sábado, 13 de janeiro de 2018

Deixa (?) a TAP o gestor mais bem pago e mais duradouro

Fernando Pinto deixa a administração da TAP e sucede-lhe Antoaldo, que traz no currículo a experiência da administração da Azul. A contratação de Pinto, em 2000, foi uma das decisões complicadas de que mais se orgulha Jorge Coelho, pois, na TAP, nada terá ficado na mesma. Mas não se deve esquecer que ele vinha com a missão de obter um parceiro estratégico para a TAP e não para proceder à sua privatização total, o que não conseguiria se não fosse o “ponta de lança” de António Costa, Diogo Lacerda Machado.
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Contratar Pinto e a sua equipa de “brasileiros” rompeu com a tradição de nomear gestores políticos para empresas públicas, em particular no caso da TAP que era então a empresa portuguesa mais politizada e mediatizada em Portugal. Já na segunda metade da década de 90, João Cravinho, Ministro do Equipamento de Guterres, fizera um acordo para vender até 49% da companhia à Swissair. A falência da transportadora suíça e da aliança comercial onde a TAP estava integrada fez perigar o negócio. A TAP vinha duma reestruturação em virtude da qual o Estado, no Governo de Cavaco, injetara 180 milhões de contos (900 milhões de euros), na empresa, após o que a Comissão Europeia não permitia a injeção de mais dinheiro público.
Segundo Jorge Coelho, ex-Ministro do Equipamento, a TAP vivia uma situação dramática, com um problema financeiro e de tesouraria, chegando a estar em causa o pagamento de salários. Era, pois, necessário encontrar uma solução para a liderança. E o Ministro do Equipamento pediu a uma empresa especializada candidatos à altura. De três nomes apresentados, todos estrangeiros, a escolha recaiu sobre Fernando Pinto, ex-presidente da Varig. E com ele veio a sua equipa de gestores que também tinham passado pela Varig. A TAP, mais do que um novo presidente, de uma equipa de gestores profissionais. O ex-ministro foi várias vezes ao Parlamento responder pela contratação duma equipa de estrangeiros e sobre a exigência de novas rotas à transportadora aérea frequentemente abalada por greves e contestação laboral.
Pinto colocou como condição o compromisso de o Governo “não interferir na gestão corrente e na política comercial da companhia”. Por outro lado, se o gestor fez “um trabalho extraordinário” de transformação da empresa, também os trabalhadores da TAP aceitaram e apoiaram a gestão de quem tinha grande credibilidade no mundo da aviação.
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Porém, em 2004, o gestor e a sua equipa estavam de saída. Fernando Pinto era o elo mais fraco na guerra com Cardoso e Cunha, presidente do conselho de administração da holding TAP SGPS e barão do PSD que tinha o apoio do Governo de Barroso. Depois duma convivência turbulenta com alguns embaraços públicos, o ex-comissário europeu deveria assumir o rumo da companhia, sendo Pinto afastado do seu caminho. E, a poucas semanas da presumível saída, em maio, a comissão executiva deu uma entrevista coletiva ao Jornal de Negócios. À mesa estavam três administradores brasileiros, Fernando Pinto, Luís Gama More, responsável pela área comercial, e Michael Connely, administrador financeiro (faltava Manoel Torres) e dois portugueses – Jorge Sobral, líder da manutenção, e Ângelo Esteves, presidente da empresa de handling, então a ser privatizada. Fernando Pinto reconhecia o “desconforto” com a presidência dupla que marcava a condução da empresa, mas assumia que queria ficar. Dizia ele:
Hoje a empresa tem outra cultura, entendeu que tem toda a condições de ter sucesso se seguir uma fórmula do estilo que estamos a seguir. Isso tem a ver com relacionamento com os sindicatos, inter-relacionamento com as pessoas aqui dentro, tem a ver com uma série de conceitos. Está claro e demonstrado que esta fórmula deu certo porque atravessou tempestades. E não tenho dúvida de que as pessoas já descobriram isso e daqui para a frente a TAP será diferente. Pode ter a certeza disso. Não importa se os brasileiros estão ou não.”.
Mas ressalvava e esclarecia:
Não estou com isso a tirar a qualidade e a capacidade de gestão das outras pessoas. Acho que cada um tem o seu estilo e são diferentes. E cada um tem de gerir dentro do seu estilo e eu não sei fazer diferente. Nós nunca dissemos que não queríamos ficar. Nós queremos ficar.”.
Admitia “friamente” que podia sair “hoje, amanhã ou daqui a cinco anos”, mas fazia já um balanço positivo. E sobre o que mudou, dizia:
Acho que houve um choque de gestão na empresa. E não foi só pelos brasileiros. O grupo que chegou mudou a gestão de uma hora para a outra. A empresa começou a ter uma outra visão, diria, mais profissional. Todos os que aqui estão conhecem o setor.”.
Reconhecendo “foi complicado no início”, frisou que isso fez parte do desafio e destacou os objetivos alcançados depois duma “crise brutal” para a aviação (atentados de 11 de setembro de 2001).
Todavia, a política traçada para a TAP mudou quando, em junho, Durão Barroso abandona o Governo e lhe sucede Santana Lopes. No elenco do novo executivo, uma das principais novidades é António Mexia na pasta das obras públicas, que vinha da Galp Energia, empresa com capital do Estado, onde também existiam divergências com a tutela do Governo.
Uma das primeiras decisões de Mexia como ministro foi sobre a presidência da TAP. Estava tudo preparado para substituir a equipa de Pinto, mas pagando uma indemnização por faltarem alguns meses para o termo do mandato. O Ministro acabou por renovar o mandato à equipa de Pinto, tendo até negociado alguma redução de salário. E agora justifica a decisão:
Era um momento crítico para a companhia e era preciso que quem percebesse do negócio ficasse, como o futuro veio a comprovar”.
Cardoso e Cunha desapareceu. E Fernando Pinto passou de vítima a presidente reforçado.
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O salário dos administradores sempre foi um ponto sensível na contratação de Pinto. Apesar da diminuição salarial de 2004, Pinto continuou provavelmente a ser o gestor mais bem pago no Estado. Antes de entrarem em vigor os cortes nos salários mais altos do Estado em 2010, a sua remuneração anual foi de 420 mil euros, enquanto a de cada um dos outros administradores era de 280 mil euros. Porém, após o duplo corte nos salários dos gestores do Estado e já na época da troika, o seu vencimento bruto anual caiu para 359 mil euros e não houve pagamento de prémios na TAP, como em nenhuma empresa pública, ainda que os gestores da companhia tenham chegado a avançar com uma ação em tribunal a reclamar remuneração variável relativa aos anos entre 2006/2009, pelo cumprimento de metas. E, mesmo com as recorrentes polémicas sobre o salário, o brasileiro, também português, ganha de forma destacada a corrida do gestor que mais tempo esteve à frente duma empresa estatal: 17 anos que corresponderam a 8 governos – António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates (2 governos), Pedro Passos Coelho (2 governos) e António Costa – e a 11 ministros – Jorge Coelho, Ferro Rodrigues, Valente de Oliveira, Carmona Rodrigues, António Mexia, Mário Lino, António Mendonça, Álvaro Santos Pereira, António Pires de Lima, Luís Morais Leitão, Pedro Marques.
Uma história com uma cambiante; segundo Fernando Pinto, na TAP houve uma “privatização da gestão”. Porém, a privatização da empresa ainda ia demorar muito mais anos.
Pinto, no entanto, defendeu sempre a privatização da TAP. E o primeiro passo foi dado em 2003, quando o grupo foi reorganizado em três negócios. A ideia era encontrar investidores estratégicos para cada um, mas a operação só avançou no negócio de handling, com a alienação duma participação aos espanhóis da Globalia. Em 2004, a TAP dá mais um passo significativo para a estratégia de expansão para o hub de Lisboa ao entrar na aliança liderada pela Lufthansa, a Star Alliance. Foi um dos principais trunfos de Pinto, que, na carta de despedida, não se esquece de repartir o elogio com o colega decisivo para esta entrada, Manoel Torres, pois, com ela, a companhia consolida a sua posição como principal ponte de ligação Europa/Brasil.
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Embora a privatização fosse intenção dos Governos, nos anos subsequentes à venda de uma participação no handling, hoje a Groundforce, em vez de vender, a TAP comprou: a empresa de manutenção no Brasil e a Portugália – negócios começados durante o Governo PSD/CDS, mas concretizados com os socialistas no poder.
No final de 2005, a TAP avança para duas empresas do grupo Varig como estratégia de compra da companhia brasileira que Pinto liderara e que estava à beira da falência. A aquisição da VEM (Varig Engenharia e Manutenção) foi feita em associação com a Geocapital, empresa de Stanley Ho. A TAP falhou a Varig, mas focou-se na VEM e apostou na atividade de manutenção no mercado internacional, embora sem êxito. O parceiro privado saiu da VEM, ficando a TAP sozinha com os prejuízos crescentes que vinham do Brasil. Esta foi a decisão mais contestada da gestão de Pinto, que nunca deu grandes explicações públicas sobre a operação, como também aos órgãos sociais da empresa. O grande defensor público da operação foi Lacerda Machado, envolvido na aquisição da VEM pelo lado de Stanley Ho. Quando foi chamado ao Parlamento para explicar a sua participação como mediador do Governo nas negociações com os acionistas privados TAP, Machado defendeu firmemente o negócio que abrira as portas do Brasil à TAP.
Em 2006, a TAP fecha a compra da deficitária Portugália pagando 140 milhões de euros pela transportadora do Grupo Espírito Santo. No Governo de Sócrates, há outros investimentos, como a renovação da frota de longo curso com a Airbus, e a recompra da participação na Groundforce – para resolver o impasse acionista e operacional na empresa de handling criado com a venda à Globalia – participação parqueada em bancos até à sua revenda à Urbanos.
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A privatização que Fernando Pinto trazia na mala marcava passo. O Governo de Sócrates preferia uma aliança ancorada na lusofonia, um triângulo estratégico entre Europa, Brasil e Angola que envolveria a entrada de capital na TAP. Pinto tinha perfil para estabelecer as pontes e foi reconduzido em mais um mandato durante o primeiro Governo de José Sócrates, mas salvaguardando também a presença de portugueses na gestão. Paulo Campos, Secretário de Estado que tutelava a TAP, justificou assim a renovação do mandato:
Precisávamos de ter a equipa certa para conduzir a empresa na estratégia de nicho que apostava em África e América do Sul. E de uma equipa que conseguisse aumentar as receitas e por essa via trazer rentabilidade à empresa. E houve resultados, as receitas cresceram mil milhões de euros.”.
Houve vários contactos sobretudo com empresas privadas brasileiras, mas sem grandes desenvolvimentos. E apesar da operação e das receitas crescerem, a TAP acumulou prejuízos, provindos sobretudo da manutenção no Brasil. O negócio principal, o transporte aéreo, chegou a dar lucros. Mas em todo o tempo de Pinto e apesar dos sucessos que reclama, foram mais os anos de prejuízos que os de lucros. Desde a crise do pós 11 de setembro, passando por epifenómenos como a gripe asiática, a concorrência das low-cost ou a escalada do preço do petróleo, foram vários os fatores internacionais que estragaram as contas. Por outro lado, a fragilidade financeira e a falta crónica de capitais da empresa tornavam-na transportadora especialmente vulnerável a qualquer tempestade.
Ainda em 2011, nos derradeiros dias do segundo Governo de Sócrates, o presidente da TAP era um dos membros da numerosa comitiva portuguesa, encabeçada pelo Primeiro-Ministro, que rumou em direção aos Emirados Árabes Unidos para captar investidores para comprar a dívida pública e investir nas empresas portuguesas – um flop sem lastro.
O Governo PSD/CDS deu a prioridade às empresas de energia, passando a venda da TAP para 2012, quase em paralelo com o da privatização da ANA – Aeroportos de Portugal, protagonizado pelo então secretário de Estado Sérgio Monteiro. Mas, enquanto a empresa de aeroportos atraiu número elevado de interessados com propostas financeiras elevadas, o concurso da TAP só conseguiu um candidato, o empresário Germán Efromovich, dono da transportadora colombiana Avianca. O lugar de Fernando Pinto ficava em risco apesar de ter uma boa relação com Efromovich, com quem tinha trabalhado quando esteve na Varig e até era provável que se tivesse mantido na administração da transportadora depois do negócio.
Para o gestor, só a entrada de investidores abriria a porta ao capital de que a empresa precisava para crescer e sanear a situação financeira.
A TAP esteve para ser vendida a Efromovich depois de a administração ter dado luz verde ao plano estratégico e de negócios do empresário colombiano, mas o negócio caiu por terra quando o comprador falhou a apresentação de garantia bancária comprovativa da capacidade financeira para fechar a operação.
2015, o último ano da legislatura do Executivo de Passos Coelho, foi a derradeira janela temporal para fazer uma privatização que quase todos contestavam: oposição, trabalhadores, sociedade civil, que até lançou um manifesto contra a operação. No meio da contestação, os pilotos avançam com uma greve de 10 dias, para fazer valer o acordo do tempo de João Cravinho, que lhes daria 20% da TAP numa operação de venda a privados. O impacto na situação comercial e operacional foi grande e a empresa perdeu receitas, mas a privatização avançou com a apresentação de duas propostas válidas. Para lá do repetente Efromovich, surgiu David Neeleman, empresário americano dono duma companhia brasileira, a Azul, cuja oferta acabou por ser escolhida. O consórcio corria o risco de chumbo por causa das regras comunitárias, mas a entrada do português Humberto Pedrosa veio a garantir a nacionalidade obrigatoriamente europeia do novo dono da TAP.
Apesar de o Estado receber só dez milhões de euros por 61% do capital, o consórcio prometia investir 354 milhões de euros e renovar a frota. O acordo foi anunciado em junho de 2015, mas os meses que se seguiram exigiram legislação adicional para garantir o desfecho. O negócio só ficou fechado depois das legislativas de outubro e por um Governo que durou um mês.
A manutenção de Pinto na presidência da TAP, maioritariamente privada, foi a única certeza no ano que se seguiu à venda. E o gestor esteve ao lado dos novos acionistas, enquanto os socialistas renegociavam as condições, recuperando 50% da TAP, mas prometendo uma gestão privada, e no longo processo de autorização junto do regulador, a ANAC.
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E o homem providencial, miticamente indispensável, fica na assessoria do experiente Antoaldo. E porque não uma estátua?

2018-01-13 – Louro de Carvalho

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