quinta-feira, 15 de junho de 2023

Apenas 7% dos municípios deixaram de usar glifosato

 

De acordo com a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, apenas 21 dos 308 municípios do país (cerca de 7%) e 51 juntas de freguesia deixaram de usar glifosato ou substâncias semelhantes, em áreas urbanas.

Desde novembro de 2015 que o uso profissional de produtos fitofarmacêuticos está sujeito a formação específica para os aplicadores, incluindo os funcionários das câmaras municipais.

Segundo os relatórios anuais da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) citados pelo Jornal de Notícias (JN), a 14 de junho, as vendas do glifosato, herbicida potencialmente cancerígeno, têm aumentado desde 2018, tendo sido, em 2021, comercializadas 1829 toneladas de glifosato (mais 527 toneladas do que em 2017), o que corresponde a 77,8% das vendas de herbicidas em Portugal, sendo este o de maior venda (e em crescendo), no país.

Esta substância, perigosa para a saúde pública, é utilizada na agricultura e na horticultura, para combater ervas daninhas e outras plantas infestantes. Para já, só 21 câmaras municipais mantêm o compromisso de não utilizar o glifosato, nem qualquer outro herbicida, em áreas urbanas. 

Uma das razões do aumento das vendas, no país, a partir de 2017, tem a ver com os grandes incêndios florestais de 2017 e com a falta de meios de limpeza, que se tornou necessária.

Embora o governo tenha manifestado preocupação com os efeitos do uso deste herbicida, a ponto de, em 2017, ter proibido o seu uso em espaços públicos (ver Decreto-lei n.º 35/2017, de 24 de março, que transcreve a Diretiva n.º 2009/128/CE), a Quercus vem recebendo queixas de incumprimento da legislação, com risco de exposição das populações a produtos tóxicos.

A 26 Janeiro 2017, o Diário de Notícias (DN) dava conta da aprovação, pelo Conselho de Ministros, da proibição do uso de fitofármacos em espaços públicos, como pesticidas e herbicidas. Era o glifosato, herbicida potencialmente cancerígeno, que estava na origem da aprovação, por ser muito utilizado na destruição de ervas daninhas.

O DN referia que o glifosato, produto muito barato que substitui o controlo mecânico, biológico, biotécnico ou cultural no controlo de pragas e plantas invasoras, vinha sendo objeto de análise na Comissão Europeia, tendo em vista a renovação, ou não, da sua utilização por mais nove anos. Isto depois de a Agência Internacional para a Investigação sobre o Cancro da Organização Mundial da Saúde (OMS) ter declarado, em março de 2015, este produto químico como potencialmente cancerígeno para o ser humano.

Pelo referido decreto-lei, passaram a ser proibidos os fitofármacos em jardins, parques de campismo, hospitais e centros de saúde, lares de idosos e escolas, ficando de fora as escolas de formação em ciências agrárias.

As novas regras não se aplicavam às situações em que houvesse necessidade de fazer face a uma praga. No entanto, exige-se a autorização pela DGAV, organismo que regulamenta a aplicação de produtos fitofármacos, mas com a recomendação de ser dada “prioridade à utilização de produtos cuja utilização é permitida em modo biológico e de produtos fitofarmacêuticos de baixo risco, quando disponíveis, ou quando não exista alternativa”.

Outra das medidas adotadas foi a obrigatoriedade de avisos que indicassem as entidades responsáveis, os tratamentos, a data de início e a partir da qual pode ser restabelecido o acesso às áreas tratadas, sem restrições.

O decreto-lei determina, ainda, que seja dada preferência a produtos fitofarmacêuticos que não contenham substâncias ativas incluídas na lista de substâncias perigosas prioritárias.

As penalizações por violação do disposto legalmente podem ir de 250 a 3740 euros, no caso de pessoas singulares, ou de 500 a 22 000 euros, no caso de pessoas coletivas.

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Sobretudo após a referida declaração da OMS sobre a periculosidade deste herbicida, tem sido recorrente o debate. Em maio de 2016, foi dirigida à Assembleia da República (AR), ao Presidente da República e ao Ministério do Ambiente, uma petição com vista à “proibição total de venda, distribuição ou uso do herbicida glifosato”, em Portugal, por ser considerado um “carcinogénico provável para o ser humano” pela OMS, significando que “há provas científicas convincentes de que a substância provoca cancro em animais de laboratório e provas limitadas de que também o faz no ser humano”.

A 23 de novembro de 2021, a AR aprovou, na votação na especialidade do Orçamento do Estado para 2021 (OE2021), de que resultou a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, a proposta do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) que proíbe a comercialização, para usos não profissionais, de herbicidas que contenham glifosato.

A medida teve os votos contra do Partido Comunista Português (PCP) e do Partido Social Democrata (PSD), a abstenção do Chega e da Iniciativa Liberal (IL) e os votos favoráveis, além do PAN, do Bloco de Esquerda (BE) e do Partido Socialista (PS).

O glifosato, envolvido em polémica nos últimos anos, é um herbicida muito utilizado na agricultura mundial e surge em várias marcas, que são vendidas sem restrições em qualquer supermercado ou outro tipo de comércio. No entanto, segundo vários estudos, causa cancro em animais de laboratório e poderá ser o causador de um tipo de cancro no ser humano. Em 2015, a OMS já tinha declarado o glifosato como “carcinogéneo provável para o ser humano”, como lembra o PAN.

Já setembro de 2020, investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) e da Universidade Católica Portuguesa (UCP) diziam ter detetado níveis significativos de exposição ao glifosato a partir de amostras de urina de 79 participantes num estudo. E lembravam que, em 2016, já tinham sido publicadas pela Plataforma Transgénicos Fora as primeiras análises feitas em Portugal e que os valores nos seres humanos eram muito altos.

De resto o glifosato, lembrava também o PAN, já foi detetado em análises de rotina a alimentos, ao ar, à água da chuva e dos rios, à urina, ao sangue e até ao leite materno.

 

O partido salienta que o herbicida pode ser comprado em qualquer estabelecimento comercial da especialidade, não havendo qualquer controlo por parte das autoridades sobre as quantidades aplicadas ou sobre o método de utilização, o que pode “pôr em causa a segurança alimentar” e do utilizador e contaminar o ar e água. Por isso, fica limitado o acesso de utilizadores não profissionais e especializados a herbicidas à base de glifosato, proibindo a sua venda para usos não profissionais.

No entanto, a Comissão Europeia, uma vez que o processo de avaliação se atrasou e não foi concluído a tempo do termo da licença, que devia ser a 31 de dezembro de 2022, decidiu pela prorrogação do prazo até 15 de dezembro de 2023, devendo decidir, até ao fim do ano, se vai prolongar a licença deste herbicida nos 27 Estados-membros.

A 28 de julho de 2021, deu entrada na AR, uma petição que pretendia “banir a comercialização do glifosato em Portugal”, mas, após discussão na Comissão de Agricultura e Pescas, foi arquivada, a 27 de julho de 2022.  

Mantém-se um sistema híbrido: proibição circunscrita a espaços públicos e a não profissionais; e permissão na agricultura e silvicultura. E continuam os danos colaterais para águas, solos, algumas espécies vegetais e animais. Ecossistema e saúde ficam em risco.  

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O tema é polémico. O Grupo de Avaliação do Glifosato, constituído pela França, Hungria, Países Baixos e Suécia, pela Agência Europeia dos produtos Químicos (ECHA) e pela Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA), concluiu pela segurança do produto. E, em Portugal, a Confederação de Agricultores de Portugal (CAP) entende que, sem mais avaliações científicas, “não existe justificação plausível” para a substância ativa ser retirada da Europa.

Luís Mira, secretário-geral da CAP, sustenta que, se a licença não for renovada, deve ser posta, rapidamente, à disposição dos agricultores uma série de “ferramentas”, para conseguirem produzir mais alimentos, de forma cada vez mais sustentável. Alerta que a proibição criará desigualdade entre os produtores. E refere que o glifosato é largamente utilizado por outros países concorrentes dos países europeus.

Enfim, resta saber se a saúde pessoal, a saúde pública e a sanidade dos ecossistemas terão de ceder ao lóbi agroindustrial. Há, efetivamente, muito trabalho que as máquinas fazem, o que dispensa o trabalho de pessoas. Porém, é de questionar se o uso dos produtos químicos (nomeadamente os que são portadores de danos colaterais) pode substituir, com vantagem, o envolvimento das pessoas e o uso de ferramentas que não lesem a saúde e o meio ambiente.

2023.06.15 – Louro de Carvalho

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