quinta-feira, 25 de maio de 2023

Em 2022, o excedente da Segurança Social foi o mais alto em 10 anos

 

De acordo com o relatório do Conselho das Finanças Públicas (CFP) sobre “a evolução orçamental da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações em 2022”, publicado a 25 de maio, o aumento do salário mínimo e a evolução positiva do emprego elevaram o saldo da Segurança Social (SS), sobretudo pelas contribuições, para 4059 milhões de euros, em 2022, mais 1711 milhões de euros do que em 2021. É o maior excedente orçamental em mais de uma década, na ótica da contabilidade pública, excluindo as operações relativas ao Fundo Social Europeu (FSE) e do Fundo Europeu de Auxílio às Pessoas Mais Carenciadas (FEAC).

A receita efetiva da SS, excluindo o FSE e o FEAC, apresentou um crescimento de 6,9%, face ao ano anterior, situando-se em 34 437 milhões de euros (+2220 milhões do que em 2021). Este resultado é, essencialmente, determinado pela rubrica contribuições sociais, que subiu 11,8%, o que traduz o aumento das remunerações declaradas à SS e a criação líquida de emprego, pelo enquadramento macroeconómico favorável e pelo incremento da Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG) em 40 euros (de 665 euros, em 2021, para 705 euros, em 2022), o que aumentou o montante mínimo da base de incidência das contribuições e quotizações.

Estes dois efeitos conjugados refletiram-se no aumento das remunerações declaradas à SS em 10,7%, em 2022, face a 2021 (as quais servem de base para a evolução das contribuições sociais). No mesmo sentido, justificando o aumento das contribuições, encontra-se a evolução positiva em 8,1% dos salários, divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

Nestes termos, o excedente resulta exclusivamente do contributo do Sistema Previdencial, a componente contributiva da SS que serve para pagar subsídio de desemprego e as pensões. De acordo com o CFP, o Sistema Previdencial registou um excedente de 4167 milhões de euros, contrariamente ao Sistema de Proteção Social de Cidadania (parte não contributiva que atribui apoios de ação social a carenciados), que apresentou um défice de 108 milhões de euros.

Para o saldo da ação social, o CFP adverte que “o Sistema de Proteção Social de Cidadania é maioritariamente financiado por transferências correntes do Orçamento do Estado (OE), contrariamente ao Sistema Previdencial”. Assim, os défices referidos neste sistema e nos respetivos subsistemas (ação social, solidariedade e proteção familiar), resultam de uma subestimação da despesa legalmente suportada pelo OE.

A despesa cresceu 1,7% ou 508 milhões de euros, face a 2021, para 30 378 milhões de euros, devido, sobretudo, ao impacto das medidas adotadas na sequência da pandemia (599,2 milhões de euros), que subsistem, e à implementação de novos apoios para atenuar os efeitos inerentes ao choque geopolítico (1309,6 milhões de euros), totalizando 1908,8 milhões de euros.

Excluindo o impacto destas medidas, que custaram 1 908,8 milhões de euros, a despesa efetiva teria diminuído 1,4 mil milhões de euros (4,7%), face a 2021. Destacam-se os incrementos da despesa com pensões (6,6%), essencialmente justificados pela criação do bónus da meia pensão e pela parcela de atualização extraordinária de pensões, em 10 euros. E verificou-se um aumento da despesa com outras prestações (+123,1%), que agregam as medidas de mitigação da inflação, a ação social (+10,9%), as prestações de parentalidade (+12,4%), o abono de família (+3,9%) e os subsídios e o complemento por doença (7,3%).

A atualização extraordinária das pensões, em 10 euros e que terminou este ano, tem vindo a aumentar o peso na despesa efetiva. Em 2017, primeiro ano de implementação, esta ascendeu a 77 milhões de euros, tendo alcançado os 896 milhões em 2022.

Por seu turno, a Caixa Geral de Aposentações (CGA), o subsistema social e contributivo da Função Pública, registou um défice orçamental de 196 milhões de euros, tendo o crescimento da despesa (5,1%) sido mais do dobro do registado na receita (2,4%). Desde 2014, quando a troika saiu de Portugal, que esta entidade não apresentava uma situação deficitária.

O saldo negativo reflete uma deterioração de 277 milhões de euros, face ao excedente, de 81 milhões de euros, alcançado em 2021.

A receita efetiva totalizou 10 611 milhões de euros, em 2022, mais 245 milhões de euros do que em 2021, aumento influenciado pela transferência do OE para financiar a medida de política respeitante ao pagamento do complemento excecional aos pensionistas da CGA (meia pensão). Sem esse efeito extraordinário, a receita teria diminuído 94 milhões de euros, devido ao comportamento das contribuições para a CGA, que recuaram 111 milhões de euros ou 2,7%, em virtude, entre outros fatores, da diminuição em 3,8% do número médio de subscritores e da redução em 0,9% da respetiva massa salarial sujeita a desconto.

A despesa efetiva ascendeu a 10 808 milhões de euros, em 2022, mais 522 milhões do que no ano anterior – evolução influenciada pelo pagamento do complemento excecional aos pensionistas, no valor de 339,1 milhões de euros. Sem esse efeito extraordinário, a despesa teria aumentado 183 milhões de euros, dos quais 141 milhões relativos a pensões e a abonos da responsabilidade da CGA. Para essa evolução contribuiu o aumento do número médio de aposentados, (+1198, fixando-se em 482 276), e o valor médio mensal do total das pensões de aposentação e de reforma, que subiu de 1352 euros em 2021 para 1375 euros, em 2022.

O saldo negativo também foi influenciado pela diminuição do rácio entre ativos e aposentados. Assim, em 2022, por cada 80 funcionários públicos a trabalhar, existiam 100 reformados, o que compara com o diferencial de 83 por cada 100, em 2021. Com efeito, desde o final de 2015, a população de subscritores diminuiu à taxa média anual de 2,9%, enquanto a população de aposentados e de reformados decresceu à taxa média anual de apenas 0,1%. Isto sucede pelo facto de o regime da CGA estar fechado a novos subscritores desde 1 de janeiro de 2006.

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Aumento dos salários declarados e criação líquida de emprego explicam o recorde do excedente da SS. Receitas mais do que compensaram o aumento das despesas com pensões e com os apoios covid, ainda atribuídos. Se todos os anos fossem como o de 2022, a sustentabilidade da SS e das pensões nunca estaria em risco. O crescimento superou as expectativas e traz consigo bons sinais: cresceu mercado de trabalho e os salários (embora pouco, estes), fazendo aumentar os descontos. O aumento das pensões, devido ao complemento extraordinário de outubro, foi amortecido pelo aumento dos descontos dos trabalhadores, e, em parte, por transferências do OE.

A conclusão não é propriamente uma novidade, visto que os dados da execução orçamental já apontavam neste sentido, mas parte de contas mais finas, por exemplo, exclui as operações FSE e do FEAC, que influenciam os resultados.

O valor da receita da SS surpreendeu quem fez previsões iniciais e deve-se sobretudo ao disparo das contribuições sociais, ou seja, dos descontos dos trabalhadores, que cresceram 11,9%, em 2022. A tendência de aumento mantém-se este ano, devendo-se a vários fatores: o crescimento económico, que, em 2022, surpreendeu pela positiva, o novo aumento do salário mínimo, a subida da taxa de emprego e a dos salários declarados na economia.

As receitas consignadas ao sistema de SS, como o imposto sobre o valor acrescentado (IVA), parte do adicional do imposto municipal sobre imóveis (IMI) ou da derrama do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) também aumentaram, mas a ritmo inferior e sem a mesma expressão orçamental (mais 3,3%).

A despesa também cresceu (mais 1,7%), em 2022, face ao ano anterior, ainda muito influenciada pelas medidas de apoio à covid. Sem estas medidas extraordinárias, a despesa efetiva teria diminuído 4,7% face a 2021. A subida da despesa ficou a dever-se, principalmente, ao aumento do número de reformados, às regras de atualização e, ainda, à criação do complemento extraordinário atribuído, em outubro de 2022, aos reformados.

O CFP, que já tinha deixado, em 2022, críticas a regras casuísticas de aumento das pensões de reforma, assinala que as atualizações extraordinárias têm vindo a ganhar peso na despesa efetiva do sistema de SS. Em 2017, o Estado começou por desembolsar mais 77 milhões de euros, com o aumento extraordinário de 10 euros, que se repetiu todos os anos, até que, em 2022, foi atribuída mais meia pensão aos reformados, com o custo 896 milhões de euros. Contudo, ao invés do sucedido em anos anteriores, a despesa adicional não foi incorporada no valor base da pensão e não foi suportada pelo orçamento da SS, mas pelo OE.

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Esta situação é um dos dados do combate à pobreza. Porém, a meta definida, neste âmbito, em 2021, só está cumprida a 20% pelo que o governo avança com prestação social única em 2024.

Há dois anos, o governo assumiu a meta de retirar da pobreza 765 mil pessoas até 2030. O objetivo é um dos vários assumidos no quadro do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e só está cumprido a 20%. Antecipando o Fórum Social, que arrancou no Porto, a 25 de maio, a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social fez um balanço das metas nacionais e apontou a valorização de salários e a simplificação dos apoios sociais, onde se enquadra, como uma das prioridades estratégicas, a criação da prestação social única.

Em 2021, na Cimeira Social do Porto, que teve como pano de fundo o plano de ação da Comissão Europeia para o desenvolvimento do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, o governo, tal como outros Estados-membros, assumiu várias metas estratégicas no âmbito do emprego, da proteção social e do combate à pobreza, a atingir até 2030. Um dos compromissos foi o de retirar da pobreza e exclusão social 765 mil pessoas. Estamos longe de atingir essa meta.

Ana Mendes Godinho, entretanto, sublinha as “melhorias alcançadas nos últimos indicadores de pobreza do país, apesar da pandemia, da escalada da inflação e da incerteza económica. Porém, admite que é preciso ganhar terreno neste indicador, valorizando os salários e agilizando as políticas e os apoios sociais. Inscrita no programa do Governo e a chegar ao tereno em 2024, a criação da prestação social única aumentará a eficácia dos apoios.

Com os líderes dos vários Estados-membros da União Europeia (UE), ministros do Trabalho e representantes de países candidatos à UE, reunidos no Porto, no âmbito do Fórum Social, é tempo de balanço e de reafirmação das metas que reforçam a convicção de que a prosperidade económica da UE é indissociável da sua dimensão social. Matérias como o emprego e a inclusão social, o combate à pobreza ou as políticas de habitação dominaram o Fórum Social.

E, se no pilar do emprego, Portugal já cumpriu a meta mínima assumida pela UE (78%) e está a 0,5% de cumprir a meta mais ambiciosa de 2021 – alcançar a taxa de emprego de 80% na população entre os 20 e os 64 anos – e atingiu o objetivo de colocar a taxa de jovens NEET (não estudam, nem trabalham) abaixo dos 8%”, no combate à pobreza o caminho está mais lento.

Em 2021, 16,4% dos portugueses estavam em risco de pobreza e 19,4% em situação de pobreza ou exclusão social. A meta assumida pelo governo passa pela redução da taxa de pobreza para 10%, até 2030. Nos últimos dois anos as políticas públicas e os apoios sociais retiraram deste grupo 170 mil pessoas. E os dados disponíveis para 2021 apontam para a redução da taxa de risco de pobreza nas crianças de 20,4%, em 2019, para 18,5% – melhorias que resultam da eficácia de políticas públicas adotadas, mantendo o investimento estrutural em áreas críticas.

A reforma das prestações sociais não contributivas prevê a criação da Prestação Social Única, que substituirá o Rendimento Social de Inserção (RSI), o Complemento Solidário para Idosos (CSI) ou a Prestação Social para a Inclusão (PSI).

No Porto, os Estados-membros fizeram um balanço dos avanços nas metas sociais definidas em 2021 e do impacto do contexto económico europeu nos objetivos definidos. E Mendes Godinho diz-se “otimista quanto à capacidade de Portugal cumprir os objetivos que definiu até 2030”, garantindo que não estava em cima da mesa “a renegociação destas metas”. Seja!

2023.05.25 – Louro de Carvalho

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