domingo, 14 de maio de 2023

Fátima é “sinal e anúncio” da possibilidade concreta da paz

 

O cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado da Santa Sé, que presidiu à Peregrinação Aniversária Internacional deste mês de maio, no Santuário de Fátima, frisou, na manhã do dia 13, que a Humanidade pode aprender, a partir da Cova da Iria, o valor da unidade, da esperança e da paz, construída a partir da pluralidade, porque Maria nunca está do lado dos profetas da desgraça.

“A história dos crentes, de que Fátima é, simultaneamente, sinal e anúncio, mostra-nos sempre Maria solícita e presente, por graça de Deus, no dia a dia dos fiéis e no seu tempo, para que a luz da Páscoa ilumine as inteligências, os corações, as mãos, as obras e os dias, abrindo-os assim ao futuro de Deus, que é sempre um futuro de paz e esperança” afirmou o número dois do Vaticano aos inúmeros milhares de peregrinos presentes no Recinto de Oração, entre eles 320 doentes que marcaram presença, vincando o lugar da fragilidade em Fátima.

Esta primeira grande peregrinação do ano contou com a presença dos símbolos peregrinos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que estarão, durante este mês, a percorrer a diocese de Leiria-Fátima. Marcada pelo grande número de peregrinos a pé, contou com a presença de 151 grupos, vindos de Portugal (82) e de outros 26 países. A 13 de maio, concelebraram, em Fátima, 274 padres, 23 bispos e três cardeais.

O presidente da celebração destacou a “maternidade universal” da Virgem Maria, que “não conhece os muros das diversidades culturais, sociais, políticas”. “Pelo contrário, ensina a dilatar os espaços da Igreja, para que seja a comunidade onde a harmonia das diferenças inutiliza a vontade de domínio e emulação, ao serviço da qual tantas vezes estão injustamente as leis humanas, seja por cumplicidade, seja por cobardia.”

O cardeal afirmou que a fé cristã rejeita as visões catastrofistas da História, aportando esperança: “A História não é um afastamento progressivo e inexorável de Deus, como poderia levar-nos a crer aquilo que geralmente consideramos sinais da sua ausência: as lágrimas sem resposta, o luto contínuo, os lamentos causados pela infidelidade, a traição e a violência, a fadiga que se sente em viver numa cidade baseada na opressão, a morte que apaga e silencia tudo e todos.”

A reflexão do purpurado destacou a transformação que a Páscoa de Cristo representou, vincando que a fé cristã é mais do que “meras fantasias consoladoras, sem frutos reais”: “O ressuscitado é precisamente aquele Jesus que foi crucificado; aquele Jesus que sentiu no próprio corpo os efeitos da ausência de Deus, aceite e procurada; aquele Jesus que suspendeu o afastamento de Deus, preenchendo-o com a sua presença e o seu amor levado ‘escandalosamente’ até ao perdão; aquele Jesus que tornou possível buscar e encontrar Deus onde  habitualmente não se procura, ou seja, nos pobres, nos últimos, naqueles que o mundo esquece e descarta. O ressuscitado é aquele Jesus que faz novos o viver e o morrer.”

Depois convidou os peregrinos a superar a lógica da “lei do mais forte” e a defender um “planeta saqueado”, para “abrir espaço à lei do amor”. “Que a luz e os valores da Páscoa de Cristo não nos faltem jamais a nós, a este lugar santo, à Igreja universal e particular, para que a alegria do Evangelho continue a ser anunciada, com zelo e humildade, ao Mundo inteiro, a todos os homens e a todas as mulheres que Deus ama”, concluiu.

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Os peregrinos, na oração dos fiéis foram convidados a rezar pela paz em todas as partes do mundo, a começar na Ucrânia, particularmente neste dia em que o presidente Vlodymir Zelenski esteve em Roma, e por todas as pessoas “vítimas de qualquer espécie de abusos no seio da Igreja”.

A Palavra ao Doente, dirigida aos doentes que acompanharam a celebração na Colunata ou através da transmissão televisiva, foi proferida pela irmã Ana Luísa Castro, da Aliança de Santa Maria, que, evocando as palavras do Papa Francisco, apresentou a fé como “chave para descobrir o sentido mais profundo” do sofrimento humano.

“Contemplar Jesus na cruz e na Eucaristia, […]a partir da dor física e psicológica, da solidão, do sentimento de abandono, do medo, da impotência, da fragilidade ou da morte, […] talvez traga uma perspetiva diferente ao que aconteceu quando Ele se ofereceu por nós na cruz, ou se oferece em cada Eucaristia. Estás lado a lado, com Ele, na Sua Paixão, e o teu sofrimento, aquele que os medicamentos para a dor não conseguem tirar, não será jamais invisível aos olhos de Deus ou inútil nesta História de Salvação”, assegurou a religiosa, ao apresentar Nossa Senhora como intercessora dos que sofrem junto de Deus e a fraternidade da comunidade que se reúne em assembleia Eucarística como guia.

Ana Luísa Castro destacou a “consciência profunda de que o tempo de escuridão é sempre passageiro” e apontou como exemplo a fé na “glória da ressurreição” expressada pelos santos Pastorinhos, atitude que apontou como caminho ideal perante o sofrimento e a finitude da vida terrena, para se poder “escrever a História” no “tempo precioso e único” que é dado a viver.

“Os Pastorinhos escreveram uma história de graça e misericórdia com o pouco ou muito tempo que tiveram. Mantiveram o olhar fixo em Jesus presente em todos os sacrários da terra, guiados por Nossa Senhora que na Cova da Iria lhes mostrou o Seu Coração como refúgio e caminho. O que era provisório, o sofrimento, os sacrifícios, os cansaços e as angústias passaram, mas o amor com que amaram tanto Jesus e Maria, ou com que se entregaram pelos pobres pecadores e pela Igreja, isso permanece e continua atuante hoje na sua presença e intercessão”, concluiu.

Nas palavras finais, após o momento de Adoração Eucarística, D. José Ornelas, bispo de Leiria-Fátima, agradeceu a presença do cardeal Pietro Parolin, que presidiu à peregrinação, aos bispos e, por último, aos peregrinos, especialmente aos que chegaram a pé na Cova da Iria.

“No seu caminhar, os peregrinos a pé dizem-nos o que deve ser a Igreja: que percorre os caminhos do mundo e das culturas. Maria vos guie sempre nesta vossa peregrinação.”

A última palavra foi para as crianças, a quem apontou a fé na “alegria da certeza” da presença de Deus e de Nossa Senhora na vida de cada um.

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Já na noite do dia 12, perante, cerca de 230 mil peregrinos, Pietro Parolin afirmou que a Igreja é chamada a ser um instrumento vivo da esperança.

Presidindo à Procissão das Velas, na Cova da Iria, e com a entrada dos símbolos da JMJ, o secretário de Estado da Santa Sé sustentou que a Igreja tem de ser o “instrumento vivo da esperança” que não se deixa vencer pelo ódio e pela violência do Mundo atual, prisioneiro do “sem sentido e do desespero”. “Ela é chamada a ser o instrumento vivo desta esperança, impedindo que o esquecimento a vença e definhe a sua memória. Os cristãos não devem deixar que a esperança lhes seja roubada pela morte, pelos soberbos e os violentos”, porfiou o presidente da Celebração da Palavra, num verdadeiro mar de luz, como há muito não se via na Cova da Iria.

O cardeal sublinhou a importância da oração do Terço na construção duma alternativa “à violência, à guerra, ao ódio fratricida, à exclusão, à marginalização”: Sem esta alternativa, “a esperança duma mudança radical e dum futuro diverso e bom é simplesmente impossível.”

“A recitação do terço com os mistérios dolorosos e a escuta da Palavra divina, sob o olhar materno de Nossa Senhora de Fátima, levam-nos ao coração da Páscoa: Cristo morto e ressuscitado, aqui representado pelo Círio Pascal, continua a caminhar pelo campo imenso das dores humanas, procurando construir a nova Jerusalém, a cidade do Céu, a cidade da vida, do amor e da paz”, disse ainda, salientando que só Cristo “é a alternativa”.

O prelado, que, na tarde daquele dia, reafirmou a importância de Fátima no contexto da Igreja, frisou que, em  Maria, a Igreja “encontra uma Mãe e uma Irmã que não só aponta, mas também partilha o que é necessário para sustentar este serviço à vida e à paz”.

“Como Maria e com Maria, a Igreja aprende a dedicar-se dia a dia, total e apressadamente, à pessoa e à obra do Filho de Deus e Filho d’Ela!”, disse.

“Como Maria e com Maria, a Igreja aprende a permanecer junto dos crucificados da História. Como Maria e com Maria, a Igreja constrói pacientemente a cultura do encontro, do diálogo, da reconciliação e da fraternidade sem muros”, disse ainda, invocando o lema da JMJ e a pressa com que Maria anunciou a boa nova. “Peçamos à Mãe do Senhor que nos alcance, com a sua oração materna, que «a Igreja se torne uma casa para muitos, uma mãe para todos os povos e torne possível o nascimento dum mundo novo.”

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Por volta das 22h30, devido à concentração de pessoas, o Santuário encerrou quatro dos seus acessos: os dois túneis e as duas entradas junto às escadarias, em ambos os lados do recinto de Oração.

Participaram na celebração da noite, transmitida pelos meios de comunicação social e digital do Santuário, seguidos em direto por mais de 20 mil pessoas entre o youtube e o facebook do Santuário,  163 padres, 23 bispos e 3 cardeais. 

Na recitação do terço, os peregrinos rezaram pelas vítimas de abusos e pela “falta de verdade”, evocando um “momento duro da História”, pedindo que a Igreja “se converta, sinceramente peça perdão e procure a justiça, cuide de todas as vítimas e dos agressores e repare todo o mal cometido”.

Já nas preces da Celebração da Palavra, os participantes foram convidados a rezar pela Igreja, “para que se ofereça a Deus e, na hora difícil que atravessa, ouça o apelo à conversão que a verdade e a justiça lhe exigem”. Os peregrinos evocaram ainda as vítimas e os “causadores das muitas guerras que afligem tantas nações em todo o mundo, lembrando especialmente a Ucrânia invadida”. A oração estendeu-se a “todos aqueles que, nesta hora dura e difícil da história, temem o presente e têm medo do futuro”, bem como às “vítimas da pobreza, da doença e da violência que assolam tantos povos”.

Durante a noite e madrugada do dia 13, a Cruz da JMJ e o ícone mariano estiveram na Vigília Jovem, na Basílica de Nossa Senhora do Rosário e, às 02h00,  acompanharam a Via-sacra no caminho dos Pastorinhos até ao Calvário Húngaro.

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Fátima continua como sempre, desde o início das grandes peregrinações: uma luz forte, um ponto de abrigo e, para muitos, uma rampa de conversão!

2023.05.13 – Louro de Carvalho

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