quarta-feira, 14 de junho de 2023

Autarquias em risco por falta de pagamentos na descentralização (?)

 

Passado quase um ano após o acordo de descentralização entre o governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), os municípios não receberam as verbas referentes às atualizações dos preços das refeições nas cantinas escolares, do aumento dos transportes escolares de educação inclusiva ou dos seguros de acidentes de trabalho e da medicina do trabalho que adiantaram, para pôr a máquina a funcionar – e a que o “Estado se comprometeu publicamente a pagar. É a denúncia de Fernando Paulo, vereador da Educação e Coesão Social da Câmara Municipal do Porto (CMP).

O vereador da CMP, liderada por Rui Moreira, sustenta que, “se o governo não transferir as atualizações para os municípios, alguns poderão entrar em colapso”, pois, no âmbito da contratação, anteciparam verbas, o que levou alguns municípios a “constrangimentos financeiros graves”.

A situação vem desde o início do ano letivo, prestes a terminar. Desde setembro têm vindo a receber as verbas de acordo com o definido inicialmente e não com as atualizações introduzidas no acordo assinado pelo primeiro-ministro António Costa e pela ANMP.

Tais atualizações resultaram das reivindicações de vários presidentes de câmara (a própria CMP chegou a desvincular-se da ANMP) que obtiveram algumas vitórias, como a do aumento de 2,50 para 2,75 euros da comparticipação estatal das refeições escolares.

Por isso, Fernando Paulo espera que os municípios sejam ressarcidos dos montantes que pagaram desde setembro. Com efeito, estava prevista uma verba de 500 mil euros, para a CMP, e o custo efetivo no ano letivo é de 900 mil de euros. No total, só a CMP reclama mais de dois milhões de euros de dívida, sendo que, no final de um ano de gestão, o bolo duplicará.

Explica Fernando Paulo que a transferência anual de 20 milhões de euros para o município do Porto não é suficiente, porque “o custo efetivo rondará os 24 milhões de euros, tendo em conta que a eletricidade aumentou 30% e o valor dos transportes para a educação especial duplicou”. Além disso, o preço das refeições que o Ministério da Educação (ME) pagava, há dois ou três anos, a 1,46 euros está agora 2,90 euros; e o Estado prometeu pagar 2,75 euros.

Há, ainda, os custos com os seguros de acidentes de trabalho, com a medicina do trabalho e com a ADSE dos trabalhadores transferidos da Administração Central para as autarquias, mas que seriam assegurados pelo Estado. Todavia não tem sido assim: os municípios continuam sem receber o valor para a medicina de trabalho e para os seguros.

O vereador da CMP aponta o dedo ao governo pela ausência de informação sobre o financiamento a 100% da requalificação de 450 escolas do país. No protocolo entre a ANMP e o governo, este responsabiliza-se pelo financiamento a 100% da recuperação das escolas e os municípios não receberam instruções sobre como proceder. Aliás, até agora, os municípios não receberam qualquer indicação se devem fazer projetos, se são pagos pelo governo e se este assumirá diretamente a candidatura. Por isso, o vereador traz o assunto para a agenda pública, para que o processo seja clarificado, mormente havendo escolas a precisar de intervenção urgente.

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Porém, a 7 de junho, a ministra da Coesão Territorial afirmou que o governo tem urgência em estabilizar os valores transferidos no âmbito da descentralização de competências, assegurando que as dificuldades do processo não se devem à falta de dinheiro.

Para Ana Abrunhosa, o que tem dificultado o processo de descentralização em algumas áreas, como a saúde, é o facto de os municípios quererem acautelar diversas situações nos autos de transferência. “O que queremos é estabilizar estes valores, que possamos chegar à conclusão quanto é que estas transferências representam de valor e quanto é que isto representa de percentagem dos impostos para que passe a ser incluído nas transferências regulares do Orçamento de Estado e deixemos, de uma vez por todas, de ter um Fundo de Financiamento para a Descentralização (FFD)”, disse, vincando que ainda não será possível deixar de ter este fundo no Orçamento do Estado (OE) para 2024.

Assim, em junho, acertados os reforços, far-se-á um balanço. E o governo, com os municípios, verificará aqueles cujas transferências são insuficientes e estabelecerá que, de futuro, as verbas a transferir não dependam de decisão duma direção-geral ou dum ministério.

A ministra frisou que o modelo acordado ainda é que os municípios reportem “se há ou não necessidade de reforço de verbas em determinada área”, segundo a validação dos pedidos de reforço de verbas pelas comissões de acompanhamento da descentralização em cada município.

Estão em análise pedidos de sete municípios, para reforço de verbas, em relação aos FFD de 2022 e 2023, além de um pedido de Aveiro, onde se concluiu “não existir défice”. Os sete municípios apresentaram processos incompletos, pelo que o governo pediu informação adicional para “uma análise mais cuidada do pedido de reforço”. Alguns municípios apresentaram dúvidas sobre as verbas transferidas e necessidades, que serão colmatadas com o reforço de 27 milhões na área da educação, contemplado em despacho já está assinado.

Ana Abrunhosa dizia que o ministério recebera dúvidas de 154 municípios, 131 delas no âmbito da educação, 19 no âmbito da ação social, duas na área da saúde e outras duas de outras áreas.

As questões sobre a educação devem-se ao facto de esta ser uma área “onde a inflação mais se sente”, nomeadamente nos custos de transporte e das refeições escolares, tendo sido pedido aos municípios informações para reforço do preço das refeições.

Na saúde, a adesão ronda os 55% dos municípios, estando prevista, para breve, a assinatura de mais um conjunto de autos de transferência. É a área onde os custos de manutenção dos edifícios são os mais elevados por metro quadrado. Portanto, o problema é aferir se o centro de saúde precisa de obras e o ministério comprometer-se com elas, no auto de transferência.

Já quanto à ação social, a governante destacou um reforço de 35 milhões de euros em relação à verba inicialmente prevista, tendo sido já transferido “o valor entre janeiro e o mês atual para corrigir o valor da ação social”. A ação social decorre com tranquilidade, obviamente implicando, em alguns municípios, contratações, competência que é exigente para os municípios, mas que é a competência mais natural para os municípios, até porque, muitas das vezes, já as exerciam.

Ana Abrunhosa salientou que a descentralização “está totalmente concluída”, em 14 das 22 áreas do processo de transferência para os municípios. O FFD representava 843 milhões de euros, no OE de 2022, e mais de 1.200 milhões de euros, no OE de 2023.

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A 18 de julho de 2022, o Conselho Geral da ANMP, liderado pelo autarca de Lisboa, Carlos Moedas, aprovou, com o voto contra do Partido Comunista Português (PCP), o acordo, a assinar com o primeiro-ministro, da transferência de competências da Administração Central para as autarquias. Uma das grandes novidades desta última versão é o financiamento a 100%, pelo governo, das obras de construção, recuperação/reabilitação, num conjunto de centros de saúde, recorrendo a verbas do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e do Portugal 2030, à semelhança do que os municípios conquistaram para 451 escolas do país.

As novas alterações ao documento já tinham reunido consenso, na reunião do Conselho Diretivo liderado pela presidente da ANMP, Luísa Salgueiro, igualmente com voto contra do PCP.

Em relação à anterior versão, o acordo final acrescenta que, na conservação e manutenção dos edifícios e residências escolares, os valores serão atualizados automaticamente, no início de cada ano, pela aplicação dos índices oficiais de inflação verificados no ano civil anterior.

E, a 19 de julho do mesmo ano, após o Conselho de Ministros extraordinário, a ministra da Coesão Territorial, anunciou a aprovação do acordo entre o governo e a ANMP para a descentralização de competências, a “maior reforma administrativa dos últimos 50 anos”. Entre as grandes novidades está o aumento de 20 mil euros para 31 mil para obras de manutenção por escola que, em 2023, dispara para 37 mil euros, assim como 128 milhões de euros do PRR para a construção e “requalificação profunda” de centros de saúde.

Entre as grandes novidades, ao nível de cedências da parte do governo às reivindicações dos autarcas, está o valor para manutenção das escolas, em 2023, que a ministra considerou tratar-se de pequenas obras e de pequenos arranjos e que, no OE de 2022, em média por escola e por ano, passou para 31 mil euros, o que representa um aumento de 55%, sendo o valor médio, para 2023, de 37 mil euros por escola. Quanto a “obras de maior monta, de reconstrução e requalificação das escolas”, ficou decidido, com a ANMP, uma lista de cerca de 450 escolas para intervenção prioritária. E o governo aumentou a comparticipação na refeição escolar.

Também a Administração Central assumiu as despesas com seguros de acidentes de trabalho, medicina do trabalho e ADSE de todos os trabalhadores transferidos da Administração Central para as autarquias. E os municípios poderão participar na definição dos horários dos centros de saúde, de acordo com o previsto no novo estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Também ficou acordado o levantamento das necessidades de intervenção nos centros de saúde, estando já o governo a cumprir parte deste acordo, com o Ministério da Saúde a abrir concurso, através do PRR, para a construção de novos centros de saúde e para a requalificação de outros – um montante de 128 milhões de euros.

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Entretanto, foi publicado o Decreto Regulamentar n.º 1/2023, de 29 de maio, que regulamenta o FFD, nos termos do n.º 4 do artigo 66.º da Lei n.º Lei 24-D/2022, de 30 de dezembro, que aprovou o OE de 2022. O diploma em causa entrou em vigor a 30 de maio, mas com efeitos a partir de 1 de janeiro passado. São 1,2 mil milhões de euros.

As verbas para o financiamento dos municípios e das entidades intermunicipais, previstas no OE, são transferidas em duodécimos, até ao dia 20 de cada mês, pela Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL), para os municípios e para entidades intermunicipais.

As transferências financeiras, as receitas arrecadadas e os encargos diretamente relacionados com a descentralização de competências são reportados pelos municípios, mensalmente, através da plataforma eletrónica DGAL. Semestralmente, a DGAL disponibiliza, no portal autárquico, a informação reportada pelos municípios. Os municípios podem fundamentadamente solicitar à DGAL a reafetação de verbas, alteração orçamental que será autorizada pelos membros do governo responsáveis pelas áreas governativas das finanças e da coesão territorial.

A DGAL verifica a adequação das verbas e a eventual necessidade de reforço ou devolução de verbas por município. A reafetação e o reforço de verbas entre municípios são efetuados por despacho dos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças, das competências descentralizadas e da coesão territorial, verificada a necessidade e por proposta da DGAL.

É criada uma comissão de acompanhamento do FFD, que funciona durante o ano de 2023 e analisa as transferências efetuadas para os municípios e os encargos reportados. Esta comissão integra três representantes da ANMP e um representante do DGAL, que coordena, da Direção-Geral do Orçamento, do Instituto da Segurança Social e do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. Cada entidade designa um representante e um suplente para integrar a comissão no prazo de 15 dias após a entrada em vigor deste decreto regulamentar.

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A ser verdade, o vereador da CMP lançou um alarme precipitado. Ou escondeu a verdade, ou quis mostrar que tinha voz. É óbvio que o governo é lento e todos os processos são morosos e quem recebe ajudas tem de antecipar despesas. É porque não se arrisca mais que o país é pobre. E a preocupação dos municípios é mandar e ter dinheiro.

2023.06.14 – Louro de Carvalho

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