sexta-feira, 23 de junho de 2023

Viagem aos destroços do Titanic acabou em tragédia

 

A 18 de junho, o OceanGate Expeditions perdeu o contacto com o Titan – de que era proprietária – com o seu primeiro mergulho, em 2023, no Oceano Atlântico, no local onde se encontram os destroços o Titanic (descobertos em 1985), que se afundou em 1912, junto à Terra Nova, no âmbito da sua viagem inaugural, prevista entre Southampton, na Grã-Bretanha, e Nova Iorque, nos Estados Unidos da América (EUA), tendo passado por Cherbourg, na França, onde embarcaram mais passageiros.
A perda do contacto com o submersível ocorrera, por várias vezes, durante os anteriores mergulhos de teste e de turismo, pelo que, desta feita, as autoridades não foram alertadas, até que o submersível estivesse atrasado em relação ao tempo previsto para o retorno. Seguiu-se uma massiva operação internacional de busca e de tentativa de resgate, que terminou a 22 de junho, quando destroços de Titan foram descobertos perto da proa do Titanic. 
Com efeito, a Guarda Costeira dos EUA confirmou que o submersível, operado pela OceanGate Expeditions, sofreu uma “catastrófica implosão” nas profundezas do oceano, sem deixar sobreviventes, sendo que os escombros encontrados na área dos destroços do Titanic correspondem à parte externa do submersível desaparecido.
A implosão terá ocorrido perto do naufrágio do Titanic, para onde o submersível se dirigia, referiram as autoridades da Guarda Costeira, em conferência de imprensa realizada após terem notificado as famílias das vítimas. “Os destroços são consistentes com a perda catastrófica da câmara de pressão”, frisou o contra-almirante John Mauger, do Primeiro Distrito da Guarda Costeira norte-americana.
Agora, sabe-se que a perda de contacto ocorreu, uma hora e um quarto, após o início da viagem quando o submarino, com cinco pessoas a bordo, se encontrava a 3.800 metros de profundidade, a cerca de 640 quilómetros da ilha canadiana da Terra Nova.
As autoridades norte-americanas confirmaram a morte dos cinco tripulantes, incluindo um dos fundadores Stockton Rush, por falta de oxigénio, pois o comburente disponível no submarino dava para 40 horas, segundo uns, e por implosão, aquando da descida, segundo outros.
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A OceanGate Expeditions é uma empresa privada dos EUA, com sede em Everett Washington, fundada, em 2009, por Stockton Rush e Guillermo Söhnlein, que fornece submersíveis tripulados para turismo, indústria, pesquisa e exploração. Em 2017, Stockton Rush afirmou que fornecer passeios sofisticados era uma porta de entrada para negócios mais lucrativos.
A empresa, depois de adquirir um navio submersível, o Antipodes, construiu dois seus: o Cyclops 1 e o Titan. Em 2021, começou a levar turistas pagantes no Titan, para visitar os destroços do Titanic. Em 2022, o preço por passageiro numa expedição OceanGate ao naufrágio do Titanic era de 250 mil dólares (cerca de 230 mil euros) por pessoa.
O Titan, equipado com um sistema de monitorização acústica em tempo real, que a OceanGate afirmou poder detetar o início da flambagem no casco de fibra de carbono, antes de uma falha catastrófica, foi o primeiro submersível capaz de transportar cinco pessoas a uma profundidade máxima de 4.000 metros (13.000 pés) e o primeiro submersível tripulado concluído que usa um vaso de pressão de passageiros, construído com materiais compostos de titânio e de fibra de carbono, já que a maioria dos outros submersíveis de transporte humano é projetada com um vaso de pressão totalmente metálico. O vaso de pressão composto dá ao submersível flutuabilidade natural, que elimina a utilização de espuma sintática. 
Cyclops 1 e o Titan são lançados e recuperados de uma “Plataforma de Lançamento e Recuperação” semelhante a uma doca seca rebocável por um navio comercial. Logo que a plataforma e o submersível atinjam o local de destino, os tanques de flutuação da plataforma são inundados e ela afunda abaixo da turbulência da superfície a uma profundidade de 9 metros (30 pés). O submersível decola para a sua missão subaquática. E, após o seu retorno à plataforma, os tanques de flutuação são bombeados e a plataforma pode ser rebocada ou trazida a bordo do navio hospedeiro, o que permite o uso de embarcações sem guindastes humanos.
Uma implosão catastrófica, como a que terá destruído o submersível Titan, teria acontecido com força e velocidade incríveis, dada a pressão esmagadora da água no fundo do oceano.
Os restos do Titanic repousam no fundo do mar no Atlântico Norte a uma profundidade de cerca de 3.800 metros. Ao nível do mar, a pressão atmosférica é de 14,7 psi (unidade de medida).
Ali, a pressão da água na profundidade é multiplicada por 400 em relação aos valores da superfície marinha, quase 6.000 psi (de acordo com a Scientific American, a dentada de um grande tubarão branco exerce uma força de quase 4.000 psi).
Numa implosão causada por defeito no casco ou por algum outro motivo, o submersível colapsaria sobre si em milissegundos, esmagado pela imensa pressão da água. A morte seria praticamente instantânea para os ocupantes da câmara pressurizada.
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O Titan foi projetado para sustentar a extrema pressão da água nas profundezas do Titanic e já tinha feito mergulhos anteriores ao local onde se encontra o transatlântico em destroços. Porém, foram levantadas questões de segurança, principalmente num processo que envolveu o ex-diretor de operações marítimas da OceanGate, David Lochridge, demitido em 2018, após alertar sobre o casco experimental de fibra de carbono do submersível.
Roderick Smith, professor de engenharia do Imperial College, em Londres, disse que o acidente terá ocorrido por “falha do casco de pressão”, mas os destroços têm de ser recuperados para completa investigação, podendo ser, mesmo assim, difícil identificar a causa:A violência da implosão significa que pode ser muito difícil determinar a sequência dos eventos.”
Por seu turno, James Cameron, realizador do filme Titanic (1997) e experiente explorador das profundezas do mar, disse que houve muitos avisos sobre a segurança do submersível que implodiu, tendo como resultado a morte de cinco pessoas.
O realizador, sustentando que a pequena embarcação causou grande preocupação na comunidade de exploração oceânica, relevou as semelhanças entre a tragédia e o naufrágio do Titanic em 1912, que redundou em cerca de 1.500 mortes.
“Estou impressionado com a semelhança entre a tragédia e o desastre do Titanic, onde o capitão foi alertado, por várias vezes, sobre o gelo em frente ao navio e, mesmo assim, acelerou em alta velocidade em direção a um campo de gelo numa noite sem lua, levando à morte de muitas pessoas”, declarou Cameron ao canal americano ABC News, acrescentando: “E o facto de uma tragédia muito semelhante, onde não se prestou atenção aos alertas, ter ocorrido exatamente no mesmo lugar, com toda a exploração submarina que ocorreu, é simplesmente surpreendente [...]. É surreal.”
James Cameron, que foi, em 2012, a primeira pessoa a chegar ao ponto mais profundo do oceano, referiu que o risco de implosão, devido à pressão, estava sempre “em primeiro lugar” na mente dos engenheiros: “É o pesadelo com o qual todos nós convivemos”, nesse campo de exploração, disse, destacando as normas de segurança da indústria, ao longo das últimas décadas, e referindo que “muitos na comunidade estavam muito preocupados com esse submersível”.
Mais apontou que “várias figuras importantes na comunidade de engenharia de mergulho” escreveram cartas à empresa em causa, a dizer que estava a fazer demasiadas experiências, ao transportar passageiros, e que “precisavam de ser certificados”.
A bordo do pequeno submarino estavam o bilionário britânico Hamish Harding, o empresário paquistanês Shahzada Dawood e o seu filho Suleman, o experiente mergulhador francês Paul-Henri Nargeolet e Stockton Rush, CEO da OceanGate Expeditions.
Cameron – o realizador que visitou os destroços do Titanic, enquanto filmava o seu épico filme, com Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, que ganhou 11 Óscares – lembrou a amizade de 25 anos com Nargeolet, grande especialista no naufrágio do Titanic: “É quase impossível, para mim, processar que ele tenha morrido desta forma trágica.”
Em réplica, o empresário Guiilermo Shonlein, cofundador da OceanGate, recusa críticas sobre a segurança da empresa: “As pessoas limitam-se a falar da certificação de segurança e ignoram os 14 anos de desenvolvimento do submersível Titan”, disse à emissora britânica BBC Radio 4.
Guillermo Shonlein, norte-americano de origem argentina, deixou a empresa há 10 anos, mas ainda possui, nela, uma participação minoritária. E frisou que as críticas sobre o desastre que provocou a morte aos cinco ocupantes são resultado da “falta de informação”.
Segundo o cofundador da empresa, “qualquer especialista, incluindo Cameron, também admitirá que não estavam presentes, quando o submersível foi projetado, nem estavam presentes durante o processo de engenharia e durante a construção do Titan”.
O sócio minoritário da empresa diz que o veículo subaquático foi submetido, na altura da construção, a um rigoroso programa de testes. E considera o incidente como uma “trágica perda para os exploradores oceânicos”, mas sublinha que qualquer pessoa que “trabalha no mar conhece o risco de estar sob a pressão [oceânica] e que se corre o risco de uma implosão”.
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Enfim, continuamos perante uma situação de teimosia na crença absoluta na ciência e na técnica, apesar dos avisos da experiência prudente de outros. Continuam os sacríficos de vidas humanas aos caprichos de um insensato empreendedorismo, tal como ao imperialismo belicista ou político. E quem discordar é afastado.
É preciso maior rigor no cálculo dos riscos e ouvir mais os especialistas, bem como alguns cidadãos experientes.

2023.06.23 – Louro de Carvalho


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