domingo, 14 de maio de 2023

A AR é o parlamento nacional mais ativo no ‘Diálogo político’

 

O processo de ‘Diálogo Político’, lançado em 2004, pelo “Protocolo Relativo ao Papel dos Parlamentos Nacionais na União Europeia” – previsto no Tratado de Lisboa (estabelece uma Constituição para a Europa e institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica) e publicado no Jornal Oficial da União Europeia, a 12 de dezembro daquele ano – permite, desde 2005, que os parlamentos nacionais apresentem contribuições escritas (pareceres) à Comissão Europeia sobre qualquer tipo de documento oficial elaborado por esta.

Face ao mecanismo de diálogo criado pelo Protocolo, importa saber até que ponto os parlamentos nacionais se valem dessa oportunidade, quando intervêm, o que dizem e se alguém os escuta.

Valentin Kreilinger, num artigo cuja apresentação e discussão foram agendadas para 16 de maio deste ano, numa mesa redonda do SIEPS (Instituto Sueco de Estudos de Política Europeia) – agência governamental independente que conduz e promove pesquisas e análises de assuntos políticos europeus – sustenta que o papel dos parlamentos nacionais no trabalho da União Europeia (UE) aumentou ao longo do tempo. 

O autor do estudo é doutorado pela Hertie School em Berlim sobre o papel dos parlamentos nacionais na governação económica da UE e pesquisador sénior em Ciência Política SIEPS. A sua investigação centra-se no envolvimento dos parlamentos nacionais na formulação de políticas da UE, bem como no seu escrutínio dos assuntos europeus, na evolução da cooperação interparlamentar e no papel do Parlamento Europeu (PE).

Através do ‘Diálogo Político’, os diversos parlamentos nacionais têm a oportunidade de interagir diretamente com a Comissão Europeia. Nesta análise de política europeia, o pesquisador examina como os parlamentos nacionais usam o diálogo e propõe algumas maneiras pelas quais ele pode ser aprimorado, tal como examina como a participação destes parlamentos no diálogo político mudou, desde que foi introduzida e como varia entre os Estados-membros, refletindo preferências por certos instrumentos para influenciar e escrutinar os assuntos da UE em detrimento de outros. 

Entre diversas descobertas, sobressai que a Assembleia da República (AR) de Portugal é de longe o parlamento nacional mais ativo no diálogo político, desde que o processo foi lançado em 2005; as legislaturas da Europa Central e Oriental emitiram muito mais pareceres sob a Comissão Juncker do que durante o mandato anterior (o segundo de José Manuel Barroso); e, no caso de sistemas bicamarais, as câmaras superiores são geralmente mais ativas do que as inferiores.

O documento também apresenta propostas concretas sobre como tornar o diálogo político mais focado e dar-lhe mais “dentes”.

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O protocolo em referência releva a forma como os parlamentos nacionais controlam a ação dos respetivos governos, no tocante às atividades da UE, em obediência à organização e às práticas constitucionais próprias de cada Estado‑membro, incentiva a uma maior participação dos parlamentos nacionais nas atividades da UE e reforça a sua capacidade de exprimirem as suas opiniões sobre os projetos de atos legislativos europeus e outras questões que possam, para eles, revestir especial interesse.

Nestes termos, as altas partes contratantes acordaram no seguinte:

A Comissão envia diretamente aos parlamentos nacionais os seus documentos de consulta, aquando da sua publicação, e o programa legislativo anual e qualquer outro instrumento de programação legislativa ou de estratégia política, quando os envia ao PE e ao Conselho.

São enviados aos parlamentos nacionais os projetos de atos legislativos europeus dirigidos ao PE e ao Conselho, entendendo-se por “projecto de ato legislativo europeu” as propostas da Comissão, as iniciativas de um grupo de Estados‑membros, as iniciativas do PE, os pedidos do Tribunal de Justiça (TJ), as recomendações do Banco Central Europeu (BCE) e os pedidos do Banco Europeu de Investimento (BEI), que tenham em vista a adoção de um ato legislativo europeu.

O PE envia os seus projetos de atos legislativos europeus diretamente aos Parlamentos nacionais. O Conselho envia aos parlamentos nacionais os projetos de atos legislativos europeus emanados de um grupo de Estados‑membros, do TJ, do BCE ou do BEI.

Os parlamentos nacionais podem dirigir aos presidentes do PE, do Conselho e da Comissão um parecer fundamentado sobre a conformidade de determinado projeto de ato legislativo europeu com o princípio da subsidiariedade, nos termos do protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.

Se o projeto de ato legislativo europeu emanar de um grupo de Estados‑membros, o presidente do Conselho enviará o parecer fundamentado ou os pareceres fundamentados aos governos desses Estados‑membros. Se emanar do TJ, do BCE ou do BEI, o presidente do Conselho enviará o parecer fundamentado ou os pareceres fundamentados à instituição ou órgão em questão.

Deve mediar um prazo de seis semanas entre a data em que um projeto de ato legislativo europeu é transmitido aos parlamentos nacionais, nas línguas oficiais da UE, e a data em que o projeto é inscrito na ordem do dia provisória do Conselho, com vista à sua adoção ou à adoção de uma posição no âmbito de um processo legislativo.

São admissíveis exceções em casos de urgência, cujos motivos devem ser especificados no ato ou posição do Conselho. Salvo em casos urgentes devidamente fundamentados, durante essas seis semanas, não poderá verificar‑se qualquer acordo sobre o projeto de ato legislativo europeu e deve mediar um prazo de dez dias entre a inscrição do projeto de ato legislativo europeu na ordem do dia provisória do Conselho e a adoção de uma posição.

As ordens do dia e os resultados das reuniões do Conselho, incluindo as atas das reuniões em que o Conselho delibere sobre projeto de atos legislativos europeus, são transmitidos direta e simultaneamente aos parlamentos nacionais e aos governos dos Estados‑membros.

Quando o Conselho Europeu pretenda recorrer aos números 1 ou 2 do artigo IV‑444.º da Constituição, os parlamentos nacionais serão informados da iniciativa do Conselho Europeu, pelo menos seis, meses antes de ser adotada qualquer decisão europeia.

O Tribunal de Contas envia o seu relatório anual, em simultâneo, não só ao PE e ao Conselho, mas também, a título de informação, aos parlamentos nacionais.

O PE e os parlamentos nacionais definem, em conjunto, a organização e a promoção de uma cooperação interparlamentar eficaz e regular ao nível da UE.

Uma conferência dos órgãos parlamentares especializados nos assuntos da UE pode submeter ao PE, ao Conselho e à Comissão qualquer contributo que considere adequado. Além disso, essa conferência promove o intercâmbio de informações e de melhores práticas entre os parlamentos nacionais e o PE, incluindo entre as comissões especializadas. Pode ainda organizar conferências interparlamentares sobre assuntos específicos, designadamente em matéria de política externa e de segurança comum, incluindo de política comum de segurança e defesa. Os contributos da conferência não vinculam os parlamentos e não condicionam as respetivas posições.

Não há dúvida de que a plataforma de diálogo estabelecida pelo protocolo em causa, se for levada a sério, é interessante. Resta saber, então, por que motivos estão os cidadãos europeus tão afastados do funcionamento da UE e por que motivo há tantas diretivas que os parlamentos nacionais têm de transcrever quase acriticamente e ao arrepio dos interesses nacionais, por vezes, restringindo ao máximo as liberdades e direitos dos cidadãos, como é, por exemplo, o caso da proposta nova lei do tabaco a apresentar à AR.

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Em todo o caso, é de salientar, com o professor Vital Moreira, essa posição dianteira da AR no ‘Diálogo Político’ com a Comissão Europeia, “medido pelo número de tomadas de posição enviadas”, dianteira que se mantém, ainda que somemos “a contribuição das duas câmaras nos muitos países de bicamaralismo parlamentar”, como é o caso da Alemanha, da França e da Itália.

Sustenta o renomado constitucionalista que este notável desempenho” honra a AR” e que muito se deve “ao zelo da sua Comissão de Assuntos Europeus e à liderança desta”.

Defende Vital Moreira que o sistema de “federalismo cooperativo” tem como “crucial” a intervenção das instituições nacionais na ação das da UE, não se limitando à participação dos governos nacionais no Conselho Europeu e no Conselho da União. “Também os parlamentos nacionais, como titulares do poder legislativo, devem poder transmitir as suas posições quanto ao exercício do poder legislativo da União junto das competentes instituições.”

Com efeito, o Tratado de Lisboa, através do protocolo referenciado e cujo conteúdo foi sintetizado, institucionalizou e reforçou “esse papel dos parlamentos nacionais, tanto quanto às iniciativas legislativas, como, em especial, no escrutínio do respeito pelo princípio da subsidiariedade (no exercício das competências partilhadas com os Estados-membros)”. 

Gosto de ver as instâncias portuguesas na vanguarda do diálogo internacional e gostaria de as ver mais apostadas na solução dos problemas nacionais, libertas dos casos menores, das capelinhas governativas no Estado e nas empresas, bem como dos egoísmos de partido, de clube, de empresa ou de grupo social ou cultural. E pluribus unum deveria ser o lema geral.

2023.05.12 – Louro de Carvalho

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