domingo, 25 de junho de 2023

Deixar de fumar torna-se cada vez mais necessário

 

Refere o jornal Público, de 25 de junho, que a fiscalização, no âmbito da chamada “lei das beatas”, (Lei n.º 88/2019, de 3 de setembro, complementada pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro) levou à instauração de 613 processos, dos quais 162 chegaram ao fim, alegando as autoridades que a fiscalização das infrações a esta lei é muito complicada, já que, para autuar, o agente tem de presenciar o arremesso das beatas. Ora, se o consumo de tabaco é prejudicial à saúde pessoal do fumador e à saúde pública, o arremesso de beata (resto de cigarro) comporta um dano ambiental, por esta não ser biodegradável e pelo facto de o tabaco (de que é resto) ser portador de inúmeros produtos maléficos para o seres vivos e para o ecossistema.

Por outro lado, entrou na Assembleia da República (AR) uma proposta de lei do Governo, para alteração da Lei n.º 63/2017, de 3 de agosto, que, no escopo de conseguir uma geração de não fumadores, equipara o tabaco aquecido ao tabaco convencional, no atinente a odores, a sabores e a advertências de saúde, nos termos de uma diretiva europeia; alarga a proibição de fumar ao ar livre, dentro do perímetro de locais de acesso ao público ou de uso coletivo; impossibilita a criação de novos espaços para fumadores nos recintos onde já é proibido fumar; estende a proibição da venda de tabaco à generalidade dos locais onde é proibido fumar (o que originou críticas e piadas), redefinindo os espaços onde é permitido instalar máquinas de venda automática.

A indústria e o comércio tabaqueiros alertam para o risco aumentado da entrada do tabaco no mercado subterrâneo, mercê das restrições dos números de posto de venda. Porém, os promotores da luta antitabaco entendem que o Governo devia ir mais longe, pois, embora o consumo de tabaco tenha vindo a diminuir nos últimos cinco anos, quase 17%  dos portugueses com mais de 15 anos ainda são fumadores. Cerca de dois terços das causas de morte nos fumadores são atribuíveis ao tabaco e, em média, o fumador vive menos 10 anos do que o não fumador. E, em 2019, terão ocorrido, em Portugal, cerca de 13.500 óbitos devido ao tabaco.

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Será, então, desejável, por motivos de saúde e de preocupação ambiental, promover o abandono do tabaco. Deixar de fumar pode ser desafiante e difícil, devido à dependência física e psicológica induzida pela nicotina. Mas o esforço vale a pena. Di-lo quem o experienciou.

Cerca de 80% dos fumadores gostariam de acabar com o vício do tabaco. No entanto, apenas 25% aguentam mais do que uma semana.  

O fumo do tabaco é composto de compostos químicos nocivos que provocam inúmeros malefícios para a sua saúde e para a de quem o rodeia. A nicotina, a causa do vício, não é o componente mais nocivo do cigarro. De facto, o tabaco contém mais de 7000 substâncias químicas, muitas das quais são tóxicas, irritantes ou cancerígenas. E o tabagismo acelera o processo de envelhecimento, além de causar outros efeitos nocivos no organismo, principalmente nos pulmões e nas suas células, na pele, nos dentes e no cabelo.

Quando o fumo do tabaco é inalado, o alcatrão pode formar uma camada pegajosa no interior dos pulmões, que os danifica, podendo levar a cancro do pulmão, a enfisema, ou a outros problemas pulmonares. Os cigarros e outros produtos com tabaco podem produzir quantidades diferentes de alcatrão, dependendo do fabrico. O fumador fica exposto a compostos químicos, como o benzeno e o formaldeído, que têm estado ligados ao aumento no risco de vários tipos de cancro, tais como a leucemia e o cancro dos seios perinasais, da cavidade nasal e da nasofaringe.

Quanto à pele, o tabaco provoca alterações na quantidade e qualidade do colagénio e da elastina.

Afeta a circulação, porque o oxigénio não é bombeado através dos vasos sanguíneos tão facilmente como num não fumador, o que resulta em pele sem vida e baça.

Em relação aos dentes, é de referir que o alcatrão é uma substância pegajosa de cor castanha que mancha os dentes dos fumadores. Além disso, as glândulas salivares dos fumadores sofrem mais facilmente inflamações, o que reduz a produção de saliva. Assim sendo, o cigarro torna a boca mais seca e o ambiente oral mais propício para o desenvolvimento de cáries.

Alguns dos efeitos associados ao tabaco nos dentes e nos tecidos de apoio são: a halitose, a doença periodontal, a perda de dentes e várias manchas.

No atinente ao cabelo, os compostos químicos do tabaco impactam negativamente a circulação sanguínea, que, se insuficiente, ao nível do escalpe, pode levar à perda de cabelo.

A médio prazo, a cessação tabágica diminui o risco de inúmeras doenças, de que se destacam: o cancro de pulmão (e outras formas de cancro), a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), a doença coronária e a doença cerebrovascular e o envelhecimento da pele.

Além disso, melhora a saúde geral e diminui o risco de morte prematura. E os benefícios começam assim que se apagar o último cigarro. Por exemplo: após oito horas, os níveis de monóxido de carbono (CO) no sangue reduzem; em 72 horas, a capacidade pulmonar e a respiração melhoram; um ano depois, o risco de doença cardiovascular desce para metade; após cinco a 15 anos de abstinência, o risco de acidente vascular cerebral (AVC), de neoplasias e de DPOC é igual à do não fumador; após 15 anos, o risco de doença cardiovascular é igual ao do não fumador (quando comparada a idade e o sexo); e, progressivamente, deixa de haver tosse e expetoração pela manhã, melhoram o paladar e o olfato, bem como a pele e o hálito. Desaparece o cheiro na roupa. E, de uma forma geral, sente-se mais energia e melhor bem-estar.

A nicotina provoca dependência física e psicológica, podendo a sua ausência provocar uma série de sintomas difíceis, como dificuldade de concentração, insónias, ansiedade, irritabilidade e aumento de apetite. Os sintomas mais intensos da cessação tabágica podem durar entre dias a semanas, mas o desejo de fumar um cigarro pode durar mais tempo.

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Antes iniciar um processo de cessação tabágica, interessa avaliar dois parâmetros: o grau de dependência da nicotina e o grau de motivação. Através do teste de Fagerström (psicólogo e especialista antitabagismo) é possível classificar a dependência em três graus: ligeiro, moderado ou grave. É avaliado o hábito tabágico (hora de fumo do primeiro cigarro,  número de cigarros, quais os mais difíceis de deixar de fumar e se a pessoa fuma, inclusive, quando doente. Para avaliar a motivação – um dos itens mais importantes para deixar de fumar –, deve questionar-se quando se pretende deixar de fumar a médio prazo e se já se já fez alguma tentativa.

Há opções terapêuticas que ajudam a lidar com os sintomas de privação de nicotina, que devem ser utilizadas com acompanhamento médico e personalizado às necessidades de cada um. É o caso dos substitutos de nicotina, que podem ser tomados via oral (pastilhas, comprimidos, gomas, películas orodispersíveis e spray bucal) ou transdérmica (adesivos), com diferentes dosagens adaptadas aos sintomas de privação e utilizadas de forma personalizada, fornecendo a nicotina obtida ao fumar um cigarro; e o da terapêutica farmacológica, prescrita por médico, para de oito a 12 semanas, que diminui os sintomas de privação e a vontade de fumar.

Deixar de fumar sem ajuda personalizada é difícil. A taxa de sucesso é reduzida (cerca de 3%), já que os sintomas de privação podem ser intensos. Por isso, é aconselhável o acompanhamento em consulta especializada. Contudo, quem desejar fazê-lo sozinho pode deixar de fumar de um dia para o outro, estabelecendo o momento para deixar o vício, ou escolher parar gradualmente, reduzindo progressivamente o número de cigarros diários. Não há soluções mágicas para deixar de fumar natural ou rapidamente. É necessária a perseverança e a consciência de que não é fácil. A Direção-Geral da Saúde (DGS) dá algumas recomendações oportunas.

É conveniente fazer uma preparação, listando os motivos para deixar de fumar (economia, saúde, trabalho, etc.), analisando o seu perfil de fumador (quantos cigarros por dia, há quantos anos e quais dão mais prazer e quais os mais difíceis de retirar), fixando uma data e partilhando a decisão, bem como começar a reduzir o número de cigarros. E, no dia aprazado, é conveniente retirar todos os objetos relacionados com o hábito, em casa, no trabalho e no automóvel.

Haverá momentos em que o desejo de fumar será enorme, mas durarão só alguns minutos e serão cada vez menos frequentes. Por isso, há que aprender técnicas de relaxamento e de controlo da respiração; manipular objetos parecidos (como uma caneta); mastigar uma pastilha; ou comer uma peça de fruta. Se a ideia de fumar surgir, há que direcionar o pensamento para os benefícios de deixar o hábito. Pode ser boa altura para rever a lista das motivações.

É conveniente praticar, regularmente, exercício físico, para evitar o aumento de peso, decorrente da cessação tabágica, e a ansiedade, bem como fazer uma alimentação saudável e reduzir o café e as bebidas alcoólicas (hábitos associados ao tabaco), ingerindo fruta e legumes e evitando os açúcares e as gorduras. Há que evitar as tentações, não se aproximando de fumadores e deixando atividades que levem ao ato de fumar, pois fumar um cigarro contribui para a recaída.

Por fim, é de fazer uma poupança, pondo um frasco transparente num local visível e depositar o dinheiro que se costumava gastar diária ou semanalmente em tabaco. Ver a poupança constitui prémio para o esforço e pode ocasionar a viagem que sempre de quis fazer.

Se voltar a fumar, é de te em conta que as recaídas fazem parte do processo de mudança, pelo que, se tal acontecer, é de voltar a tentar e pedir ajuda a um profissional especializado.

Além dos fármacos, há tratamentos alternativos, como a hipnose ou a acupuntura, que não são ainda reconhecidos pela comunidade médica, por não haver estudos com evidência científica que comprove a sua eficácia.

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Nunca é tarde demais para deixar de fumar. Ao conseguir, pode-se usufruir dos benefícios da libertação do tabaco. Quando se utiliza um medicamento de terapia de substituição da nicotina (TSN), evita-se a exposição à acetona, solvente inflamável utilizado no removedor de verniz de unhas; ao arsénico, veneno para formigas; ao benzeno, muito utilizado na indústria química e que se encontra nas emissões de veículos e em vapores da gasolina; ao formaldeído (tipo de álcool tóxico), utilizado para destruir germes e para preservar tecidos e amostras de laboratório, bem como no fabrico de materiais de construção, tais como madeira, colas, tecidos, tintas, fertilizantes, pesticidas e outras substâncias); e ao alcatrão, que resulta sobretudo da má secagem da folha.

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E a contraindicação do fumo aplica-se ao tabaco tradicional e ao aquecido (eletrónico).

Há três mitos em prol do cigarro eletrónico que urge desfazer: “como o fumo não vem da combustão não afeta a boca”; “as gengivas ficam mais saudáveis do que com o outro tabaco”; e “há menos mortes associadas ao tabaco aquecido”.  

É verdade que não há combustão no tabaco aquecido. Porém, também este é portador de substâncias nefastas que alteram o pH da boca e, por consequência, a atividade das bactérias que aí habitam. Além disso, conduz à diminuição da saliva disponível. Assim, o fumador fica mais desprotegido contra cáries dentárias e contra outros problemas.

Havia a esperança de encontrar um novo tratamento revolucionário contra a gengivite e contra a periodontite. Todavia, a ciência mostra o contrário. A nicotina e outras substâncias que há no tabaco aquecido são uma das principais causas das doenças das gengivas, só que as esconde: o fumo do tabaco, aquecido ou outro, provoca alterações na parte vascular das gengivas, o que faz com que ocorra menos sangramento, um dos principais sinais da periodontite.

E, como comercialização massiva dos cigarros eletrónicos é recente, não há lastro suficiente para se comparar a taxa de mortalidade associada ao tabaco aquecido à do cigarro tradicional. O que a ciência mostra é que o cigarro eletrónico tem impacto negativo no sistema respiratório. Foram encontradas altas concentrações de substâncias como material particulado (poluente), alcatrão, acetaldeído, acrilamida e metabolito da acroleína (cancerígenos). E o formaldeído encontra-se em maiores quantidades em  tabaco aquecido do que no convencional.

É, pois, urgente deixar de fumar. Eu deixei, sem esforço, há 23 anos.

2023.06.25 – Louro de Carvalho

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