quarta-feira, 31 de maio de 2023

Economia cresce, mas a vida das famílias não melhora

 

 

Após o arranque de 2023, as projeções de crescimento para a economia portuguesa, têm vindo a ser revistas em alta. Por exemplo, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que apontavam para 1%, subiram esse número para 2,4% e 2,6%, respetivamente. E, apesar de tudo indicar um segundo trimestre mais fraco, parece que o produto interno bruto (PIB) avançará acima do que se esperava, embora abrandando, face aos 6,7%, de 2022.

Todavia, muitas famílias não sentem as suas condições de vida melhores. E culpa-se disso a inflação elevada, a queda do salário real, a subida do desemprego, até há pouco tempo, e o disparo dos juros, sobretudo no crédito à habitação, agravando as prestações mensais.

Na verdade, temos assistido a um aumento generalizado dos preços, a um crescimento insuficiente dos salários nominais e ao significativo aumento das taxas de juro. E o crescimento da economia não implica a inversão automática e imediata de nenhuma destas tendências. Ao invés, um bom desempenho da economia cria pressões adicionais sobre os preços e, se for comum ao conjunto da Zona Euro, leva o Banco Central Europeu (BCE) a elevar as taxas de juro. Por outro lado, o crescimento da economia, por si, não significa igualdade de benefícios para todos. Há sempre os que tanto beneficiam das situações de crise económica como nas de boa saúde da economia.

O fator das condições de vida das famílias tem duas faces: o rendimento e a despesa. Do lado da despesa, a inflação é o grande óbice. A escalada de preços atingiu níveis não vistos, há décadas, em Portugal e na Europa. A inflação começou a recuar, mas mantém-se elevada, sobretudo nos produtos alimentares. Em abril, os preços dos produtos alimentares não transformados subiram mais de 14%, em Portugal, em comparação com o mesmo mês de 2022.

Quem é mais afetado são as famílias de menores rendimentos, para as quais os bens essenciais têm maior peso no orçamento familiar. A situação é desigual entre as famílias, sentindo as mais carenciadas, de forma mais intensa, o efeito da inflação.

Além disso, a escalada da inflação levou o BCE a endurecer a sua política monetária, criando uma vítima colateral: muitas famílias portuguesas – mais de 1,3 milhões, segundo os dados do Banco de Portugal (BdP) – com crédito à habitação a taxa de juro variável, que viram a prestação mensal sofrer forte agravamento. A situação afeta, em particular, a classe média, já que, nos escalões mais baixos de rendimento, é reduzida a incidência de crédito à habitação.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) revela que a prestação média, considerando todos os contratos de crédito à habitação, aumentou 33% (mais 84 euros) entre abril de 2022 e abril de 2023 (espaço de um ano). E, considerando só os contratos celebrados nos últimos três meses, onde os juros pesam mais na prestação, a subida foi de 52% (mais 203 euros).

Para muitas famílias, rendimento significa salário. Um crescimento robusto económico propicia o aumento da procura por trabalhadores e a pressiona os salários em alta, o que só acontece significativamente, se o desemprego é baixo e atinge vários segmentos do mercado de trabalho.

Os dados do INE, baseados nas remunerações declaradas à Segurança Social (SS) e na informação da Caixa Geral de Aposentações (CGA) ou seja, nos setores privado e público, revelam que, apesar de a economia ter crescido 6,7%, em 2022, quem vive só do salário, em regra, perdeu poder de compra. O ténue aumento dos salários nominais não compensou a inflação, levando a uma perda do poder de compra de 4%. Assim, as pessoas não sentem a melhoria do nível de vida que a taxa de crescimento do PIB sugeriria.

Por conseguinte, tem-se assistido à descida da proporção da riqueza criada que remunera o trabalho, enquanto as empresas têm um aumento das margens, com preços que aumentaram mais do que os custos. Segundo o Eurostat, a fatia dos salários no PIB recuou em 2022, tanto em Portugal como na Zona Euro e na União Europeia (UE), esperando-se que a subida dos salários recupere durante 2023. Com efeito, os mercados de trabalho continuam com mínimos históricos, apesar de o desemprego ter subido um pouco no primeiro trimestre.

Quanto a Portugal, segundo o INE, a taxa de desemprego está a subir há três trimestres consecutivos e atingiu 7,2%, nos primeiros três meses de 2023. Excluindo o período da pandemia, é o valor mais alto desde 2018. Ao mesmo tempo, o salário médio real continuou a cair, embora a evolução seja heterogénea, designadamente, entre o setor público, onde a remuneração média real caiu (2,5%), e o privado, onde cresceu ligeiramente (0,3%), bem como entre diferentes atividades. Por exemplo, na eletricidade, no gás e na água, os lucros engordaram e a remuneração média real subiu 3,9%; no alojamento e na restauração, pela escassez de trabalhadores, o salário médio real subiu 1,9%; e, no setor financeiro, o salário médio real caiu 3,6%.

Assim, durante algum tempo, a economia crescerá, sem que melhorem as condições de vidas das pessoas, pois o crescimento está a ser alimentado por dois fatores externos: as exportações e o peso dos não residentes na atividade, que não se refletem imediata e diretamente no rendimento das famílias. Por outro lado, como dizem alguns economistas, as perspetivas de crescimento da economia para um horizonte próximo são baixas, pelo que as melhorias pontuais num trimestre não resultam, logo, em aumento de investimento, de emprego ou de rendimento permanente.

Não obstante, os governos dispõem de instrumentos para atenuar as dificuldades das pessoas – por exemplo, pela política de rendimentos (o governo fez o aumento salarial nominal da função pública em 1%) e pela via fiscal – sem incorrer em desequilíbrios orçamentais acentuados, o que é possível graças ao crescimento da economia.

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No atinente à inflação, segundo os dados do INE, publicados a 31 de maio, a inflação está a cair, há sete meses, estimando-se que, em maio, tenha ficado nos 4%, o que representará o sétimo abrandamento consecutivo.

Em abril, o índice de preços no consumidor, indicador que mede a inflação, tinha apresentado uma variação homóloga de 5,7%. E, de abril para maio houve um abrandamento de 1,7%. Esta desaceleração é, em parte, explicada pelo efeito de base resultante do aumento de preços da eletricidade, do gás e dos produtos alimentares, verificado em maio de 2022, e pela isenção do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) num conjunto de bens alimentares essenciais.

Também abrandou, para 5,5% (6,6% em abril), o indicador de inflação subjacente, que mede a evolução do cabaz de bens e serviços com menos mudanças (exclui bens energéticos e produtos alimentares não transformados) e com oscilações de preço menos pronunciadas.

Por produto, os preços da energia voltaram a cair (-15,5%). Já os preços dos produtos alimentares não transformados aumentaram 8,9%, mas, apesar do aumento, houve grande desaceleração, face ao mês anterior (14,1%).

Assim, face a abril, a taxa de inflação terá sido negativa em 0,7%. A taxa de inflação média dos últimos 12 meses foi estimada nos 8,2% em maio, face a 8,6% em abril. E o INE estima que o índice harmonizado de preços no consumidor – o indicador usado para a comparação entre países da UE – se tenha fixado nos 5,4% (6,9% em abril).

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Já o desemprego desceu para 6,8% em abril, mas continua mais alto do que há um ano. A esta taxa corresponde uma população desempregada de 357 mil pessoas. É uma descida de 0,2 pontos percentuais (p.p.), face ao apurado no mês anterior, e um recuo de 0,3 p.p., comparativamente a janeiro. Em termos homólogos, contudo, o desemprego aumentou 0,9 p.p. 

Numa nota informativa divulgada anteriormente, o INE indicava que a taxa de desemprego estabilizara nos 6,9%, em março, mantendo-se inalterada, face a fevereiro. Porém, agora, refere que a taxa de desemprego em março terá sido de 7%. Em abril, o desemprego desceu para 6,8%, diminuindo em relação ao mês anterior e ao primeiro mês do ano, mas fazendo o movimento contrário em termos homólogos. Face a abril de 2022, a taxa de desemprego subiu 0,9 p.p.

Neste contexto, a população desempregada recuou 3,1% em abril, face a março, para 357 mil pessoas. Contudo, relativamente a igual período de 2022, houve um amento de 15,9% no número de pessoas desempregadas. E, quanto à população empregada, foi estimada em 4913200 pessoas, significando uma variação relativa negativa, comparativamente a março (0,1%), mas positiva, se comparada com há três meses (0,3%), e com os valores de há um ano (0,7%).

Mantiveram-se praticamente inalteradas, em relação ao mês anterior, a população ativa e a população inativa. Na população ativa, tal resultou do acréscimo da população empregada (4 mil, mais 0,1%) que compensou a diminuição da população desempregada (3800, mais 1,0%). Já́ na população inativa, a evolução resultou de o aumento do número de inativos disponíveis para trabalhar, mas que não procuraram emprego (1500, mais 1,3%), ter sido anulado pela diminuição do número de inativos que procuraram emprego, mas que não estavam disponíveis para trabalhar (1500, menos 4,9%), enquanto o número de outros inativos (os não disponíveis para trabalhar e que não procuraram emprego) se manteve praticamente inalterado.

Face ao período homólogo, também se verificou um aumento da população ativa (88900, mais 1,7%), justificável pelo acréscimo da população desempregada (62 mil, mais 20,2%) e da (27 mil, mais 0,6%). Já a população inativa diminuiu em 63900 pessoas (2,6%) “devido, maioritariamente, ao decréscimo do número de outros inativos (47500, menos 2,1%).

Em março de 2023, a subutilização do trabalho abrangeu 662500 pessoas, valor inferior ao do més anterior (4400, menos 0,6%), mas superior ao de um ano antes (53200, mail 8,7%). Assim, a taxa de subutilização do trabalho correspondente – estimada em 12,2% – diminuiu 0,1 p.p., em relação a março, tendo aumentado 0,8 p.p., por comparação com o período homólogo.

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Por fim, o INE lançou um alerta. Em vez de encolherem 13,8%, as pensões antecipadas poderão ser cortadas em 15,2% este ano; e a idade legal da reforma pode vir a subir para 66 anos e 6 meses, mais dois do que os previstos.

Com efeito, o INE reviu os dados sobre a esperança média de vida nos últimos 10 anos e alterou o fator de sustentabilidade que se aplica no cálculo da idade legal da reforma / aposentação, em cada ano, e no corte para quem se reformar antecipadamente.

Todos os anos, em novembro, o INE divulga números da esperança média de vida aos 65 anos. Esses valores, provisórios, servem para apurar o fator de sustentabilidade, sendo confirmados no final de maio do ano seguinte. Em regra, os valores coincidem e nada se altera, mas, em 2023, os números definitivos são bastante diferentes dos provisórios.

Em novembro, a esperança de vida aos 65 anos, no período 2020-2022, recuou para os 19,3 anos, fazendo recuar o fator de sustentabilidade para os 13,8%. Por isso, determinou-se que quem se reformar antecipadamente, em 2023, tem um corte na pensão de 13,8% (a somar aos 0,5% por cada mês) e que quem se reformar em 2024 pode fazê-lo com 66 anos e 4 meses, como em 2023.

Agora, o cenário altera-se. A esperança de vida subiu para os 19,61 anos, ditando um corte de 15,2% nas reformas antecipadas (por via do fator de sustentabilidade) e levando a idade legal da reforma, em 2023 e 2024, a subir para 66 anos e 6 meses (mais dois do que o esperado).

Porém, os valores do fator de sustentabilidade e da idade legal da reforma já foram oficializados pelo governo, em dezembro, através da Portaria 292/2022, de 9 de dezembro. E o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social já esclareceu segundo o Dinheiro Vivo, que a idade legal da reforma será, em 2023 e em 2014, de 66 anos e 4 meses e o fator de sustentabilidade será de 13,8% (menos 0,24% do que em 2022), isto é, o índice de 0,8617.

É a vida, que parece andar para a frente, mas, às vezes, anda para trás!

      2023.05.31 – Louro de Carvalho

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