quinta-feira, 1 de junho de 2023

As alterações climáticas afetam a saúde e os serviços não têm resposta

 

Entre 2030 e 2050, a mudança do clima provocará 250 mil mortes por ano no Mundo e, em Portugal, as temperaturas extremas são o que trará mais perigosidade às pessoas. Desde a poluição atmosférica ao aquecimento global, as alterações climáticas impactam a saúde física e a saúde mental, com serviços e profissionais não preparados para tratar as doenças do clima.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 25% óbitos está conexo com fatores ambientais. Doenças cardiovasculares (1ºC a mais aumenta o risco de acidente cardiovascular em 2%), respiratórias e alérgicas, zoonoses, cólera, desnutrição e doenças do foro mental, nomeadamente a ecoansiedade, não escapam ao impacto das alterações climáticas.

Assim, a pensar no modo como as mudanças do clima afetam a saúde, a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade NOVA de Lisboa lançou o curso “Alterações Climáticas e Saúde Pública”, o primeiro em Portugal e que se perspetiva, na ótica da coordenadora, Susana Viegas, professora do Departamento de Saúde Ocupacional e Ambiental, “na necessidade de informar como é que as alterações climáticas alteram as condições ambientais, como é que essas alterações podem implicar efeitos para a saúde da população e que tipo de efeitos”. Todos os impactos da mudança do clima na saúde implicarão uma resposta adequada dos serviços de saúde e é preciso que os profissionais se adaptem. E, atualmente, os serviços e os profissionais de saúde não estão preparados para identificar e tratar as doenças do clima, de acordo com as necessidades.

As alterações climáticas podem agravar determinadas doenças e condições de saúde, sobretudo em pessoas com comorbilidades, favorecer o aparecimento de infeções e de patologias, atualmente pouco comuns, e causar mortes prematuras. A OMS estima que, entre 2030 e 2050, a mudança do clima provocará 250 mil mortes por ano, a nível mundial, devido, em grande parte, à desnutrição, à malária, à diarreia e ao stresse térmico.

A poluição atmosférica é um dos exemplos flagrantes. Só em 2020, provocou cerca de 238 mil mortes prematuras na União Europeia (UE), segundo a Agência Europeia do Ambiente (AEA). E uma estatística recente revela que, todos os anos, a poluição atmosférica causa a morte prematura de, pelo menos, 1200 crianças e adolescentes.

A poluição do ar aumenta as doenças cardiovasculares e respiratórias, como a asma; e o aumento dos alérgenos no ar, potenciado pelo aumento das temperaturas, faz aumentar as doenças alérgicas. Luís Campos, médico internista e presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), afirma que, da poluição atmosférica ao aquecimento global, “as alterações climáticas têm vários efeitos que se repercutem na saúde das pessoas”.

Em Portugal, as temperaturas extremas são o que trará mais perigosidade às pessoas, com impacto, sobretudo, nas doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, diz o especialista, para quem “Portugal é dos países da Europa com maior probabilidade de registar ondas de calor e incêndios florestais”, sendo uma zona onde as alterações climáticas se sentirão mais rapidamente.

O país é assolado por ondas de calor, no verão, que provocam excesso de mortalidade, afetando a população mais vulnerável. Em 2022, entre 7 e 18 de julho, registaram-se mais de mil mortes atribuídas pela Direção-Geral da Saúde (DGS) às temperaturas extremas. O futuro não é otimista: no pior dos cenários, pode registar mais de 85 mil mortes pelo calor, no final do século, como prevê um estudo publicado no “The Lancet Planetary Health”, em julho de 2021.

O calor extremo afetará a qualidade do ar. “Há níveis de ozono mais elevados quando há temperaturas altas”, afirma Susana Paixão, professora de Saúde Ambiental na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra (ESTeSC). As concentrações de ozono troposférico têm implicações na saúde respiratória, sobretudo em pessoas com patologias pré-existentes, como a asma e outras doenças respiratórias.

As temperaturas mais altas estão conexas com a seca e com os incêndios florestais, que “resultam num maior número de emissões atmosféricas e poluição do ar”, nota Susana Viegas. Já a seca reduz a disponibilidade de água para consumo humano e a água disponível apresenta maior concentração de poluição.

A mudança do clima tem outros efeitos, embora menos diretos, na saúde das pessoas. É expectável que as infeções e doenças transmitidas ao homem através dos animais, as zoonoses, sejam mais frequentes no futuro. É o caso da malária, do dengue, da doença de Lyme, do vírus do Nilo Ocidental, da febre-amarela ou do chikungunya. “Há uma série de doenças que vão começar a aparecer”, diz Susana Paixão, ex-presidente da Federação Internacional de Saúde Ambiental.

“Sempre vivemos com vírus e bactérias, só que, antes estavam relativamente longe de nós”. Agora, com o aumento da temperatura, com a desflorestação e com a invasão de habitats, há maior aproximação entre os animais e os seres humanos. Isso faz leva a que as zoonosesmuitas vezes, origem de pandemias, como a do SARS CoV-2, sejam prevalecentes.

Graças ao aumento da temperatura, as bactérias, que produzem toxinas de origem natural, como as cianotoxinas, ganham condições para proliferarem, contaminando a água usada para consumo humano. Os fungos produzem microtoxinas que contaminam alimentos, incluindo cereais. A ingestão de água e de alimentos contaminados causa patologias como a cólera. E a escassez de água e a insegurança alimentar podem levar à desnutrição.

Além da saúde física, as mudanças climáticas afetam a saúde mental. “Solastalgia é um neologismo que descreve uma forma de sofrimento mental ou existencial originado pelas mudanças ambientais”, esclarece a referida professora de Saúde Ambiental no ESTeSC. Trata-se da ecoansiedade, problema que afeta cada vez mais jovens: em Portugal, quase 1% dos alunos do Ensino Superior fica ansioso com o clima.

Perante estes desafios, é fundamental formar e capacitar os profissionais de saúde para as doenças do clima. O curso da ENSP, que deverá ser ministrado anualmente, “centrou-se na necessidade de adaptação aos efeitos que resultam da alteração das condições ambientais”, diz a coordenadora, que sustenta que “falta formação aos profissionais de saúde em Saúde Ambiental”.

Luís Campos concorda que há muito por fazer, tendo sido fundado, com essa consciência, em outubro de 2022, o CPSA, que já conta com mais de 50 organizações ligadas à saúde. “Ainda existe pouca consciencialização por parte dos profissionais para os problemas que decorrem das alterações e da degradação ambiental. É preciso introduzir estes temas nas reuniões científicas, nos congressos, na formação pré-graduada e pós-graduada”, defende.

Os profissionais de saúde têm de se adaptar aos cenários futuros, para tratarem melhor os pacientes e para se prepararem para novas doenças que não estão habituados a tratar, como as zoonoses. A Universidade de Harvard, nos Estados Unidos da América (EUA), introduziu a cadeira “One Health” no currículo pré-graduado, algo que não existe em Portugal.

“É extremamente importante alinhar a educação com as necessidades da população e os requisitos dos próprios serviços de saúde, [bem como] reforçar um contínuo desenvolvimento dos profissionais que já estão a trabalhar”, salienta Susana Paixão, para quem seria importante criar uma disciplina generalista que consciencializasse os alunos de que a emergência climática é uma questão de saúde pública.

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A 15 de novembro de 2022, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro – à margem das comemorações do Dia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), que incluíram a conferência “Alterações climáticas – Impacto na Saúde” pelo médico infeciologista Kamal Mansinho – questionado se as alterações climáticas já se estão a fazer sentir na saúde dos portugueses, afirmou que sim e defendeu que “não se pode perder tempo” no combate ao fenómeno: “Eu não quero antecipar o estudo que está a ser feito, designadamente sobre as diferenças de mortalidade dos últimos anos, mas parece óbvio, numa avaliação preliminar, que para além do impacto terrível da pandemia – e esse impacto da pandemia não está desligado das mudanças climáticas – há também, nas causas de doença e de morte dos portugueses, um profundo efeito dos fenómenos climáticos extremos”, disse o governante.

Já não é apenas o frio no inverno, como era tradicional, mas também o calor extremo no verão, que nos últimos anos, designadamente em 2022, terá tido um impacto muito negativo.

O ministro observou que também o sistema de saúde contribui para as mudanças climáticas: “Temos muitas instituições de saúde que são produtoras de energia e são fomentadoras de aquecimento.” Por isso, o sistema de saúde tem que adotar as regras da economia circular e melhorar a eficiência energética. Por exemplo, é preciso avaliar, caso a caso, se os dispositivos de uso único, que são hoje às centenas de milhar, não podem, com segurança e qualidade, dar origem à sua recuperação e reutilização. Com efeito, como diz o ministro, a lógica do uso único “é predadora dos recursos ambientais”, tendo impacto na preservação ambiental que é essencial para a vida coletiva e para a saúde das populações.

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“É vasta a evidência, proveniente de estudos epidemiológicos, que nos dá pistas sobre o impacto das temperaturas elevadas na saúde, comprovada pelo aumento do número de óbitos nos períodos de calor extremo”, frisa Ana Rita Torres, investigadora do Departamento de Epidemiologia do INSA. Os períodos de calor extremo ocorridos em 1981, 2003 e 2013 revelaram respetivamente 1906, 1953 e 1684 óbitos em excesso em Portugal. E “por cada acréscimo de um grau centígrado (1°C) na temperatura média, é estimado um aumento de 2,17% no excesso de mortalidade”, no final do século, aponta a investigadora, baseada em dados de um estudo internacional em que participou o INSA. O estudo cruzou os cenários de subidas das temperaturas médias globais (entre 2°C e mais de 4°C) e o aumento da mortalidade associada a temperaturas extremas, projetado para 2090-2099, por comparação com as registadas no período de 2010-2019.

Poderão registar-se cerca de 2170 mortes a mais por ano, devido ao excesso de calor, se as temperaturas subirem 2°C até final do século (já subiram 1,2°C desde a era pré-industrial) e tendo em conta a média de 100 mil óbitos anuais no período 2010-2019. Se chegar aos 3°C, duplica.

Ana Rita Torres lembra que “o risco pode ser minimizado através da intervenção a vários níveis, nomeadamente o social e comportamental”. Seguindo as recomendações da OMS, Portugal tem ativo o sistema ÍCARO, coordenado pelo INSA, em parceria com o IPMA, que mede o efeito do calor na saúde e permite ativar os sistemas de vigilância e alertas junto da população. Segundo a técnica, “este sistema já permitiu prevenir cerca de 35% das mortes que se verificariam em períodos de calor extremo na ausência de planos de contingência”.

Por fim, é de referir que, pela primeira vez, em Portugal, os médicos cardiologistas debateram e chamar a atenção da classe e do público em geral para o risco acrescido do aquecimento global e da poluição na saúde humana. Este é o foco do “Fórum SPC 2023: Alterações climáticas, poluição e doença cardiovascular”, organizado pela Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) e realizado no passado dia 10 de fevereiro, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Com efeito, a poluição atmosférica é a quarta causa de mortalidade no mundo e os problemas ambientais são responsáveis por cerca de um quarto das mortes a nível global.

2023.06.01 – Louro de Carvalho

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