectares, quando
a área florestal cobre pelo menos 3 milhões de hectares de território?”.
E eu
recordo-me de que, no tempo em que as “doutas” autoridades europeias pretendiam
que Portugal funcionasse quase apenas como repositório da floresta, criaram-se
uns tantos cursos profissionais da área agro-florestal, que foram decaindo progressivamente,
e a União Europeia subsidiava, quase garantidamente, projetos de produção e exploração
com pequenos ruminantes. Porém, isso dava trabalho. E era apenas necessário garantir
a manutenção da unidade de produção durante cinco anos, como para os outros projetos,
durabilidade que os queimava cedo!
Mesmo,
com este ceticismo todo, erros e dificuldades, venham daí as cabras sapadoras; e
os bombeiros que tenham paciência e as aceitem! Mas que não seja esse o único
meio de prevenção. Que venham outros: limpeza de margens de estradas, vias férreas,
passagens de linhas de alta e média tensão, zonas envolventes de casas, fábricas,
armazéns, quartéis, mato rasteiro nas florestas, etc.; reflorestação com base
em folhosas; entre florestas, construção de aceiros, clareiras, pontos de água,
charcas e zonas de cereal; e vigilância contínua.
Para prevenir
os incêndios, tudo o que se faça será sempre pouco.
2018.01.24 –
Louro de Carvalho
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