quinta-feira, 22 de junho de 2023

Reconhecidas as virtudes heroicas da Irmã Lúcia (de Fátima)

 

Durante a audiência concedida ao cardeal Marcello Semeraro, prefeito do Dicastério para as Causas dos Santos, a 22 de junho, o Sumo Pontífice Francisco autorizou a promulgação dos decretos respeitantes ao reconhecimento das virtudes heroicas da serva de Deus Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado (no século: Lúcia dos Santos), monja professa da Ordem das Carmelitas Descalças, nascida a 28 de março de 1907, em Aljustrel, Portugal, e falecida a 13 de fevereiro de 2005, em Coimbra, Portugal.

Assim, uma dos pastorinhos da Cova da Iria, a guardiã da terceira parte do segredo de Fátima torna-se venerável, juntamente com outros quatro servos de Deus, entre os quais o salesiano brasileiro António de Almeida Lustosa, arcebispo de Fortaleza, falecido em 1974. Também foi reconhecido o martírio de dez sacerdotes e dez leigos da arquidiocese de Sevilha, mortos durante a Guerra Civil Espanhola em 1936. Todos serão proclamados beatos.

A este respeito, Silvonei José Michele Raviart falou ao Vatican News/Radio Vaticana, vincando que a Irmã Lúcia, um dos três pastorinhos de Fátima, é venerável e destacando que, junto com a Irmã Lúcia, se tornou venerável o salesiano brasileiro António de Almeida Lustosa, arcebispo de Fortaleza, falecido em 1974, convicto, como se afirma na biografia do site do Dicastério para as Causas dos Santos, de que “a primeira evangelização consiste em devolver a dignidade às pessoas e às famílias mais pobres”. Dizia-o ele que também foi ensaísta, cientista e artista. Além destes, outros três servos de Deus se tornaram veneráveis, tal como foi reconhecido o martírio de dez sacerdotes e dez leigos da arquidiocese de Sevilha, mortos por ódio à fé, durante a Guerra Civil Espanhola, em 1936. Todos estão, assim, mais perto da beatificação.

Da Irmã Lúcia é referido que teve uma série de aparições da Virgem Maria, em 2017, na Cova da Iria, em Fátima, Portugal, junto com os seus dois primos Francisco e Jacinta Marto. Após a morte prematura dos primos, que faleceram, alguns anos depois, devido à gripe espanhola e foram canonizados pelo Papa Francisco, em Fátima, em 2017, a Irmã Lúcia permaneceu como a única guardiã da mensagem que lhe foi confiada por Nossa Senhora, que ela transcreveu, a pedido do bispo de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, em quatro documentos, entre 1935 e 1941. Outro escrito, datado de 1944, continha a terceira parte do segredo de Fátima, o chamado “terceiro segredo”, que foi enviado a Roma e aberto, pela primeira vez, em 1960, mas não revelado pelo Papa São João XXIII, nem pelo Papa São Paulo VI. Foi o Papa São João Paulo II – particularmente devoto de Nossa Senhora de Fátima – que tornou conhecido o segredo no ano 2000, em Fátima.

A Irmã Lúcia viveu, com empenho, a custódia da mensagem mariana, em toda a sua longa vida, primeiro no colégio das Irmãs Doroteias, em Vilar (Porto), depois como carmelita em Coimbra, onde faleceu a 13 de fevereiro de 2005. A distinção entre a sua vida e as aparições, como diz o decreto, “é difícil também, porque muitos dos seus sofrimentos tiveram de ser atribuídos às aparições: ela sempre foi mantida escondida, protegida, guardada. Pode-se ver, em toda a sua vida, a dificuldade de manter juntas a excecionalidade dos eventos de que foi espectadora e a normalidade de uma vida monástica como a do Carmelo.

A 13 de maio de 1967 (aquando das celebrações do cinquentenário), a Irmã Lúcia foi a Fátima, onde se encontrou com São Paulo VI. Fez o mesmo com São João Paulo II, a 13 de maio de 1982, quando o Pontífice ofereceu a Nossa Senhora uma das balas da tentativa de assassinato contra ele no ano anterior, e, novamente, a 13 de maio de 1991 e a 13 de maio de 2000.

Após a morte da Irmã Lúcia, o Papa Bento XVI visitou Fátima, em 2010, e o Papa Francisco, em 2017, por ocasião do centenário. O próprio pontífice visitará o santuário a 5 de agosto, como uma das etapas da sua viagem a Lisboa, para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

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Em Portugal, as reações não se fizeram esperar. A comunicação social apressou-se a relevar a notícia e os sinos do Santuário de Fátima repicaram solenemente.

Ressalta a reportagem da Olímpia Mairos à Rádio Renascença sob o título “Papa abre caminho à beatificação da irmã Lúcia”, logo às 11H19. Com efeito, reconhecer as “virtudes heroicas” é um passo central no processo que leva a proclamar beato um fiel católico. É a penúltima etapa para a declaração da santidade. Para a beatificação, exige-se o reconhecimento de um milagre atribuído à intercessão da agora venerável Lúcia de Jesus.

Para D. José Ornelas, bispo de Leiria-Fátima e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), o reconhecimento das virtudes da irmã Lúcia representa, para todos, “um motivo muito feliz de alegria e para todos aqueles que amam Fátima e se deixam inspirar pela presença de Maria para si próprios e para toda a Igreja”.

Segundo o prelado, os três pastorinhos não ficariam completos sem Lúcia. Por outro lado, é completar a Mensagem de Fátima com a que foi particular testemunha e que “nos deu as memórias de todos os acontecimentos de Fátima”. “Se os dois primeiros pastorinhos, Francisco e Jacinta, representam a idade da infância, aqueles que foram objeto especial do carinho materno de Maria, a Lúcia representa a idade adulta, a idade da razão, das memórias meditadas, amadurecidas, transmitidas pela sua própria pena”, vinca, frisando que tais memórias significam para a Mensagem de Fátima “algo de inestimável”.

Segundo o bispo de Leiria-Fátima, o reconhecimento “agora das suas virtudes”, não só do que disse, mas do que foi a sua vida é o confirmar do efeito da Mensagem de Fátima em “pessoas como os dois primeiros pastorinhos na sua inocência e Lúcia na sua idade adulta, madura de completa dedicação ao Senhor na vida consagrada”. “É isso que nós agradecemos agora e esperamos que, em breve, de facto, possamos celebrar, na Igreja, os três pastorinhos: como estão juntos no céu, que estejam juntos, também na admiração e na Mensagem que trazem juntos para a Igreja”, concluiu.

No santuário de Fátima, esta manhã, os sinos tocaram a repique, em sinal festivo pela “alegria que nos responsabiliza” como referiu o reitor, padre Carlos cabecinhas, que presidiu a uma oração espontânea na Capelinha das Aparições, com funcionários, voluntários e peregrinos.

Em declaração publicada pelo Santuário, o reitor, padre Carlos Cabecinhas, referia-se ao momento como “de enorme alegria para o Santuário de Fátima, enorme alegria antes de mais, porque é o reconhecimento de Fátima como uma escola de Santidade, a Mensagem de Fátima como caminho de comunhão com Deus; e é isso que nós vemos espelhado na vida da Irmã Lúcia, e que é reconhecido com esta declaração da heroicidade das suas virtudes”. “É motivo de grande alegria e, por outro lado, que nos responsabiliza e nos responsabiliza no sentido de dar a conhecer a vida da Irmã Lúcia.”

Na visão do sacerdote, se a Igreja reconhece a heroicidade das suas virtudes é então “fundamental que procuremos dar a conhecer cada vez mais profundamente e melhor a vida desta venerável que procurou viver de forma intensa a sua relação com Deus”. Vincando que “a Irmã Lúcia há muito que tem fama de santidade entre o povo cristão”, o sacerdote frisa que “esta declaração da Igreja e o reconhecimento da sua exemplaridade e o reconhecimento da sua exemplaridade compromete-nos no procurar dar a conhecer essa vida, essas virtudes, esse modo de vivência cristã”.

Para o reitor, o anúncio da heroicidade das virtudes de Lúcia compromete-nos também numa outra vertente, a oração, para que “o Senhor leve a bom termo este processo que procurará conduzir à beatificação e canonização da Irmã Lúcia de Jesus”, que “foi uma figura marcante do século 20 português” e da vida da Igreja, “na sua vida discreta, mas [também] na sua capacidade de influenciar as nossas vidas”. “Esta declaração é o reconhecimento daquela que foi a sua maior grandeza e a sua maior grandeza residiu precisamente na sua vivência cristã, numa forte vivência marcada pela Mensagem de Fátima, mas também pela sua vivência como Carmelita”, assinalou.

A vice-postuladora da Causa de Beatificação e Canonização da Irmã Lúcia, irmã Ângela de Fátima Coelho, expressa “muita alegria” ao ver reconhecidas as virtudes heroicas da vidente de Fátima. “Este é um passo importante no processo da causa de canonização da irmã Lúcia, porque significa que aquilo que do ponto de vista humano podemos estudar e conhecer, a irmã Lúcia viveu as virtudes principais da nossa fé em grau heroico, ou seja, pode ser modelo para todos os cristãos que se aproximam de Cristo neste caminho do discipulado”, observou.

Para Ângela Coelho, Lúcia reúne, em si, toda a espiritualidade da mensagem de Fátima e a espiritualidade do Carmelo. É uma figura que ultrapassa os limites do espaço físico de Fátima e do Carmelo, porque é uma figura universal e pode ser uma fonte inspiradora para tantos de nós que caminhamos em busca do Senhor, que passamos por momentos difíceis e confusos.

“Fica-nos este rasto de Luz que a Irmã Lúcia vai deixando e os seus apelos. Ela foi eco das palavras que Nossa Senhora quis transmitir a toda a humanidade, o seu grande desejo da oração, da oração do rosário, dos primeiros sábados, [da] consagração, [de] uma vivência centrada em Deus... São tudo pequeninos rastos de luz que Lúcia vai deixando e deixa para cada um de nós, neste nosso caminho de Igreja, neste momento, em que também precisamos de figuras luminosas, que nos levantem o olhar e nos continuem a dar esperança”, sublinhou ainda.

“Falta um milagre primeiro para a beatificação e, depois, outro para a canonização. Mas não é só pelos milagres que podemos obter e que fazem falta para o processo da causa avançar, é também pela alegria que sei que é ter esta mulher como companheira de viagem e como amiga”, concluiu, agradecendo ao Papa e ao Dicastério pelo decreto que reconhece as virtudes heroicas da religiosa, cujo corpo está sepultado na Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, tal como o dos primos Francisco e Jacinta marto, os dois primeiros santos de Fátima.

O cardeal D. António Marto, bispo emérito de Leiria-Fátima, congratula-se “com reconhecimento e a promulgação das virtudes irónicas da irmã Lúcia” e sublinha “a dimensão histórica e universal da santidade que se manifesta através do reconhecimento destas virtudes heroicas”. Releva a “forma discreta e humilde” como Lúcia viveu o amor a Deus, à Virgem, à Igreja e à Humanidade, vincando que viveu, discreta e humildemente, “toda esta dimensão e espiritualidade, procurando a verdade e não a notoriedade, sempre escondida mas sempre presente a todos”.

D. António Marto explica que “esta sua espiritualidade, santidade e virtudes são muito humanas”.

“Ela não era uma extraterrestre, não vivia fora da nossa órbita, foi humana e muito feminina, uma mulher inteligente e perspicaz, desembaraçada e solidária, cheia de alegria e humor contagiante como testemunham as irmãs do Carmelo”, assinalou.

O cardeal, que pertence ao Dicastério para as Causas dos Santos, refere que, apesar de a vocação de Lúcia ter sido vivida no mosteiro, na clausura, em dimensão contemplativa, não estava alheia à vivência e aos problemas da Igreja quer do mundo, que estava mergulhado “no inferno de duas guerras e uma Igreja altamente perseguida, vítima de um ateísmo militante”. “Foi portadora de uma mensagem que transmitiu à Igreja e ao mundo, mas que interiorizou profundamente na sua espiritualidade. Uma mensagem de misericórdia, de esperança e de paz para o mundo”, vincou.

O prelado evidencia quatro aspetos da espiritualidade de Lúcia: a paixão pela beleza de Deus e do seu amor; a sua devoção e confiança no Coração Imaculado de Maria, símbolo do amor e da misericórdia de Deus; o amor à Igreja e à humanidade, vivido sempre com compaixão; e a oferta da sua vida a Deus em favor da humanidade, muito interpelador para a Igreja de hoje, quando assistimos a uma espécie de eclipse cultural, de esquecimento e de indiferença em relação a Deus.

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Enfim, um rico legado, um forte apelo!

2026.06.22 – Louro de Carvalho

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